Primeiras vítimas de tsunamis da Idade do Bronze são achadas

"Não diria que tenhamos resolvido totalmente a questão das vítimas desaparecidas, mas nossos achados trazem alguns insights sobre os eventos", disse a geoarqueóloga Beverly Goodman-Tchernov

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Primeiras vítimas de tsunamis da Idade do Bronze são achadas
Primeiras vítimas de tsunamis da Idade do Bronze são achadas (Foto: Ilustrativa/ Flickr)

REINALDO JOSÉ LOPES
SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – Arqueólogos da Turquia e de Israel identificaram as primeiras vítimas do maior desastre natural da Idade do Bronze, uma série de tsunamis que varreu o Mediterrâneo Oriental por volta do ano 1600 a.C. Os dois corpos, de um homem jovem e de um cão, foram soterrados debaixo das pedras de um edifício, parcialmente derrubado pelas ondas gigantes que chegaram ao litoral turco.

Os tsunamis, por sua vez, estão ligados a erupções vulcânicas colossais na ilha de Santorini (ou Tera, como a chamavam os gregos da Antiguidade), no mar Egeu. Calcula-se que as três ou quatro fases do evento tenham lançado pelos ares 100 quilômetros cúbicos de material vulcânico, recobrindo a ilha com uma camada de fragmentos de até 60 metros de espessura e lançando cinzas sobre boa parte do Mediterrâneo.

O processo parece ter sido tão apocalíptico que alguns estudiosos chegaram a aventar a hipótese de que ele teria inspirado o mito da submersão de Atlântida, registrado mais de um milênio mais tarde pelo filósofo ateniense Platão. No entanto, encontrar os restos mortais das pessoas diretamente afetadas pela tragédia tinha sido muito difícil até agora.

“Não diria que tenhamos resolvido totalmente a questão das vítimas desaparecidas, mas nossos achados trazem alguns insights sobre os eventos e a reação das pessoas naquela janela muito curta de tempo”, disse à reportagem a geoarqueóloga Beverly Goodman-Tchernov, da Universidade de Haifa, em Israel. Junto com seu colega turco Vasif Sahoglu, da Universidade de Ancara, ela coordenou o estudo sobre as descobertas que acaba de sair na revista científica PNAS.

A dupla e seus colegas estudaram o sítio arqueológico de Cesme-Baglararasi, hoje no litoral asiático da Turquia. Na Idade do Bronze, o lugar era um entreposto comercial movimentado, com evidências da chegada de bens da chamada civilização minoica, cujo centro era a ilha de Creta e que abrangia também Santorini e outros territórios insulares do Egeu. Hoje o sítio fica a cerca de 200 m de distância do mar, mas há indícios de que estava mais perto das ondas na época do desastre.

Uma série de “assinaturas” arqueológicas indica a associação entre os esqueletos humano e canino e a catástrofe de Santorini. Os corpos foram soterrados por pedras que caíram de forma assimétrica, deixando parte da construção de pé do outro lado –o que é consistente com a ação de um tsunami, que bate só de um lado, e não com a de um terremoto comum, que chacoalha os edifícios mais “por igual”.

Os sedimentos das camadas de destruição também contêm restos de micro-organismos marinhos e de conchas de moluscos que normalmente ficam bem presas ao leito do mar –sinal de que algum processo violento as arrancou de lá, arrojando-as em terra firme. Por fim, há a presença de cinzas vulcânicas cuja composição e idade batem com a da erupção de Santorini. As datações obtidas pelos pesquisadores indicam que o evento teria acontecido a partir do ano 1612 a.C. –por causa da dificuldade de calibrar os dados brutos em relação ao nosso calendário, a data exata ainda não pode ser estabelecida.

Segundo Goodman-Tchernov, hipóteses anteriores que tentam explicar por que era difícil achar os corpos das vítimas devem estar ao menos parcialmente corretas. Alguns lugares do Egeu provavelmente foram evacuados quando os primeiros sinais das erupções surgiram. Pessoas que foram pegas pelo desastre no mar também correram o risco de ser incineradas pelas rajadas de material vulcânico.

“Um tsunami dessa magnitude deve ter varrido para o mar partes de muitos assentamentos costeiros, além de não dar nenhuma chance de sobrevivência para quem já estava no mar naquele momento”, explica ela.

Mas outro indício importante do que pode ter acontecido com muitos dos corpos apareceu no próprio sítio arqueológico turco. Em cima das camadas de entulho formadas pelas ondas, os pesquisadores acharam buracos que parecem ter sido cavados na tentativa de resgatar gente soterrada. O rapaz e o cachorro cujos esqueletos foram encontrados aparentemente estavam fundo demais para serem achados.

Outra questão em aberto é o impacto mais amplo da tragédia nas civilizações da região. Há quem aposte que o domínio dos minoicos em Creta teria declinado depois das erupções e dos tsunamis, abrindo espaço para que os micênicos, um povo que falava uma forma primitiva do idioma grego, conquistassem a ilha. A questão é que, dependendo da cronologia adotada, a catástrofe teria acontecido muito cedo para que fosse uma das causas da conquista micênica. A arqueóloga diz que, no mínimo, o desastre natural contribuiu para o processo.

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