Brasil testa semana de quatro dias de trabalho

Iniciativa de reduzir a jornada de trabalho semanal está em teste globalmente, com indicativos de produtividade igual ou até maior

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Defensores da semana de trabalho mais curta dizem que é necessário reorganizar toda a rotina e não apenas eliminar um dia do calendário (Foto: Reprodução)

FERNANDA BRIGATTI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Empresas brasileiras começarão a testar em dezembro um novo modelo de trabalho com jornada menor e salários iguais. Há a promessa de produtividade igual ou maior.

A iniciativa de reduzir a jornada de trabalho para quatro dias na semana está em teste globalmente. Na América Latina, começará pelo Brasil, intermediada pela 4 Day Week, organização que desde 2019 avalia novos modelos de trabalho e produtividade.

Por aqui, a companhia trabalha com a Reconnect Happiness at Work, empresa que atua no crescente segmento da felicidade corporativa.

Interessados em testar o modelo podem se inscrever até o fim de agosto -funcionários também podem indicar suas companhias. A expectativa de Renata Rivetti, da Reconnect, é que de fato participem do projeto-piloto de 30 a 50 empresas.

Quando o site para cadastro foi aberto, há três meses, quase 400 pessoas e empresas manifestaram interesse. Em junho, tiveram início as sessões de informação, quando gestores de companhias dedicaram cerca de uma hora em reuniões virtuais abertas para entender os detalhes do projeto.

Gabriela Brasil, diretora de Comunidade na 4 Day Week Global, diz que o principal critério de participação é a abertura da empresa para uma mudança cultural. Tamanho, setor ou número de funcionários não são critérios de exclusão.

Muitas, porém, desistem já no processo de inscrição. O piloto tem um custo, que cobre o percurso dos meses seguintes.

O valor, que varia de modelo a ser aplicado pela empresa, dá acesso a uma biblioteca de pesquisas sobre produtividade e à metodologia das aulas. Ao final, essas companhias ganham um selo que as identificam pela participação no programa.

A partir de novembro, o Boston College, que trabalha com a 4 Day Week, começará a acompanhar as empresas do piloto —uma avaliação será feita com três meses e depois ao final. A ideia é ter métricas para as empresas.

“O investimento financeiro acaba sendo mais simbólico. É muito mais investimento de tempo para mudança, de a empresa olhar para a cultura e estar disposta a ser mais produtiva, a trabalhar melhor, a rever a quantidade de reuniões”, diz Rivetti.

Há empresas curiosas e interessadas na novidade, mas nem todas têm o pique de testar a aplicação na prática.

Se a mera ideia de eliminar um dia da rotina parece desafiadora, Rivetti e Brasil destacam que a premissa do projeto vai além: reduzir a jornada para quatro dias depende de mudar o modo de trabalhar, reorganizar a comunicação e, principalmente, aumentar os critérios para reuniões -que precisam ser mais curtas e mais resolutivas.

“As reuniões precisam ser mais pautadas, precisam ser direcionadas. O problema pode ser pensado antes, registrado antes para que todos estejam preparados”, diz Gabriela Brasil.

A cena clássica da vida nos escritórios, como a equipe sentada ao redor de uma grande mesa oval ou redonda, foi alterada a partir da pandemia com as equipes em modelo híbrido ou remoto, mas ela ainda precisa ser repensada para esse futuro em que se trabalha menos e com melhor qualidade.

Pesquisa de 2022 da Harvard Business Review mostra que 70% das reuniões tiram empregados de trabalho produtivo. A redução no volume de compromissos desse tipo também diminui a percepção dos funcionário sobre o microgerenciamento feito por chefes, algo que, em geral, é lido como excesso de vigilância pelas forças de trabalho.

Em inglês, reuniões e gerentes têm a mesma inicial (a letra M). Os MM, diz Gabriela Brasil, são os dois grandes vilões da produtividade. “É um custo muito alto para a empresa colocar dez pessoas em uma reunião, dez lideranças que não estão sendo produtivas, participando daquela reunião.”

