Chilenos se preparam para plebiscito com manifestações
São esperados 15 milhões de votos, no qual a participação é obrigatória
SYLVIA COLOMBO
BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – A uma semana da votação em que os chilenos decidirão em plebiscito se aprovam ou rejeitam a nova Constituição, as ruas das principais cidades do país tornaram-se palco de manifestações. São esperados 15 milhões de votos no plebiscito, no qual a participação é obrigatória.
Com a população dividida –porém inclinada a votar contra a proposta, segundo as pesquisas mais recentes–, o que se vê nos atos são grupos focados em discutir questões pontuais do novo texto. Nos últimos dias, por exemplo, milhares foram às ruas de Santiago pedindo voto no “sim” para a Carta pela garantia de acesso à habitação.
Foram realizadas marchas de mulheres defendendo os artigos da nova Constituição que preveem acesso ao aborto e a paridade de gênero na administração pública. Estudantes e indígenas se organizaram em passeatas em apoio à cláusula que define o Chile como um Estado plurinacional e intercultural e reconhece a soberania das nações indígenas –os povos nativos correspondem a 12% da população, mas nem sequer são mencionados na Constituição vigente, herdada da ditadura de Augusto Pinochet.
Grupos de ambientalistas se manifestaram andando de bicicleta, e muitos portavam bandeiras defendendo a aprovação do texto, com reivindicações de pautas ecológicas e símbolos dos mapuches, o grupo indígena mais numeroso do país. A redação da nova Carta preconiza que “a natureza tem direitos” e que “o Estado e a sociedade têm o dever de protegê-los e respeitá-los”.
Os que afirmam rejeitar a proposta também fazem campanha nas ruas do Chile. Em Puente Alto, um dos bairros mais pobres da capital, Santiago, um grupo de mulheres carregou faixas em que se liam frases contra o texto.
“Nossa vontade não está expressa na Carta”, afirma Marcela Sepúlveda, líder da Corporação de Mulheres e das Tradições Chilenas. “Não aprovamos as novas leis de gênero e queremos deixar isso claro, queremos que nossas tradições sejam respeitadas.”
O texto que pode se tornar a nova Constituição também encontra forte oposição no sul do país, onde há conflitos violentos entre grupos mapuches e proprietários de terra. As marchas na região marcam posição contra artigos relacionados à soberania indígena, acesso à educação nos idiomas originários e a Justiça indígena, que permitiria a grupos nativos manter sistemas jurídicos ligados a tradição ancestral de cada tribo –modelo semelhante ao adotado na Bolívia, por exemplo.
Para a cientista política Claudia Heiss, há um descompasso entre o “sim” e o “não” no que tange à maneira como essas pautas são apresentadas.
“A campanha pela aprovação carece de verbas, há poucas doações e pouca propaganda pública, mas isso está sendo compensado pelas manifestações nas ruas, pela ação de organizações civis e estudantis, que estão promovendo eventos culturais e de conscientização.” Já o movimento pela rejeição, segundo Heiss, conta com forte apelo de propaganda nas ruas e nos meios de comunicação.
Esse pode ser um dos fatores que explicam a mudança nas intenções de voto nos últimos meses. Em janeiro, 56% dos chilenos diziam que votariam a favor da nova Carta, ante 33% que votariam contra, de acordo com pesquisa do instituto Cadem. A diferença foi diminuindo e, desde abril, o cenário se inverteu, com o “não” em vantagem sobre o “sim” –o último levantamento permitido pela legislação eleitoral aponta 46% contra, 37% a favor e 17% indecisos.
Há nuances, porém, de ambos os lados. Entre os eleitores que querem enterrar de vez a Constituição da era Pinochet, há grupos defendendo que, depois da promulgação do novo texto, alguns pontos sejam reformados. Movimento semelhante se dá também no outro campo: parte dos que devem votar pela rejeição não se opõe a todas as cláusulas, de modo que há uma intersecção entre os dois extremos.
“A rejeição deve ganhar, não para que se enterre todo o esforço, mas para que voltem a ser debatidos temas que foram colocados no texto às pressas, quase como um rascunho”, diz Carol Brown, legisladora do partido de direita UDI.
O governo do esquerdista Gabriel Boric, que se posiciona a favor da proposta, foi forçado a pensar em um plano B diante da potencial rejeição. Uma vez que a Constituição atualmente em vigor já foi reprovada no plebiscito de 2020, o mandatário afirma que há espaço para negociar uma nova redação do texto –movimento que já recebeu o aval dos principais partidos da direita chilena.
Quem vem explicando como será o possível plano pós-reprovação é o secretário da Presidência, Giorgio Jackson. “Teremos de chegar a um consenso, por meio do Congresso, para estabelecer o mecanismo para a renegociação dos artigos que causam rejeição, além de um novo sistema de aprovação Haverá ajustes necessários que devem ser debatidos e aprovados pelas vias institucionais”, afirmou.