Trump quer retirar palestinos de Gaza e ‘limpar a coisa toda’
Presidente estadunidense disse ter conversado com o rei da Jordânia e que falaria com o ditador egípcio, mas ambas as diplomacias condenaram o deslocamento forçado
IGOR GIELOW
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sugeriu a retirada de boa parte da população palestina da Faixa de Gaza para outros países árabes, a fim de “limpar a coisa toda” após mais de um ano de destruição devido à guerra entre Israel e o Hamas, que governa o território.
O próprio Trump relatou a ideia a jornalistas que o acompanhavam no avião presidencial na noite de sábado (25). Ele voltava da Califórnia e havia acabado de ter uma conversa por telefone com o rei Abdullah, da Jordânia.
“Eu preferiria estar envolvido com algumas nações árabes e construir habitações em uma localidade diferente, onde eles [os palestinos] poderiam talvez viver em paz, para variar”, disse. “Você está falando de talvez 1,5 milhão de pessoas, e nós apenas limpamos a coisa toda e dizemos: Sabe como é, acabou.”
Ele disse ao rei que gostaria que a Jordânia recebesse os refugiados e que faria a mesma sugestão neste domingo (26) numa conversa com o ditador egípcio, Abdel Fattah al-Sisi. Horas depois, as diplomacias dos dois países citados pelo americano emitiram notas condenando o deslocamento forçado de palestinos.
Ainda que ele tenha falado que a solução possa ser “temporária ou de longa duração”, sua fala vai de encontro com todos os temores históricos dos palestinos e com o desejo da ultradireita que sustenta o governo do premiê de Israel, Binyamin Netanyahu, de colonizar Gaza.
Não por acaso, o principal integrante da facção no gabinete israelense, o ministro Bezalel Smotrich (Finanças), chamou a proposta de “grande ideia” e disse que vai criar “um plano operacional” para implementá-la.
A faixa tem cerca de 2,2 milhões de habitantes, o que dá a escala da tal limpeza proposta por Trump, que já ganhou a qualificação de “limpeza étnica” ao ser comentada por um importante político palestino, Mustafa Barghouti, à agência árabe Maan.
A ideia ecoa, para os palestinos, a nakba (catástrofe, em árabe), o termo dado à expulsão de árabes pelos judeus durante a formação conflituosa do Estado de Israel, em 1948.
Tel Aviv rejeita a noção, lembrando que foi atacada por seus vizinhos quando a ONU determinou a partilha da antiga Palestina britânica, mas o fato é que milhões deixaram suas casas no processo.
O fato de Trump procurar Amã e o Cairo não é casual. Ao longo das décadas desde a criação de Israel, ambos os países receberam refugiados palestinos e também tentaram se livrar deles, além de registrar conflitos com suas lideranças.
O regime egípcio já havia advertido, ao longo do conflito iniciado quando o Hamas atacou Israel no dia 7 de outubro de 2023, que não aceitaria uma nova remoção forçada dos palestinos de seu território. Pelos acordos de paz de 1994, Gaza e Cisjordânia formam o embrião de um Estado.
Isso nunca deu certo. Governos israelenses, particularmente a duradoura gestão Netanyahu, bombardearam os acordos ao estimular a colonização ilegal por ocupantes judeus. Os palestinos também racharam, com o Hamas dominando Gaza a partir de 2007, após ter a eleição que ganhou melada pela rival Autoridade Nacional Palestina, que governa a Cisjordânia.
Acusações de lado a lado à parte, o fato é que a dita solução de dois Estados nunca se viabilizou. A guerra iniciada pelo Hamas, que chegou à segunda semana de seu cessar-fogo neste domingo, abriu o caminho para soluções de força mais arbitrárias, como indicou Trump.
Concorre em favor do discurso a obliteração de Gaza. Segundo a agência da ONU que opera no território, 92% das construções da faixa foram ou destruídas, ou danificadas durante o conflito. Morreram, segundo o Hamas, 47 mil pessoas no processo -o grupo, por sua vez, matou 1.200 no ataque do 7 de Outubro.
Antes do cessar-fogo e de assumir o governo, Trump havia sugerido mandar os palestinos para a Indonésia, maior país muçulmano do mundo, tendo esquecido de consultar Jacarta sobre a ideia. O Qatar, principal mediador da trégua, rejeita qualquer solução que preveja a saída da população.
O novo inquilino da Casa Branca tenta dar uma roupagem humanitária à sua ideia. Ao mesmo tempo, levantou no sábado um veto que seu antecessor, Joe Biden, havia imposto ao fornecimento de poderosas bombas de 900 kg usadas por Israel em Gaza.
Ainda neste domingo, Israel bloqueou a volta de alguns palestinos ao norte da Faixa de Gaza, como estava previsto no acordo do cessar-fogo. O Estado judeu diz que o Hamas violou no sábado os termos do arranjo ao libertar quatro militares mulheres do cativeiro.
O previsto era a soltura das mulheres civis tomadas no 7 de Outubro primeiro. A civil remanescente, Arbel Yehud, está sob custódia de outro grupo terrorista, o Jihad Islâmico, que segundo relatos prometeu soltá-la nesta semana. Duzentos palestinos foram libertados de cadeias israelenses nessa segunda etapa do cessar-fogo.
Ao fim do dia, o governo anunciou que ela, a soldado Agam Berger e mais um refém serão libertados no próximo sábado (1º), e que o Hamas atualizou o estado de saúde dos cativos. Os moradores de Gaza devem ser liberados nesta segunda (27).