Bolsonaristas falam em ‘Datapovo’ e atacam institutos para desacreditar pesquisas

Além dos eleitores do presidente, aliados fazem postagens nas redes sociais que colocam resultados sob dúvida

Folhapress Folhapress -
Bolsonaristas falam em ‘Datapovo’ e atacam institutos para desacreditar pesquisas
Presidente Jair Bolsonaro. (Foto: Antonio Molina/Folhapress)

Com o objetivo de deslegitimar pesquisas de opinião que mostram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na liderança, grupos bolsonaristas no WhatsApp, Telegram e canais no YouTube estão recorrendo a enquetes enviesadas, pseudopesquisas e ataques contra o Datafolha e o Ipespe.

Segundo levantamento do NetLab, laboratório de pesquisas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e da consultoria de análise de dados Novelo Data, políticos e canais bolsonaristas têm compartilhado resultados de enquetes pela internet como se fossem pesquisas de opinião fidedignas, deslegitimado institutos estabelecidos e promovido o chamado “Datapovo” -fotos e vídeos de aglomerações que comprovariam a popularidade do presidente Jair Bolsonaro (PL).

“O objetivo é passar à base bolsonarista um cenário em que, ao contrário do apontado pelas principais pesquisas eleitorais, Bolsonaro está em larga vantagem à frente a Lula”, diz Guilherme Felitti, sócio da Novelo Data.

Para Rose Marie Santini, professora da Escola de Comunicação da UFRJ e diretora do Netlab, “essas pseudopesquisas são ferramentas sofisticadas de propaganda: parecem ser pesquisas, mas são só propaganda”.

“Há evidências sólidas de que as pesquisas de opinião influenciam a tomada de decisão de muitos eleitores; ao divulgar essas pseudopesquisas, o objetivo é levar os indecisos, os descrentes com a política e pessoas sem informação suficiente a decidir seguindo a maioria, no chamado movimento de manada.”

O NetLab monitorou 566 grupos no WhatsApp e 1.100 grupos de Telegram entre 1º de dezembro de 2021 e 27 de abril deste ano.

As enquetes mais circuladas foram da Jovem Pan (2.433 mensagens em 127 grupos), com mensagens como: “Vota e manda pra todos os Bolsonaristas que vc conhece, família, etc. Peça que façam o mesmo (votar e repassar apenas pra Bolsonaristas). Essa é uma enquete da Jovem Pan e o resultado vai ser divulgado a segunda-feira. Fizeram uma primeira e deu 91% Bolsonaro e 9 Lula. Pessoas da esquerda reclamaram e a Jovem Pan resolveu fazer essa segunda. A esquerda se mobilizou, divulgaram e o Lula cresceu bastante. Nesse momento tá 64 Bolsonaro e 36 Lula. Vamos nos mobilizar também e golear de novo [sic]”.

Depois vêm Eleições Ao Vivo (699 mensagens em 113 grupos), realidadedopovo.com.br (316 mensagens em 75 grupos) e strawpoll, site que permite aos usuários criarem suas próprias enquetes (308 mensagens em 88 grupos).

“Pesquisa SÉRIA! Apenas 01 (um) voto por IP. Nessa não tem FRAUDE!!! Favor VOTAR e COMPARTILHAR com todos, com os PETÉBAS também! Vai, Brasil!!! *Parriba deles, Brasil!*Em uma Disputa entre Lula e Bolsonaro em 2022, qual será o seu voto? Atenção: Essa enquete só permite 1 voto por IP. Enquete Oficial Presidente 2022 (Janeiro), Bolsonaro ou Lula?”, dizia uma das mensagens mais compartilhadas, com um link para a enquete.

Já a Novelo Data analisou o conteúdo de mais de 70 mil vídeos publicados pelos 450 maiores canais de extrema direita do YouTube Brasil entre 1º de janeiro e 26 de abril de 2022.

Segundo Felitti, sócio da Novelo Data, há três linhas de ataque à credibilidade das pesquisas. Há críticas contra os institutos de pesquisa tradicionais, como Datafolha e Ipespe, lembrando resultados de pesquisas de intenção de voto ou levantando suspeitas sobre a idoneidade dos institutos.

A segunda linha de ataques é a tentativa de deslegitimar os levantamentos, ao dizer que a pesquisa que vale de verdade é a “Datapovo”, a aprovação do político na rua. Como disse o youtuber Fernando Lisboa em vídeo de 1º de janeiro, o presidente “consegue andar na rua, sendo abraçado. Lula não sai na rua. Bolsonaro vai na pastelaria”.

São vídeos como o que diz: “Pesquisas dão ao Lula 45%, 48%. É uma grande mentira. Denúncia do Pleno.News que empresários tinham comprado pesquisas para ficar mentindo que Lula ganharia no primeiro turno”.

Logo após o 1º de Maio deste ano, com manifestações esvaziadas tanto do lado bolsonarista como do petista, apoiadores de Bolsonaro voltaram à carga.

Usando fotos com ângulos que davam uma impressão de multidão na manifestação de apoio ao presidente e poucas pessoas no evento da oposição, a ex-ministra Damares Alves postou: “Vergonha alheia do ex-presidiário! O ‘líder’ das pe$qui$as parece que não é líder no mundo real”.

Usando imagens semelhantes, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) disse: “Vendo a foto…quem você acha que está liderando as pesquisas?”.

Há também a exploração de pesquisas que mostram Bolsonaro na frente ou enquetes online “para demonstrar que as pesquisas eleitorais são compradas”, diz Felitti.

No levantamento da Novelo, a única pesquisa citada como reflexo da realidade é a da Brasmarket. Entre as enquetes, as duas preferidas são a EleiçõesAoVivo e as feitas pela Jovem Pan.

São vídeos com títulos como “Bolsonaro perdia para todos e em todos os cenários! Você ainda acredita em pesquisas? ASSISTA!!!!!”, “AO VIVO! Quando a enquete é AO VIVO, não tem como manipular!” e “Pesquisa AO VIVO fica difícil para o ladrão de 9 dedos!”, sobre enquete da Jovem Pan.

Segundo Felitti, a própria Jovem Pan e youtubers como o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o Vida Gringa USA e Deycon Silva replicam vídeos mostrando os resultados das enquetes em seus canais.

O levantamento da Novelo Data aponta que outra enquete explorada exaustivamente, até mesmo no canal de Flávio Bolsonaro, foi uma pesquisa feita pelo humorista Sérgio Mallandro em um dos seus shows no começo de março. Em 2018, Eduardo Bolsonaro havia publicado um vídeo de outra enquete presidencial conduzida por Sérgio Mallandro.

“A análise dos mais de 70 mil vídeos da extrema direita publicados em 2022 sugere uma clara coordenação de grandes canais para atacar e desacreditar as pesquisas eleitorais no Brasil”, diz Felitti.

Com a melhora de Bolsonaro nas pesquisas tradicionais, a menção a termos relacionados caiu nos vídeos. A média diária de menções ao termo “pesquisas” entre os canais bolsonaristas em abril ficou em 483, contra 565 em fevereiro e 545 em março.

“Parece que existe um interesse e uma intensidade menores no assunto, mas é difícil cravar se é por causa da melhora nas pesquisas”, afirma Felitti.

Santini, do NetLab, aponta para mais um objetivo da campanha de descredibilização de pesquisas. “A base bolsonarista é exposta frequentemente a pesquisas em que o Bolsonaro ganha. Isso constrói uma pseudoevidência para contestar resultado da urna e questionar os institutos que usam metodologia científica para fazer pesquisas de opinião.”

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