Com boicote de governistas, presidente da Coreia do Sul escapa de impeachment
Deputados governistas já haviam rejeitado um pedido de investigação especial contra a primeira-dama Kim Keon-hee
NELSON DE SÁ
O presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk Yeol, escapou neste sábado (7) de um impeachment motivado por seu autogolpe fracassado, depois que os deputados de seu partido boicotaram a sessão em que a medida deveria começar a ser votada. Para avançar no plenário, a moção de impeachment precisava da aprovação de dois terços da Assembleia Nacional. Mas 105 dos 108 integrantes da sigla governista, o Partido do Poder Popular (PPP), deixaram o local antes da votação — a oposição, que detém os 192 assentos restantes, só precisava de 8 votos para iniciar o processo.
O presidente da Assembleia, Woo Won-shik, chegou a pedir que os representantes do PPP retornassem, afirmando que a votação poderia ser concluída até 12h48 de domingo (0h48 no horário de Brasília). Mais tarde, porém, decidiu declarar a votação inválida. A agência de notícias Yonhap afirmou que o Partido Democrático, principal sigla oposicionista, pretende encaminhar uma nova moção de impeachment na quarta-feira (11) e votá-la no sábado (14). Já o líder do PPP, Han Dong-hoon, afirmou que a sigla havia decidido pela renúncia de Yoon, embora não tenha ficado claro se ele falava em nome de todos os correligionários.
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Antes da votação, os deputados governistas já haviam rejeitado um pedido de investigação especial contra a primeira-dama Kim Keon-hee, acusada de corrupção por receber uma bolsa Christian Dior no valor de cerca de 3 milhões de wons (cerca de R$ 11 mil) de um pastor. A saída deles do plenário foi recebida com gritos e xingamentos pela multidão que se aglomerava ao redor da sede da Assembleia. A polícia contabilizou cerca de 150 mil manifestantes no local, enquanto os organizadores alegavam 1 milhão de pessoas.
Se o impeachment tivesse sido bem-sucedido, abriria caminho para eleições presidenciais em até 60 dias, desde que o equivalente sul-coreano à Suprema Corte aprovasse a decisão. Agora, o futuro político do país é incerto, com a possibilidade de a Coreia do Sul mergulhar em caos, segundo deputados da oposição. Se resistir à pressão por sua renúncia, Yoon governará até 2027, já que a reeleição não é permitida pela Constituição sul-coreana. O PPP, ao que tudo indica, prefere lidar com a impopularidade do presidente até as próximas eleições do que aprovar o impeachment e arriscar uma derrota no pleito antecipado.
Durante a votação, manifestantes marcharam ao redor da Assembleia, cujo amplo gramado estava inacessível por carros e ônibus. Outros cantavam e dançavam para se aquecer em temperaturas de 0°C. “Yoon preso!”, gritavam em coro, ecoado por telões em quarteirões próximos. Às 21h30 (9h30), o palanque anunciou que o impeachment não seria votado, mas que novas tentativas seriam feitas. “Eu vou participar até que o presidente seja destituído”, disse Kim Seong-jin, 26, trabalhador de uma pequena empresa.
Horas antes da votação, Yoon pediu desculpas em um comunicado pela TV, sua primeira fala desde a crise. Apesar de expectativas por uma possível renúncia, afirmou que não tentaria nova lei marcial e que havia agido motivado por desespero. A lei marcial havia sido declarada na terça-feira (3), a primeira desde o fim da ditadura em 1987. A medida suspendia atividades políticas e liberdades civis, colocando militares nas ruas de Seul, que chegaram a invadir o Parlamento, mas recuaram. A lei marcial foi rejeitada por unanimidade na quarta-feira (4), em uma votação sem a participação de parlamentares governistas.
Yoon justificou a medida como forma de proteger a Coreia do Sul de “forças comunistas” da Coreia do Norte, acusando-as de pilhar a liberdade do povo. No entanto, a tentativa foi amplamente vista como autogolpe para conter a oposição. Impopular e alvo de acusações de corrupção, Yoon perdeu as eleições legislativas de abril e governava sem maioria no Parlamento. A crise ocorre em meio a tensões com a Coreia do Norte, que elevou sua retórica militarista e assinou um polêmico acordo de defesa mútua com a Rússia, enviando soldados para a Ucrânia, segundo a Otan.
Ex-promotor de Justiça, Yoon foi eleito em 2022 com uma plataforma conservadora no pleito mais apertado da história coreana, vencendo por apenas 0,73% dos votos. Comparado no Brasil ao ex-juiz Sergio Moro, Yoon liderou investigações que culminaram no impeachment e prisão da ex-presidente sul-coreana Park Geun-hye, condenada por corrupção e abuso de poder. Libertada em 2021 por indulto presidencial, Park tornou-se aliada de Yoon, que agora enfrenta desafios similares aos que investigou no passado.







