Guerra Israel-Irã pode sair de controle, diz ONU; Teerã aceita conversas com a Europa
Teerã não quer abrir mão da capacidade de enriquecimento, que serve para fazer de radiofármacos à bomba atômica


IGOR GIELOW
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, disse nesta sexta-feira (20) que o conflito entre Israel e o Irã pode “acender um fogo que ninguém poderá controlar”. “Nós temos de evitar isso”, disse o português ao comentar a guerra, que entrou em sua segunda semana.
O dia foi de movimentações diplomáticas por ora sem frutos, após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, dar até duas semanas para a decisão se vai se unir a Israel nos ataques à teocracia iraniana. “Dê uma chance à paz”, disse Guterres, emulando a clássica canção antiguerra de John Lennon de 1969.
Enquanto isso, em Genebra, os chanceleres de Alemanha, França e Reino Unido se encontraram com o colega iraniano Abbas Araghchi para discutir a crise. Ambos os lados concordaram que é necessário continuar conversando, e ainda não emergiram relatos sobre eventuais concessões colocadas à mesa.
Segundo a rede CNN, Trump apoia a ideia de que os europeus abram as conversas, que antes eram diretas com os americanos. “Este é um momento perigoso, é muito importante que não vejamos uma escalada regional do conflito”, disse o chanceler britânico, David Lammy.
Já seu colega francês, Jean-Noel Barrot, disse que o Irã concorda em debater os temas, ainda que sua representação na ONU tenha dito mais cedo que não seria possível negociar sob fogo. Por fim, Aaghchi validou a ideia de continuar à mesa, algo que os israelenses já disseram ser inócuo para pôr fim à sua ofensiva.
Eles levaram uma mensagem de abertura por parte de Washington, que já chegou a ameaçar de morte o líder do Irã e engrossou a pressão militar no Oriente Médio. O presidente francês, Emmanuel Macron, delineou e apoiou a proposta americana: enriquecimento zero de urânio pelos iranianos, limitação de produção de mísseis balísticos e fim do financiamento de grupos terroristas que miram Israel.
Teerã não quer abrir mão da capacidade de enriquecimento, que serve para fazer de radiofármacos à bomba atômica, passando por combustível para usinas e submarinos. Contra isso há o fato de que é possível ter um programa civil pacífico sem enriquecer o metal em centrífugas, e sim o comprando de aliados como a Rússia.
Araghchi, por sua vez, disse antes do encontro que Teerã não poderia negociar enquanto está sob bombas israelenses, novamente sugerindo que o regime está sob intensa pressão. É improvável a esta altura que o governo de Binyamin Netanyahu suspenda a campanha militar iniciada na sexta passada (13).
Nominalmente, ela visava eliminar o programa nuclear iraniano e outras ameaças. O tom impreciso escamoteou a morte de ao menos 20 integrantes da cúpula militar rival e a anulação de boa parte das defesas antiaéreas da teocracia, além da degradação de sua capacidade de lançar mísseis contra o Estado judeu.
Subjacente a isso há o desejo de derrubar a teocracia, embora não haja um plano para o que fazer a seguir. Netanyahu negou esse ser o objetivo, mas admitiu como corolário da ação. Já seu ministro da Defesa, Israel Katz, voltou a dizer nesta sexta que os ataques servem para “desestabilizar o regime”.
Eles seguem caindo, mas a uma fração do que já foi empregado -de 200 no primeiro dia de retaliação pela ação de Israel, para cerca de 15. Não que sejam inócuos, ao contrário. Os iranianos começaram a mirar áreas menos protegidas do que o centro nervoso de Israel, Tel Aviv.
Na quinta (19), um ataque atingiu o principal hospital de Berseba (sul), que voltou a ser alvejada na manhã desta sexta, deixando cinco feridos. Haifa, ao norte, duas pessoas sofreram ferimentos com outro impacto direto de míssil, e a região ao todo teve 20 feridos.
Ao todo, Israel conta 24 civis mortos, 1.237 feridos e 8.190 deslocados no conflito, mas são números provavelmente desatualizados. O mesmo problema se vê na contagem iraniana. Segundo a ONG Ativistas de Direitos Humanos do Irã, são 639 mortos, 236 deles civis, 154 militares e o resto, incerto. Há também 1.300 feridos.
Os ataques de Israel a instalações militares prosseguiu, mas é o bombardeio a alvos do programa nuclear que tem sido objeto de maior polêmica. O diretor-geral da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), Rafael Grossi, pediu “contenção máxima” a Israel.
“Ataque armado a instalações nucleares nunca deve acontecer, pois pode resultar na liberação radioativa com grandes consequências dentro e além da fronteiras do Estado atacado”, disse. Teoricamente, a advertência vale também a Teerã, que pode buscar atacar locais como Dimona, onde suspeita-se que Israel guarde parte de suas 90 bombas atômicas.
Grossi está sob pressão desde a véspera da invasão, pois nela divulgou relatório dizendo que Teerã está em violação de suas obrigações de transparência definidas no TNP (Tratado de Não Proliferação Nuclear). Ato contínuo, os israelenses usaram isso e o fracasso das negociações entre americanos e iranianos para atacar.
A AIEA é uma agência neutra, e o Irã tem assento em suas discussões. O país persa desde então diz que vai deixar o TNP e critica o que chama de imparcialidade de Grossi.
Por outro ângulo, a chancelaria da Rússia lembrou Israel de que ainda tem pessoal trabalhando na usina de Bushehr, construída pela estatal russa Rosatom. Depois, falou que ataques a instalações nucleares civis podem “gerar uma catástrofe sem igual”.
Na quinta, Israel havia dito que alvejou Bushehr, mas a Rosatom disse que tudo estava normal. Nesta sexta, Grossi advertiu Tel Aviv, dizendo que comunicações imprecisas “na névoa da guerra” podem levar a uma escalada indesejada.
Tudo isso ocorre enquanto Trump ganha tempo para se decidir. O melhor cenário para o republicano é o de um cessar-fogo sem sua participação militar na guerra, algo que é incerto do ponto de vista de eficácia no objetivo de anular o programa de Teerã.
Além disso, segundo pesquisa, a ideia de ir à guerra é impopular entre os americanos -em particular entre seus fãs mais radicalizados, que acreditaram no discurso de que o presidente nunca iria se envolver no que chama de guerras inúteis.