“Aquilo ali é uma bomba-relógio”, alerta ex-funcionário da Quebec sobre aterro sanitário de Anápolis

Na segunda reportagem da série serão apontadas denúncias sobre a operação no local

Karina Ribeiro Karina Ribeiro -
Imagem mostra aterro sanitário ao fundo, vizinho da chácara de Dona Rosana, em Anápolis. (Foto: Elvis Diovany/Portal 6)

“Aquilo ali é uma bomba-relógio”. Essa foi a primeira frase dita por um homem que dedicou seis anos da vida laboral dentro do aterro sanitário de Anápolis. Na primeira metade deste tempo, conforme ele, quem estava à frente da gestão era a GC Ambiental – quando a operação seguia os trâmites previstos no projeto – nos outros três anos foi funcionário da Quebec Ambiental – momento em que viu uma guinada nas tomadas de decisões das operações.

O relato de Felipe (nome fictício) coloca luz a uma série de danos ambientais que podem estar afetando a região. As denúncias vão desde descarte incorreto do chorume – subproduto do lixo altamente tóxico – até o manejo inadequado de cobertura dos resíduos sólidos. Felipe não tem dúvida, por projetos erráticos e diminuição de custos, o solo e água já estariam contaminados.

Ele explica que o correto é o chorume ser tratado na Estação de Tratamento de Esgoto (ETE). No entanto, ‘cansou de ver’ o líquido altamente tóxico ser jogado de forma indiscriminada em cima dos resíduos sólidos.

“A ETE tem hora para abrir e fechar e, como fica longe, eles pegavam da lagoa [nome ao local onde fica o chorume] e jogavam dentro do próprio aterro para não fazer mais viagens”, diz.

Felipe usa o termo borbulhar para explicar a percepção visual do material com o solo. Outro ponto levantado pelo profissional é a falta de ductos que deveriam ser instalados em camadas para ‘escoar’ o gás metano produzido pela decomposição de matéria orgânica.

“Só foi feito o da base e agora engoliu a bomba de gás e não tem mais dreno”, diz. Na prática, afirma, diminuíram a quantidade de manilhas e drenos de pedra, ‘sufocando’ o gás em bolsões formados entre a terra e resíduos sólidos.

Pela lógica de raciocínio, uma situação vai puxando a outra. Para ele, esse é um fator que impede que haja compactação adequada dos platôs – camadas de lixo que devem ser prensadas a um tempo médio de cada 24h.

Após a compactação, um volume de cerca de 60 centímetros de terra teria de ser despejada para dar mais vida útil ao aterro e também diminuir a presença de vetores e aves como urubus.

“Se fizer isso lá, com os bolsões de gás, há grande possibilidade de explosão. Eu não entendo como estão deixando um dano ambiental tão grande acontecer naquele local”, alerta.

Aterro Sanitário

A operação de um aterro sanitário é uma saída da engenharia considerada menos nociva ao meio ambiente, já que são construídos exatamente para evitar a contaminação do solo, água e ar. A perspectiva é de que os subprodutos oriundos do manejo, como o chorume e o gás metano, por exemplo, sejam retidos e não entrem em contato com a natureza.

Para tanto, é necessário seguir uma série de normas técnicas previstas na legislação. Especialistas ouvidos pelo Portal 6, entretanto, afirmam que, ao considerar o país como um todo, as regras não costumam ser seguidas a rigor da lei – muito em função dos altos custos.

“Em geral não são seguidas à risca, mas em Santa Catarina, por exemplo, é um bom estado para se observar como as práticas podem ser utilizadas de forma correta”, apontou o engenheiro sanitário e ambiental, Eduardo Argolo.

“Manter a operação de um aterro sanitário é caríssimo, então, não raro, elas não são feitas de forma correta com o intuito de diminuir custos”, apontou outro engenheiro ambiental especialista em resíduos sólidos que não quis se identificar. O receio para a tomada de decisão é de que haja ‘perseguição’, já que é empresário na área em Goiás.

O Portal 6 procurou especialistas de diferentes áreas na tentativa de entender a colcha de retalhos do processo rapidamente visível de degradação do meio ambiente em áreas vizinhas ao aterro sanitário de Anápolis.

Trabalhando de forma irregular, sem a renovação da licença ambiental, ao ampliar a área de manejo, a Quebec atua numa região repleta de minas d’água, nascentes e poços artesianos, estes últimos utilizados para o dia a dia dos proprietários rurais.

Imagens que mostram um comparativo do antes e depois da chegada do ‘empreendimento’ denunciam indícios de que houve uma degradação acelerada no local.

As nascentes viraram fiapos de água (em plena época de chuva), um poço com centenas de peixes secou e os animais que eram criados no pasto morreram aos poucos acometidos por doenças.

“Há indícios de que esteja havendo infiltração do solo. Há muito o que ser investigado”, apontou o engenheiro ambiental.

Ele explica, inclusive, sobre o perigo desse tipo de manejo em lugares assim. As nascentes e minas são rasas, superficiais – componentes a mais para a preocupação.

