Chapa Marta-Boulos reforça polarização Lula-Bolsonaro na eleição em São Paulo

Afunilamento do cenário reforça a avaliação de que candidaturas descoladas dos dois nomes terão um caminho complicado

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O deputado federal Guilherme Boulos e a ex-prefeita Marta Suplicy – Fotos Mathilde Missioneiro/Folhapress

JOELMIR TAVARES

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A confirmação da chapa de Guilherme Boulos (PSOL) com Marta Suplicy, que está prestes a voltar ao PT após deixar o governo do prefeito Ricardo Nunes (MDB), acentuará a polarização na eleição para a Prefeitura de São Paulo entre o presidente Lula (PT) e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

A entrada de Lula na articulação política para tirar Marta da Secretaria Municipal de Relações Internacionais e reincorporá-la ao PT, após a traumática desfiliação em 2015, e os movimentos de Nunes pelo apoio de Bolsonaro, hoje considerado certo pelo prefeito, evidenciaram a divisão.

O afunilamento do cenário entre os dois postulantes com a melhor pontuação nas pesquisas de intenção —o deputado federal Boulos à frente— reforça a avaliação de que candidaturas descoladas dos dois nomes, como a da também deputada Tabata Amaral (PSB), terão um caminho complicado.

A reprise da polarização da eleição presidencial é estimulada pelos dois lados, que enxergam o pleito municipal deste ano como uma vitrine de demonstração de força que será determinante para a disputa de 2026, quando Lula e o bolsonarismo devem protagonizar uma espécie de tira-teima de 2022.

O presidente disse em encontro do PT no fim do ano que acha que “vai ser, outra vez, Lula e Bolsonaro disputando essas eleições nos municípios”. Apesar de estar inelegível, Bolsonaro quer trabalhar pela eleição de aliados em prefeituras e vislumbra um papel como líder da direita em 2026.

A associação de Boulos a Lula, evidente desde a origem da pré-candidatura do psolista, tem diferenças com a ligação que se desenha entre Nunes e Bolsonaro. O emedebista quer o ex-presidente no palanque, mas ensaia tratá-lo como um entre tantos apoiadores e aderir com cautela ao discurso bolsonarista.

Da parte do PSOL e do PT, o discurso da polarização está escancarado, com a retórica de que é crucial a cidade de São Paulo dar uma demonstração inequívoca de derrota do bolsonarismo, ora representado por Nunes, mas que pode estar dividido em mais de uma candidatura.

Como há dúvidas sobre a permanência de Bolsonaro com o prefeito até a campanha, depois de uma série de declarações ambíguas e acenos a outras alternativas, o lançamento de uma candidatura “bolsonarista raiz” endossada pelo ex-presidente, como a de Ricardo Salles (PL), não é descartado.

Segundo aliados de Boulos, no entanto, o quadro de concorrentes não vai alterar a estratégia de apresentá-lo como o político capaz de reunir o campo democrático contra o que consideram representantes do autoritarismo da extrema direita que flertou com um golpe de Estado.

Correligionários de Bolsonaro, da mesma forma, pintam o campo oposto como o mal a ser combatido pelo segmento conservador, alertando para a vitória política que a esquerda terá se conquistar a prefeitura da maior cidade do país.

A ordem é evitar a qualquer custo a eleição de Boulos.

O retorno de Marta ao PT, costurado pelo próprio Lula, resgata uma figura histórica do partido, que administrou a cidade de 2001 a 2004 com um legado reconhecido até mesmo por rivais. Apesar de ter rompido com a sigla e votado pelo impeachment de Dilma Rousseff, a ex-prefeita se manteve para parte da opinião pública com a imagem de petista. Depois de uma passagem pelo MDB, ela está sem partido.

Se confirmada vice na chapa, a ex-prefeita deverá ressaltar na campanha os feitos de sua gestão, exaltando feitos como os CEUs, o Bilhete Único e os corredores de ônibus. A expectativa é que a filiação dela seja anunciada nos próximos dias. Na terça-feira (9), ela saiu da gestão Nunes.

A justificativa de Marta para o desembarque foi justamente a aproximação do emedebista com Bolsonaro, algo que Boulos classificou nos últimos dias como um papel vexatório. O discurso é o de que seria incoerente com a trajetória da ex-petista estar do mesmo lado que o ex-presidente.

Nunes relativiza o assunto, lembrando que seus acenos em busca do apoio dele eram públicos desde o ano passado.

O prefeito chegou a receber Bolsonaro em um almoço na prefeitura em agosto.

A distância calculada que Nunes mantém em relação ao ex-presidente se explica pelo índice de rejeição a Bolsonaro na capital. Pesquisa Datafolha de agosto mostrou que 68% dos paulistanos dizem que jamais votariam em um candidato apoiado pelo ex-mandatário.

Já a esquerda se fia no retrato da eleição de 2022 para apostar na vitória de Boulos. Na ocasião, Bolsonaro e seu candidato a governador, Tarcísio de Freitas (Republicanos), tiveram menos votos na capital do que Lula e Fernando Haddad (PT), o que indicaria uma tendência favorável neste ano.

Boulos tem se empenhado em demarcar o caráter de polarização da disputa e se refere à candidatura do adversário como “BolsoNunes”. O psolista também faz oposição a Tarcísio lembrando que o ex-ministro de Bolsonaro continua aliado a ele e deverá acompanhar o ex-presidente no apoio ao prefeito.

“A luta que vamos ter logicamente será sobre projeto urbano, qualidade de vida e políticas sociais, mas também será uma luta para derrotar mais uma vez o bolsonarismo no nosso país”, disse o pré-candidato do PSOL em ato na terça para receber o apoio do PDT à sua candidatura.

Lula estreou na pré-campanha do aliado em um ato do governo em dezembro, na zona leste, com a presença de Boulos. O presidente informou que vai participar de outras atividades para promovê-lo e recomendou a auxiliares que intensifiquem ações para valorizar iniciativas federais na cidade.

Com os holofotes voltados para as atuações dos padrinhos, pré-candidatos que tentam passar ao largo da dicotomia Lula-Bolsonaro buscam conquistar eleitores refratários a ambos.

Tabata vem afirmando que pretende dialogar com a parcela da população que rejeita a polarização e quer discutir problemas locais. A deputada, apoiada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), vê espaço para propor soluções sem apego a dogmas ideológicos, como é próprio de sua atuação parlamentar.

O deputado federal Kim Kataguiri, que tenta viabilizar uma candidatura pela União Brasil —sigla hoje na órbita de Nunes—, também se articula no sentido de romper a dualidade. Antipetista e antibolsonarista, o líder do MBL (Movimento Brasil Livre) mira um eleitor de direita menos radicalizado e liberal na economia.

Na avaliação do cientista político Alberto Carlos Almeida, a influência de Lula e Bolsonaro na eleição paulistana ainda é incerta, já que questões da cidade podem se sobrepor à briga política nacional. “Se mantido o cenário, não será uma disputa clássica entre o candidato de Lula e o de Bolsonaro”, diz.

Colaborou Carolina Linhares, de São Paulo

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