Operação policial deixa ao menos 22 mortos na Vila Cruzeiro, no Rio

Ação é a terceira mais letal da história recente da região metropolitana do Rio de Janeiro, segundo levantamento

Folhapress Folhapress -
RIO DE JANEIRO, RJ, 24.05.2022 – OPERAÇÃO-VILA CRUZEIRO-RIO – Amigos e familiares de mortos na Operação da Vila Cruzeiro, umas das 13 comunidades do Complexo da Penha, na zona norte do Rio de Janeiro, na porta do hospital Getúlio Vargas. Ao menos 10 pessoas morreram na ação. (Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress)

(FOLHAPRESS) – Uma operação conjunta do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) e da Polícia Rodoviária Federal deixou ao menos 22 pessoas mortas nesta terça-feira (24) na Vila Cruzeiro, uma das 13 favelas do Complexo da Penha, na zona norte carioca. Outras sete pessoas ficaram feridas.

A ação é a terceira mais letal da história recente da região metropolitana do Rio de Janeiro, segundo levantamento feito pelo Geni-UFF (Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense) desde 1989.

Segundo as duas corporações, a ação desta terça visava prender em flagrante mais de 50 traficantes de diversos estados que planejavam sair em comboio até a favela da Rocinha, na zona sul da cidade. O plano, porém, foi frustrado quando uma das equipes à paisana foi descoberta e atacada na entrada, por volta das 4h.

O que se seguiu foram horas de confrontos, que acabaram subindo pela comunidade até chegar a uma área de mata que liga a Vila Cruzeiro ao Complexo do Alemão, onde a maioria dos suspeitos foi baleada. Foram apreendidos 13 fuzis, 12 granadas, 4 pistolas, 10 carros e 20 motos que fariam parte do comboio.

Entre os mortos está também Gabrielle Ferreira da Cunha, 41, alvejada dentro de casa longe dali. Segundo a PM, ela foi atingida durante o confronto, na comunidade vizinha da Chatuba. A Delegacia de Homicídios da Capital fez perícia na residência para investigar de onde partiu o tiro.

O número divulgado no início da manhã, de ao menos dez mortos, foi subindo ao longo do dia, conforme corpos e feridos chegavam no Hospital Estadual Getúlio Vargas, de onde se ouviam os tiros na favela. Familiares choravam e gritavam em protesto na porta da unidade.

No início da tarde, 22 entidades e movimentos sociais divulgaram uma nota pedindo às polícias o imediato cessar-fogo, dizendo que mães e familiares estavam mobilizados a entrar na mata em meio ao tiroteio no desespero de localizar seus parentes, e ativistas de direitos humanos estavam no meio do fogo cruzado.

Moradora da Vila Cruzeiro, Cláudia Sacramento, 52, contou que a operação começou por volta das 3h30 e que, desde então, instaurou-se um clima de tensão na comunidade.

“As pessoas estão com medo de sair de casa. Tem helicóptero rondando. Tem muita gente dentro de casa com medo de sair, mas elas têm medo também de perder o emprego. Tem patrão que não acredita quando elas dizem que está tendo tiroteio”, diz ela, que fundou há 11 anos a página “Vila Cruzeiro RJ” para levar informação à comunidade.

Em razão dos confrontos na Vila Cruzeiro, 19 escolas da região precisaram fechar as portas, segundo a Secretaria Estadual de Educação. “Não tem como sair de casa. As escolas fecharam, os agentes comunitários não podem ir na casa das pessoas, então elas acabam ficando sem remédio”, criticou Arthur Lucena, 35, também morador.

Os Ministérios Públicos estadual e federal abriram investigações independentes para apurar eventuais violações de direitos durante a incursão. O primeiro solicitou ao comando do Bope que envie em até dez dias um relatório que aponte os responsáveis pelas ações letais.

Também recomendou a apreensão e perícia de todas as armas dos policiais militares envolvidos na ação, para comparação com os projéteis que venham a ser retirados das vítimas.

Já o segundo órgão pediu em caráter de urgência aos superintendentes da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal informações sobre efetivo que participou da operação, com cópia de suas respectivas fichas funcionais e relatório final sobre a ofensiva.

À Promotoria, a polícia justificou a “absoluta excepcionalidade” dizendo que um equipe fazia uma ação para coletar dados de inteligência sobre o deslocamento dos criminosos quando foi reconhecida e atacada por criminosos, “havendo assim a necessidade de iniciar uma operação emergencial”.

Em junho de 2020, o ministro do STF Edson Fachin restringiu as operações no Rio de Janeiro a casos excepcionais enquanto durasse a pandemia da Covid-19, no âmbito da chamada ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental) das Favelas.

Desde então, as polícias ficaram obrigadas a informar ao Ministério Público a ocorrência de operações e o que justificou a excepcionalidade. Nos primeiros meses, as incursões e mortes por agentes de segurança despencaram no estado, mas depois os números voltaram a subir.

Em fevereiro, a Vila Cruzeiro já tinha sido palco de uma operação violenta. À época, oito homens foram mortos pela durante uma ação da Polícia Militar e da PRF. Os agentes tentavam prender Adriano de Souza Freitas, conhecido como Chico Bento e apontado como chefe do tráfico no Jacarezinho.

Como a favela foi ocupada pela polícia em janeiro para implantar o Cidade Integrada, programa do governador Cláudio Castro (PL), os criminosos teriam se escondido na Vila Cruzeiro, também dominada pela facção Comando Vermelho.

Na noite desta terça, o presidente Jair Bolsonaro elogiou a ação no Rio. “Parabéns aos guerreiros do Bope e da PM-RJ que neutralizaram pelo menos 20 marginais ligados ao narcotráfico em confronto, após serem atacados a tiros durante operação contra líderes de facção criminosa”, escreveu ele em uma rede social.

“Lamentamos pela vítima inocente, bem como pela inversão de valores de parte da mídia, que isenta o bandido de qualquer responsabilidade, seja pela escravidão da droga, seja por aterrorizar famílias, seja por seus crimes cruéis”, continuou o presidente.

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