Outro ponto visível é o volume de urubus nas proximidades. Imagens impressionantes na região são de árvores, sem nenhuma folha viva, infestadas pelas aves.

“A presença do urubu, a princípio, pode ser vista como um bom indicador ambiental, já que consomem carcaças e quando elas não são ingeridas por eles podem se tornar um risco para a população que mora próximo”, explica o médico veterinário, Gabriel Pfrimer.

Mas quando há uma superpopulação, inverte-se a lógica. “Significa que há uma quantidade alta de materiais e daí os urubus se tornam um alerta sanitário”, ressalta.

Por isso, especialistas acreditam que um tipo de manejo essencial para mitigar a presença de vetores não esteja sendo feita da forma ou no tempo corretos.

A cerca de 40 centímetros de materiais depositados no aterro, é necessário que seja feita uma cobertura com a própria terra do local para eliminar odores, além de diminuir a presença de animais indesejados.

“É preciso compactar o material, fazer a cobertura com a própria terra do local de escavação em a, pelo menos, cada 24h”, explica Eduardo indo ao encontro do que disse o ex-funcionário da empresa.

Desvalorização

A desvalorização da área também é outro ponto tocado pelos entrevistados. Em geral, as cifras são colocadas em primeiro plano em problemas até de menor proporção.

Aqui não. O tema dinheiro veio sempre depois ou, muitas vezes, ao serem questionados. Segundo os mais experientes da região, um alqueire naquela localidade – em temperatura e pressão normais – vale em torno de R$ 2 a R$ 2, 5 milhões.

Esse valor já não se passa nem perto. Investidores olham com receio para o local. Como ouviu dona Rosana Teixeira, uma das moradoras mais afetadas da região, em tom de escárnio: “não pago nem R$ 500 mil”.

Leia nota da Quebec na íntegra:

Em qual situação está a busca por regularização para o manejo do Aterro Sanitário em relação à licença ambiental junto a SEMAD?

A licença ambiental para o Aterro Sanitário de Anápolis está ativa. O aterro está dividido em duas etapas. Uma fase operacional que engloba o maciço 1, o antigo lixão e o aterro de inertes; e a fase 2, que inclui o maciço 2 atualmente em operação.

A renovação da licença de funcionamento do aterro foi solicitada e estava em tramitação na SEMAD desde 2021. A Prefeitura Municipal, junto com a Quebec, tem buscado desde então responder todas as solicitações para a renovação.

Em 2023, uma nova notificação foi emitida pela SEMAD. Porém, não foi encaminhada para o município, sendo que este só obteve conhecimento quando o processo já havia sido migrado para o Sistema Ipê (novo sistema de licenciamento).

Diante disto e somando a necessidade de ampliação do aterro, foi recentemente elaborado um Termo de Compromisso Ambiental. Ele mantém ativa a licença do aterro até a execução de todas as condicionantes propostas no documento, conforme os prazos preestabelecidos.

Portanto, a licença do aterro está ativa e agora estamos na fase de elaboração dos estudos e documentos técnicos exigidos.

Por que a Quebec perdeu a licença ambiental?

A licença ambiental do aterro sanitário é de titularidade da Prefeitura Municipal de Anápolis, e não da Quebec Ambiental. A empresa, como operadora do aterro, tem como compromisso manter ativa as condicionantes da licença.

Porém a responsabilidade de manutenção da documentação junto a SEMAD é da Prefeitura, o que de forma colaborativa, é também efetivada pela Quebec.

Além disso, é importante ressalvar novamente que não houve perda de licença. Todas as providencias devidas para resolver as notificações e ajustes para o novo Sistema Ipê estão sendo providenciadas.

A empresa faz o manejo para mitigar a presença de vetores e urubus dentro das normas e prazos estabelecidos? Considerando a questão de fazer a cobertura com terra nos materiais a cada 24 horas.

A presença de vetores em aterros sanitários é talvez um dos maiores desafios a serem mitigados, assim como em qualquer atividade industrial que trabalha com material orgânico. O cheiro característico dessa matéria prima atrai os animais para dentro da área do aterro, independente de se fazer a cobertura diária do resíduo ou não.

Confinar o material reduz a incidência do odor característico. Mas ele se mantém em vários outros pontos, como no caminhão de coleta e nas máquinas de compactação. Somada a sensibilidade olfativa dos animais, torna a gestão de vetores bastante complexa.

Diversas ações são tomadas pela Quebec Ambiental no aterro de Anápolis e nas demais regiões de sua atuação para esse controle, como o cercamento da área (que impede a entrada de animais terrestres), o cinturão verde (que reduz a percepção do cheiro pelos animais), o uso de espanta-pássaros (fogos de artifícios com ruídos) e a cobertura do resíduo.

É notório observar, que é esperado encontrar, especialmente, urubus em áreas de aterro sanitário, tendo em vista a característica olfativa desse animal, sendo por vezes as medidas utilizadas insuficientes para a retirada completa deles, todo o tempo.

