Historiador britânico defende que expansão imperialista é êmbolo das guerras

Historiografia que privilegia tal expansão é mais recente e nem tão divulgada

Folhapress Folhapress -
Vladimir Putin, presidente da Rússia. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)

JOÃO BATISTA NATALI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Há duas maneiras de sinalizar o começo da Segunda Guerra Mundial. A mais convencional indica setembro de 1939, quando a Alemanha nazista invadiu a Polônia e recebeu, em troca, a declaração de guerra de britânicos e franceses. Outro marco cronológico possível é a invasão pelo Japão da província chinesa da Manchúria, também num mês de setembro, mas em 1931.

Em história não há opção correta que se contraponha à incorreta. Ambas são possíveis, desde que se definam as formas predominantes de interpretação. No primeiro caso, então, a ênfase está no continente europeu; no segundo, na lógica imperialista que levou o Japão –e levaria mais tarde Alemanha e Itália– a expandir seus chamados espaços vitais.

A historiografia que privilegia a expansão imperialista como êmbolo das guerras é mais recente e nem tão divulgada.

Um de seus porta-vozes é o historiador britânico Richard Overy, professor nas universidades de Cambridge e Exeter e autor de “Blood and Ruins – The Last Imperial War (1931-1945)” (sangue e ruínas, a última guerra imperial), publicado em agosto do ano passado e ainda não traduzido em português.

Uma pequena curiosidade. A expressão “espaço vital” circula na historiografia como se fosse nazista.

Não o é. Ela apareceu em 1897 na boca do geógrafo Friedrich Ratzel, para designar aquilo que significa até hoje reservas geográficas com alimentos e matérias-primas, capazes de satisfazer as necessidades materiais de determinada população. Se esse espaço não existe, segundo o lugar-comum do século 20, foi preciso conquistá-lo por meio da força.

O imperialismo nasceu com o Renascimento e de início beneficiou um grupo restrito de potências navais –Portugal, Espanha, França, Inglaterra e Holanda– que passariam a concorrer, bem mais tarde, com a Bélgica e com as duas potências europeias recém-unificadas como Estados na segunda metade do século 19, Alemanha e Itália. A elas se juntaria em 1864 a dinastia japonesa Meiji, que permitiu a emergência de uma elite militar de trágicos resultados para a paz.

Overy discute algumas das características desses polos de colonização. Eles desprezavam a cultura do colonizado e a consideravam antropologicamente inferior. Além disso, as metrópoles construiam territórios infinitamente maiores que elas próprias: em 1911, os britânicos tinham 31 milhões de quilômetros quadrados e 400 milhões de súditos, 105 vezes mais terras que o arquipélago britânico em si. A França tinha 22 vezes mais, a Holanda, 60 vezes e a Bélgica, 80.

O imperialismo funcionava por vezes por meio de uma megalomania explícita, como é o caso da Itália, que delirou com o fascismo de Benito Mussolini no sentido de uma reconstrução, no mar Mediterrâneo, de uma unidade territorial semelhante à do Império Romano na antiguidade.

Mas a Itália teve bem menos que isso. Inicialmente a pequena Líbia, depois em 1935 a Etiópia (à época Abissínia) e, por fim, a Albânia. Nos dois últimos os fascistas implantaram o racismo que desvalorizava os nativos e os proibia de se casar com italianos. O plano finalmente frustrado de Mussolini consistia em enviar à Etiópia 6,5 milhões de camponeses para produzir comida aos italianos e evitar que essa mão de obra emigrasse para as Américas.

A conquista desse território custou aos italianos 15 mil mortos e 200 mil feridos. E eles mataram 275 mil etíopes.

Cabe a pergunta: e a Liga das Nações cruzou os braços e não reagiu? Essa entidade, precursora distante da ONU, tinha em seu meio uma cultura pró-imperalista. E os suspeitos de cultivarem um projeto de guerra, como a Alemanha, simplesmente faziam as malas e deixavam a organização.

A Liga apenas repreendeu o Japão quando ele invadiu a Manchúria, e foram anos de carnificina contra os chineses. A guerra se expandiu para Pequim, Xangai e Wuhan. Em 1939, chegou a um impasse que as duas partes não desejavam romper antes de saber como evoluiria a guerra na Europa.

A Alemanha foi um caso mais sério. Adolf Hitler foi aos poucos. Avançou sobre a Tchecoslováquia (que virou protetorado de Berlim) antes de 1939, quando 1,5 milhão de soldados, 1.929 aviões e 3.600 veículos blindados atravessaram a fronteira com a coitadinha da Polônia.

O território polonês, argumenta Overy, foi objeto de uma clara investida imperialista, já que Hitler procurava no país vizinho o primeiro passo para a construção de um ampliado “espaço vital” que levaria os alemães à Ucrânia e ao Cáucaso russo. O imperialismo se preparava para produzir mais dezenas de milhões de mortos.

 

BLOOD AND RUINS – THE LAST IMPERIAL WAR (1931-1945)
Autor: Richard Overy
Editora: Viking (sem edição no Brasil)
Págs.: 990
US$: 20 em ebook

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