Chile convive com focos de fogo, vaivém de helicópteros e estradas fechadas
Milhares de bombeiros e socorristas continuaram os esforços para conter os incêndio, que já são considerados um dos três mais mortais do mundo neste século
O helicóptero cruza a estrada descendo lentamente até que a cesta alcance o rio. A água que ele recarrega é para tentar parar um dos muitos focos de incêndio que, em seu quarto dia, ainda consomem a mata ao redor da cidade de Viña del Mar, no litoral do Chile, nesta segunda-feira (5).
O fogo começou ao meio-dia de sexta-feira (2), em quatro pontos distintos da região, a uma hora e meia da capital Santiago -razão pela qual as autoridades falam em incêndio criminoso. O incêndio espalhou-se em poucos minutos impulsionado pela onda de calor que atingiu o sul do continente nos últimos dias, varrendo vilas inteiras e matando mais de 120 pessoas.
Enquanto o governo ainda conta os mortos nas vilas, o fogo segue majoritariamente nas áreas de mata dos morros, o que ocasionou o fechamento de parte das estradas locais. Como nos primeiros dias o trânsito impedia a chegada de socorro, passaram a ser permitidos apenas veículos oficiais.
“Passem, passem”, grita o “carabinero” – como são chamados os policiais chilenos que controla a saída e não deixa ninguém nem parar para perguntar. Exceto os caminhões enfeitados com bandeiras do país, símbolo de que alguma ajuda está chegando, seja comida, água ou outras doações.
No centro da cidade, porém, ainda se veem alguns dos efeitos que restaram depois da nuvem de fumaça que escureceu a praia onde turistas se banhavam, na sexta. Nos restaurantes, os comerciantes apressam os clientes porque às 21h começa o toque de recolher em toda a região, até as 5h do dia seguinte.
“Vai começar o toque de recolher, agora só fazemos para levar”, avisa o dono de uma lanchonete árabe guardando as mesas do lado de fora. “Eu tenho um restaurante e tive que fechar duas horas antes para que os empregados chegassem em casa”, conta Joaquín González, 38, também funcionário de um hotel.
Ele tenta gravar os cartões que servem de chave, mas a máquina desconfigurou depois que Viña del Mar passou um dia sem luz. Enquanto resolve o problema, ele diz que a ideia do toque de recolher é evitar que mais gente coloque fogo em áreas de mata durante a noite e também os saques às casas afetadas que ficaram vazias.
Milhares de bombeiros e socorristas continuaram os esforços para conter os incêndio, que já são considerados um dos três mais mortais do mundo neste século.
“É como uma zona de guerra, como se uma bomba tivesse explodido”, disse Jacqueline Atenas, 63, que na sexta teve de fugir de sua casa em Villa Independencia na cidade de Viña del Mar. Ela voltou à região nesta segunda carregando uma pequena mochila rosa, a única coisa que conseguiu salvar, e encontrou apenas destroços. “Havia muito vento, muito vento e grandes bolas de fogo que passavam voando.”
O Chile começou um período de luto oficial de dois dias nesta segunda. Centenas de pessoas ainda estão desaparecidas e cerca de 14 mil casas foram danificadas ou destruídas, segundo as autoridades.
Imagens de drones feitas pela agência de notícias Reuters na área de Viña del Mar mostram bairros inteiros queimados, com moradores remexendo os destroços de casas cujos telhados de ferro desabaram. Nas ruas, carros destruídos estavam espalhados pelas estradas.
Na noite de domingo (4), o vice-ministro do Interior, Manuel Monsalve, disse que havia 165 incêndios ativos, número maior do que os 154 registrados no sábado. Um toque de recolher foi imposto nas regiões mais atingidas, e militares foram mobilizados para ajudar os bombeiros a conter os focos de incêndio.
Segundo relatório da Corporação Nacional Florestal (Conaf), os incêndios eram registrados em 290,3 quilômetros quadrados na manhã desta segunda, o que equivale a 19% da área do município de São Paulo. A região (equivalente a estado) de Valparaíso era a mais atingida, com 35,1% dos focos ativos.
Monsalve disse que temperaturas um pouco mais baixas e a cobertura de nuvens podem ajudar as autoridades a apagar os incêndios nos próximos dias.
“Vamos continuar a ter temperaturas altas, mas não extremas”, disse ele.
Já a polícia investigativa do Chile disse que analisa as áreas onde os incêndios podem ter sido causados de forma intencional.
O Chile, a Argentina e outras partes do cone sul da América do Sul estão enfrentando uma forte onda de calor, algo que, segundo especialistas, se tornará mais comum durante os meses de verão do hemisfério sul devido à crise climática. O clima extremo em território chileno também foi exacerbado pelo fenômeno climático El Niño, que aquece o oceano Pacífico.
Jesica Barrios, que perdeu sua casa em Viña del Mar, disse à Reuters que o fogo havia chegado “de um momento para o outro”. “O fogo chegou ao parque botânico e, em dez minutos, já estava sobre nós”, disse ela. “Havia fumaça, o céu ficou preto, tudo estava escuro. O vento parecia um furacão. Era como estar no inferno.”
Os incêndios no Chile estão entre os mais mortais do século 21, depois dos que ocorreram na Austrália em 2009 (179 mortes) e dos que provocaram devastação no Havai em agosto de 2023 (mais de 110 mortes).