Quem já testou outro desenho de semana de trabalho relata bons resultados. Na empresa de serviços financeiros Efí, o período de teste foi renovado por mais um ano. Os primeiros seis meses, diz a gerente de Recursos Humanos, Glícia Braga, foram os mais difíceis pelo volume de ajustes necessários.

Um dos pontos que precisaram ser “consertados” ao fim do primeiro semestre seguintes foi a calibragem do dia a menos de trabalho com os feriados. Para evitar que o número de folgas ficasse com frequência maior do que os de trabalho, agora as equipes têm de escolher um ou outro.

A trava garante que a jornada de trabalho fique em 32 horas semanais, independentemente de outras pausas, e ajuda a manter o volume de trabalho.

Os primeiros dados coletados pela empresa com os líderes de equipe apontam para um aumento na produtividade. Os números também melhoraram conforme as equipes se acostumavam com o modelo.

Em novembro de 2022, 86% dos líderes disseram que o nível de produtividade se manteve estável ou aumentou. Neste ano, em maio, 100% consideraram ter havido manutenção ou aumento nas entregas das equipes.

A Efí não participou do piloto da 4 Day Week. A ideia de testar o modelo surgiu internamente, a partir dos relatos de testes em companhias pelo mundo. Também lá as reuniões funcionavam como um dreno de horas produtivas.

“Será que realmente precisava ter três pessoas da mesma equipe em uma reunião? Esse é o tipo de pergunta que a gente começou a fazer e incentivar um fluxo melhor de trabalho, rever processos, ser mais assertivo”, diz Braga.

A empresa também estimulou que os funcionários passassem a concentrar demandas pessoais, como consultas, exames ou levar o carro à oficina, por exemplo, no dia extra de folga, para garantir que os outros quatro dias sejam dedicados ao trabalho.

Uma das empresas já confirmadas no projeto-piloto da 4 Day Week com a Reconnect é a Oxygen, que produz conteúdo sobre inovação. Os testes em outros países, portanto, estavam no radar da companhia e em pauta nas discussões com clientes.

Andrea Janér, CEO da Oxygen, diz que, ao saber que o projeto-piloto seria aplicado no Brasil, era natural que a empresa buscasse a adesão. A Oxygen vai participar do teste em um modelo em grupo, junto de outras companhias pequenas (ela tem 12 funcionárias).

“Não se trata de apenas cortar um dia nem de trabalhar o dobro nos outros dias. Não é compensando para trabalhar um dia na semana”, diz Janér. A expectativa da CEO é de que o projeto-piloto consiga orientar um novo modelo para evitar o que aconteceu com o home office durante a pandemia.

Na avaliação dela, quando os escritórios precisaram ser fechados, o modelo de trabalho foi apenas transferido para o remoto sem qualquer adaptação —e isso talvez tenha influenciado a decisão de muitas empresas de suspenderem o home office assim que possível.

Outros países já testaram ou começaram a colocar o modelo à prova. No Reino Unido, o projeto-piloto durou seis meses e foi realizado pela 4 Day Week Global com 61 empresas. Dessas, 38 disseram que manteriam o teste e 18 decidiram manter a semana de quatro dias.

Em Portugal, o teste começou pelo setor público. O governo do país também iniciou uma ampla pesquisa com trabalhadores como preparação para um projeto-piloto de redução dos dias de trabalho. O levantamento deve terminar no início de setembro.

Também há experiência do mesmo tipo na Nova Zelândia (onde nasce a 4 Day Week Global), Austrália, Estados Unidos e Irlanda.

Uma das preocupações, no Brasil e onde o piloto já foi testado, é com as implicações jurídicas da eventual mudança na rotina e mesmo em um efeito sobre os salários, pois a hora é uma baliza para as remunerações.

A proposta do 4 Day Week Global, porém, é a de seguir o que ele chamam de 100-80-100: 100% do salário, 80% das horas e 100% da produtividade.

Na Efí, os testes para a redução da jornada para 32 horas semanais (em substituição às 40 horas) foram incluídos em acordos fechados com os sindicatos de trabalhadores em Recife, Ouro Preto (MG) e São Paulo, onde a empresa está instalada.

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