Alternativa do STF ao marco temporal prevê indenização e outras regras

Primeiro ponto da tese diz que a demarcação é um procedimento declaratório do direito originário dos indígenas

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Alternativa do STF ao marco temporal prevê indenização e outras regras
Sessão plenária do STF. (Foto: Carlos Moura/SCO/STF)

LUCAS LACERDA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que considera inconstitucional a tese de um marco temporal para demarcação de terras indígenas não encerrou os embates sobre o assunto. Embora decidida pelo Judiciário, um projeto de lei foi aprovado em votação relâmpago no Senado na quarta-feira (27), e segue para sanção do presidente Lula (PT).

No Supremo, os ministros fixaram uma tese com 13 pontos, que rejeita o marco temporal da data da Constituição para que os povos originários tenham direito ao território, reforça a importância de laudos antropológicos e estipula o pagamento de indenizações a ocupantes.

Veja destaques da tese fixada pelo STF, que tem repercussão geral —ou seja, vale para outros casos semelhantes.

DIREITO ORIGINÁRIO SOBRE A TERRA

O primeiro ponto da tese diz que a demarcação é um procedimento declaratório do direito originário dos indígenas de posse da terra. É um reconhecimento da situação jurídica na qual os povos indígenas têm esse direito sobre as terras que tradicionalmente ocupam.

Essa ocupação tradicional dá o direito de posse aos indígenas e está ligada a questões sociais e culturais dos diferentes povos, como organização, costumes, crenças e tradições, além dos recursos naturais que garantem sua existência.

O uso tradicional da terra também é assegurado em outro ponto da tese e é considerado compatível com a proteção do meio ambiente. “É por isso que muitas terras demarcadas se confundem com reservas ambientais”, diz a advogada constitucionalista Vera Chemin.

DATA DA CONSTITUIÇÃO NÃO É MARCO TEMPORAL

O terceiro item da tese diz que a proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras ocupadas “independe da existência de um marco temporal em 5 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho [conflito de posse], como conflito físico ou controvérsia judicial”.

Esse ponto era criticado por movimentos indígenas argumentam que, em 1988, seus territórios já haviam sido alvo de séculos de violência e destruição, e que as áreas de direito dos povos não deveriam ser definidas apenas por uma data.

Por outro lado, ruralistas defendem que tal determinação serviria para resolver disputas por terra e dar segurança jurídica e econômica. O projeto aprovado no Senado contraria a tese do Supremo e retoma o marco.

BENFEITORIAS DEVEM SER INDENIZADAS

Ocupantes de boa-fé que estivessem ou permaneçam na terra indígena —de propriedade da União— têm direito a indenização por benfeitorias, como construções de edificações e fazendas, por exemplo. São dois tipos: as úteis aumentam a utilidade do imóvel rural; as necessárias impedem a deterioração do bem.

“Um comprador de imóvel rural, muitas vezes uma pessoa simplória, compra um imóvel baseado num documento que não vale nada. Compra sem saber que não pertence ao vendedor. Então agiu de boa-fé “, diz Flávio de Leão Bastos Pereira, coordenador do Núcleo de Direitos Indígenas e Quilombolas da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo.

“Quando se fala em indenização por boa-fé, a intenção daquele que pratica ato jurídico é norteada pela ética. Não há má fé, dolo ou intenção de lesar alguém.”

INDENIZAÇÃO POR TERRA NUA

Negócios e título de posse de boa-fé em terras indígenas sem ocupação tradicional ou conflito pelo território feitos até a promulgação da Constituição de 1988 são válidos, segundo a decisão. Como terão que sair, os ocupantes terão direitos de indenização pelas benfeitorias. Sendo inviável o reassentamento, deverão receber indenização pela terra nua.

Esse valor será indenizado pela União, que será ressarcida pelo estado que concedeu o título ao ocupante, em dinheiro ou títulos de dívida agrária. Bastos Pereira afirma discordar da constitucionalidade da indenização pela terra nua, sem considerar benfeitorias.

“Se é terra nua em terras indígenas demarcadas, a indenização é inconstitucional, porque o artigo 231 da Constituição é taxativo”, diz. “É nulo qualquer título oriundo de negociação que envolva terra da União. Como vai indenizar alguém por comprar e usar terra que é da União? É uma ruptura clara com a intenção do constituinte.”

Em casos que já tenham sido resolvidos, inclusive na Justiça, segundo o STF, não cabe indenização.

REDIMENSIONAMENTO DE TERRA INDÍGENA

É permitida uma revisão, quando houver erro grave, da área da terra indígena, que deve ser feita em até cinco anos a partir da primeira demarcação. As exceções são processos em andamento antes da data da decisão no STF.

USUFRUTO DE RECURSOS NATURAIS

O uso de riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes pertence exclusivamente aos indígenas. Chemin critica a falta, no entanto, de meios para que eles possam usá-los. “Não adianta a União não dar recurso às populações indígenas, assim como para sua saúde e educação. A União precisa providenciar.”

Para Segundo Bastos Pereira, riquezas minerais, sob o solo, podem ser exploradas, por meio de lei do Congresso que autorize. E apenas se houver anuência das comunidades afetadas. “É ouvir e respeitar, inclusive se houver oposição para preservar suas existências.”

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