Parada do Orgulho celebra ‘envelhecer LGBT’

Evento tradicional acontece em São Paulo, na Avenida Paulista

Folhapress Folhapress -
Um levantamento feito com as 26 capitais estaduais brasileiras mostrou que apenas duas delas (Fortaleza e Salvador) possuem os pilares básicos de políticas voltadas para a população LGBTI+, que consistem na existência de um órgão gestor, um conselho, planos e programas municipais voltados para essa população. O mapeamento, feito pela Aliança Nacional LGBTI+ e pelo Grupo Arco-Íris, foi divulgado nesta quinta-feira (8). De acordo com os organizadores do estudo, o objetivo é mapear essas políticas públicas consideradas básicas, chamadas de “tripé da cidadania LGBTI+”. O órgão gestor é uma secretaria, subsecretaria ou coordenação dentro da estrutura da prefeitura voltada especificamente para formular e executar políticas. Já o conselho é um órgão colegiado formado por governo e sociedade civil com natureza deliberativa. Por fim, o terceiro pilar do tripé se subdivide em um plano com ações e metas para enfrentamento da LGBTfobia e promoção da cidadania para essa população; e em um programa implementado para atendimento e acolhimento dessas pessoas. Esse terceiro pilar também analisa se há um orçamento para execução desse plano e desse programa previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA) e no Plano Plurianual (PPA). “Ainda temos muito a cobrar e nos articular, enquanto sociedade, para que os governos atinjam indicadores de pleno desenvolvimento das políticas públicas para a comunidade LGTBI+, pelo menos o pleno desenvolvimento desse tripé da cidadania, que seria o básico”, afirma Cláudio Nascimento, diretor da Aliança Nacional LGBTI+, que coordenou o mapeamento junto com o pesquisador Rogerio Sganzerla. Em relação à existência de um órgão gestor, o mapeamento constatou que a estrutura existe em 15 capitais, mas apenas nove delas possuem diretrizes no PPA 2022-2025 e sete têm previsão orçamentária na LOA 2024. Conselhos municipais são encontrados em 13 capitais, dos quais dez são protegidos por leis ordinárias. Somente duas cidades, Florianópolis e Salvador, possuíam destinação exclusiva a esse órgão em sua LOA 2024. Apenas seis das 15 capitais com órgão gestor municipal possuem programa voltado para implementação das políticas públicas. Um número ainda menor (três) dispõem de um plano voltado para o planejamento setorial de curto, médio e longo prazo com aprimoramento e aprofundamento da organização e implementação de políticas públicas. Oito capitais não possuem nenhum desses pilares, sendo seis na região Norte (Boa Vista, Macapá, Manaus, Palmas, Porto Velho e Rio Branco) e dois no Nordeste (Aracaju e São Luís). Além das políticas básicas, o mapeamento avaliou a existência de legislação sobre nove direitos e garantias à população LGTI+: nome social para travestis e transexuais; sanções por preconceito em relação a sexo ou orientação sexual; datas comemorativas; vedação de contratação de profissionais ou espetáculos homofóbicos; reconhecimento de entidades históricas; obrigação de fixação de cartaz sobre punição a discriminação; selo da diversidade; incentivo fiscal em projetos sociais; e obrigação de registros de violência. Palmas, São Luís, Rio Branco, Macapá e Boa Vista não possuem nenhuma legislação para qualquer um desses nove direitos e garantias. Ranking O levantamento, que faz parte do programa Atena, também atribuiu notas, de 1 a 5, com base na qualidade de vários indicadores das políticas e da legislação dessas capitais. Nenhuma capital chegou a um patamar considerado “excelente”. São Paulo, apesar de não possuir nenhum plano municipal, obteve o melhor desempenho entre todas as capitais, com uma média de 3,30 pontos. Além de São Paulo, apenas Salvador (3,71), Natal (3,27) e Maceió (3,00) conseguiram ficar no patamar “bom” (3 pontos ou mais). Completam a lista das dez capitais com maiores notas Recife (2,93), Florianópolis (2,85), Fortaleza (2,75), Belo Horizonte e João Pessoa (2,64) e Belém (2,55). Doze capitais ficaram em um patamar “insuficiente” (abaixo de 2 pontos), das quais cinco capitais receberam a nota mínima (1,00), por não possuírem nenhuma política das políticas básicas nem legislações específicas: Palmas, São Luís, Rio Branco, Macapá e Boa Vista. “Nenhuma capital atingiu ‘excelente’. Isso traz um alerta para os governos, de que precisam ter um conjunto de estratégias para responder a esse indicador tão frágil. No fim das contas, o indicador não é só um dado frio, abstrato. Isso significa que não estão chegando políticas públicas na população. Com isso, não se permite acesso aos serviços de maneira igualitário e continuam os quadros sistêmicos de opressão, de discriminação”, conclui Nascimento. Edição: Valéria Aguiar
(Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil)

ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER – Cláudia Regina lembra bem como era viver sua homossexualidade lá pelos seus 16, 17 anos, na década de 1980. De forma quase clandestina.

A bebida da moda era a cuba libre, “os barzinhos de lésbica tocavam muita MPB”, e poucos ousavam circular panfletos militantes.

“Eu frequentava, mas não lembro de se falar nada em direitos [LGBTQIA+]. Existia o medo da repressão, não queriam se associar [à causa]”. Afinal, ainda era o Brasil da ditadura militar.

Hoje Cláudia Regina, 62, é vice-presidente da Parada do Orgulho LGBT+, que realiza sua 29ª edição neste domingo (22), na avenida Paulista, na região central de São Paulo, às 10h.

O tema deste ano, “Envelhecer LGBT+: Memória, Resistência e Futuro”, faz Cláudia rememorar sua jornada pessoal nestas quase três décadas.

Ela só entrou para a organização em 2002, mas já havia ido antes ao que se transformaria no maior evento de diversidade sexual e de gênero do país.

Na sua juventude, diz, quem se montava não “podia sair maquiado de dia, só se soltava mesmo à noite nos bares”. Beijo gay ou andar de mãos dadas em público, então, nem pensar. “Mesmo as travestis que faziam show iam desmontadas.”

Cláudia diz que a aceitação “cresceu bastante” na sociedade de lá para cá, ao mesmo tempo em que recuos assustam. “Vieram aliados da comunidade hétero, mas o preconceito está vindo de outra forma. Antes era o Estado que nos limitava. Hoje tem cidadãos que fazem isso, por questão de crença, por questão partidária.”

Emergiram também novos debates. Antes, praticamente, quase que só se falava em gay e lésbica. “Agora tem essa coisa binária, não binária, e a própria transsexualidade evoluiu bastante. Nos anos 1980 não se falava isso, a única conhecida da questão era a Roberta Close.”

De fato, a programação desta parada espelha o quão amplo é esse arco de diversidade. Serão 17 trios elétricos, dedicados a temas como trans/travesti, lésbicas e famílias LGBTQIA+. Entre as atrações, Pedro Sampaio, Pepita e Banda Uó. Segundo a organização, a programação de trios elétricos deve começar às 12h30.

Valder Bastos, 55, estará por lá também.

Ele se formou primeiro em direito, depois na escola de teatro Macunaíma. Naquela época, distribuía flyers na porta da Nostromondo, castelinho na rua da Consolação conhecido como a noite LGBTQIA+ mais antiga da América do Sul –foi lá que confundiram Adriane Galisteu, em início da carreira, com uma drag queen.

Desde a virada do século ele encarna a drag queen Tchaka, pouco depois da primeira parada, de 1997. Essa edição seminal aconteceu sob o mote “somos muito, estamos em várias profissões”.

Um convite da época usava a sigla GLT (gays, lésbicas e travestis) e propunha: “Venha montada, desmontada, fantasiada, casada, descasada, solteira, de bota ou de tamanco. Afinal, quem vai notar você no meio da multidão?”. Estima-se que cerca de 2.000 pessoas compareceram.

Ao longo desses anos todos, ” foram muitos desafios, ameaças de morte, de espancamento, de bomba”, afirma Bastos. A hostilidade aumentou durante o governo Jair Bolsonaro (PL). Como Tchaka, ele apareceu numa imagem segurando uma escultura de silicone da cabeça do então presidente.

A parada “é para chacoalhar a sociedade até ela entender que faz parte do problema da LGBTfobia, mas também faz parte da solução”, diz o homem por trás da drag. “Por uma cidade mais tolerante e com oportunidades para todas as pessoas.” Como diz o lema deste ano: por memória, resistência e futuro.

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