Ressalta-se ainda que:

1 – a área do aterro sanitário é extensa. Portanto, medidas como replantio, controle de crescimento das espécies do cinturão e manutenção do cercamento é realizada de forma contínua.

2 – Em épocas de chuvas, como a que estamos encerrando agora, a prática de cobertura dos resíduos é mais difícil, pelo fato do material estar molhado e não permitir uma compactação adequada e reduzir sobremaneira a capacidade de movimentação das máquinas.

3 – A área de trabalho não deve ser coberta (para permitir a decomposição), apenas as áreas finalizadas e com compactação, assim, sempre haverá uma frente de serviço controlada, com resíduo descoberto.

Esclarecemos ainda que, apesar da cobertura dos resíduos com terra ser a medida mitigadora mais difundida entre a população, para se obter uma decomposição adequada, e, portanto, controlar a emissão dos gases e chorume, essa prática não pode ser realizada de forma indiscriminada.

Deve-se considerar a quantidade de orgânicos recebidos, o tipo de solo, o clima do local no momento (especialmente umidade e evaporação) e a umidade do solo. Assim, apenas cobrir com solo, por si só, além de não ser uma medida eficiente para o controle de vetores ainda pode gerar outros impactos significativos.

Qual o posicionamento da empresa em relação à observação de especialistas de que há indícios que o solo e o lençol freático estejam contaminados?

Como apresentado no próprio Relatório de Assessoramento Externo, contratado pela SEMAD para análise do processo em 2022, nos monitoramentos de águas subterrâneas as alterações encontradas nas análises foram consideradas inconclusivas, dado a proximidade com a Estação de Tratamento de Esgoto.

O órgão solicitou a troca de metodologia de análise das águas para tentar aferir a real interferência da operação do aterro na qualidade das águas. Porém, os resultados comparativos destas para 2023 e 2024 ainda estão sendo executados e são condições para a manutenção do licenciamento.

Os proprietários rurais vizinhos ao aterro estão seguros ao consumirem água de poço artesiano no local, no que diz respeito a atividade da empresa?

A depender da gestão de efluentes do aterro, sim. O fato de o solo funcionar como um filtro biológico reduz ainda mais a ocorrência de contaminação por materiais em decomposição e metais pesados.

Porém, ressalta-se que um poço artesiano sofre interferências de diversas outras atividades existentes no uso do solo da região. Como a estação de tratamento de efluentes, fossas negras ou fossas sépticas inadequadas, criação de suínos e aves, dentre outros.

Assim, a seguridade do consumo depende de várias ações muito além da operação do aterro.

Recebemos uma denúncia de ex-funcionário que trabalhou por anos na empresa, falando que o chorume é lançado em cima dos platôs de resíduos sólidos. Isso procede? O que gostariam de comentar sobre?

A utilização da recirculação do chorume é uma prática desejada em aterros sanitários, especialmente em regiões com estações secas. É uma forma de conter o líquido gerado na decomposição dos resíduos orgânicos, no local do próprio aterro, internalizando as externalidades de suas atividades, reduzindo o risco de contaminação das águas superficiais.

No caso do Aterro de Anápolis, as lagoas existentes são suficientes para armazenar o chorume gerado em épocas chuvosas. Então, é realizado o manejo dentro do próprio local, entre as lagoas com maior e menor geração, de forma que todas estejam no mesmo nível.

Em dias de umidade baixa, é realizada a recirculação do chorume para os maciços, que estão devidamente impermeabilizados com manda PEAD. O líquido é gotejado nas vias de acessos e nas frentes de serviço (somente em local impermeabilizado) para controle de poeira, e na compactação dos resíduos, o que aumenta sobremaneira a eficiência de compactação e decomposição. E, portanto, a vida útil do aterro.

Importante lembrar que, caso não fosse utilizado o chorume para recirculação, teria que se utilizar água de poço artesiano para essa umidificação das vias e do resíduo, retirando do meio ambiente um recurso limpo, transformando-o em chorume.

Assim, a recirculação de chorume, uma vez realizada de forma correta e controlada, é uma medida sustentável na gestão de aterros sanitários.

Ainda dentro da denúncia que recebemos, foi dito que existe um sério risco de explosão, já que diminuiu o número de ductos de pedras para escoar o gás metano. Como se encontra esse cenário?

A Quebec Ambiental iniciou as suas atividades no Aterro Sanitário de Anápolis em 2020, já com o primeiro maciço, praticamente encerrado. É frequentemente realizada vistoria no maciço 1, anterior a operação da Quebec, para monitoramento, e observado que todos os drenos estão operantes, não havendo riscos de explosão.

No maciço em operação, desde a entrada da Quebec, todos os drenos estão operacionais, tanto de chorume como os de biogás, sendo realizados a queima do gás controlada com flare.

Ressalta-se um dos quesitos condicionantes da ampliação do aterro é a amostragem de gases, que deve ser realizada até o mês que vem. Com os laudos será possível indicar uma modelagem de dispersão de poluentes e evidenciado o controle em relação a explosões e dissipação de contaminantes.

 

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