Gestão Tarcísio é a que menos aderiu a programas do governo Lula na Segurança Pública

Das 11 propostas que dependem de adesão voluntária, apenas três foram realizados pelo estado

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Tarcísio é denunciado à ONU por operações letais em São Paulo
Tarcísio de Freitas, atual governador de ão Paulo (Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil)

RAQUEL LOPES

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – São Paulo é o estado menos integrado a programas de segurança pública criados ou implementados no governo Lula (PT). Das 11 propostas que dependem de adesão voluntária, apenas três foram realizados pelo estado administrado por Tarcísio de Freitas (Republicanos), possível adversário do petista nas eleições de 2026.

A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo é comandada pelo secretário Guilherme Derrite (PP-SP), atualmente licenciado para relatar, como deputado, o PL Antifacção, em tramitação na Câmara.

A baixa adesão, segundo especialistas, faz com que o governo paulista fique fora de iniciativas nacionais consideradas estratégicas para padronizar e aprimorar a troca de dados e do trabalho das forças policiais no país. Eles ressaltam, porém, que a falta de incentivos por parte do Ministério da Justiça também dificulta o avanço dessa política de integração.

Além de fatores políticos e institucionais, a questão financeira também explica no caso de São Paulo a baixa adesão a programas federais. Enquanto o orçamento anual da segurança pública paulista é de cerca de R$ 20 bilhões em 2025, a parcela destinada ao estado pelo Fundo Nacional de Segurança Pública, administrado pelo Ministério da Justiça, é de aproximadamente R$ 24 milhões em 2025.

O Ministério da Justiça tem adotado, em algumas iniciativas, a estratégia de vincular o repasse de recursos de fundos federais à adesão dos estados aos programas nacionais, como ocorre na Qualificação do Uso da Força e no projeto de câmeras corporais.

O projeto estabelece regras e padrões para garantir abordagens mais equilibradas, reduzindo o risco de ações desproporcionais. Já o programa de câmeras corporais reúne diretrizes normativas, apoio à aquisição de equipamentos com o objetivo de aprimorar a aplicação da tecnologia e aumentar a transparência nas operações policiais.

Os dados foram obtidos pela reportagem via LAI (Lei de Acesso à Informação).

Os estados hoje não são obrigados a aderir a programas federais de segurança. A expectativa do governo Lula é que a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Segurança, se aprovada, amplie a atuação do governo federal na coordenação do tema. O texto tramita na Câmara.

Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que São Paulo mantém uma tradição de não aderir a sistemas do governo federal. Essa postura, segundo ele, se intensificou na gestão Tarcísio de Freitas.

Segundo o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Manoel Carlos de Almeida Neto, programas como Celular Seguro e o Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas operam de forma integrada por meio de uma plataforma (Sinesp PPe) que unifica boletins de ocorrência em nível nacional.

Na prática, com essa integração, os estados conseguem acessar registros de outras unidades da federação de forma automática, facilitando investigações e cruzamentos de dados, o que não ocorre em relação a São Paulo, que não participa do sistema.

“São Paulo e Rio de Janeiro deveriam aderir ao [Sinsep] PPe porque são o berço das duas maiores facções do país, e os demais estados precisam ter informações dos boletins de ocorrência e de alvos de inquéritos. Vivemos em um federalismo cooperativo, não dá mais para os estados funcionarem como ilhas de informação”, afirmou o secretário-executivo.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo afirmou que o estado já conta com ações consolidadas, estruturadas e integradas que atendem aos objetivos dos projetos do governo federal. Disse ainda que compartilha dados criminais pelo Sinesp Integração e pelo Validador de Dados Estatísticos.

“O estado está implementando o Registro Integrado de Evento de Segurança Pública, sistema que unificará o registro de ocorrências pelas forças de segurança paulistas e ampliará a contribuição de São Paulo com o banco de dados nacional, assim como proposto pelo próprio MJSP”, disse.

Na avaliação de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, SP opera um sistema próprio de boletins de ocorrência, considerado robusto e com múltiplas funcionalidades, do qual não pretende abrir mão. O problema, diz Lima, é que a interoperabilidade com os sistemas nacionais não funciona, o que prejudica a troca de informações com o restante do país.

“Os estados não estão totalmente errados em criar seus próprios sistemas quando não há repasse de recursos e não existe obrigação legal. Se o governo federal quer induzir a integração, precisa oferecer contrapartidas”, afirma.

Ele ressalta que, no plano operacional, a cooperação funciona, como nas ações conjuntas das Ficcos (Força Integrada de Combate ao Crime Organizado) com a Receita Federal. Mas, no plano gerencial e político, a resistência permanece.

Para o especialista em segurança pública Luis Flávio Sapori, a PEC da Segurança pode oferecer uma saída se estabelecer um modelo de gestão tripartite, inspirado na saúde, em que União, estados e municípios pactuam diretrizes comuns.

“É possível criar, no âmbito do Susp, um comitê de governança tripartite, cujas decisões sejam consensuais e garantam maior articulação na política nacional de segurança”, diz Sapori.

Para Lima, enquanto a política de segurança pública do Ministério da Justiça for apenas uma “prateleira de serviços”, sem mecanismos de pactuação e indução, a capacidade de integração continuará muito baixa porque nunca haverá dinheiro suficiente para incentivo, dadas as restrições fiscais do país.

No lançamento das diretrizes de câmeras corporais, em maio do ano passado, a pasta definiu 16 situações em que o uso dos dispositivos é obrigatório, tanto para policiais quanto para agentes penais, dentro e fora do sistema prisional, iniciativa à qual São Paulo também não aderiu.

São Paulo afirmou, por meio de nota, que tem realizado investimentos em redução da letalidade, com protocolos de uso progressivo da força, compra de 3.500 armas de incapacitação neuromuscular e ampliação do programa de câmeras corporais, que terá 15 mil novos equipamentos.

O tema das câmeras corporais foi um dos pontos polêmicos na gestão Tarcísio. A princípio, o governador disse ser contra. Depois, mudou de ideia e adotou discurso de ampliar o uso do equipamento. Delegados de São Paulo criticam, porém, a demora para que as imagens cheguem aos investigadores em casos de mortes causadas por policiais militares.

Ainda em nota, o governo de SP disse que compartilha informações sobre pessoas desaparecidas com o governo federal desde 2019 e mantém negociações para aderir ao Amber Alert Brasil. O estado diz possuir um dos bancos de dados mais completos do país, com emissão imediata de alertas às delegacias.

PROPOSTAS COM ADESÃO VOLUNTÁRIA DOS ESTADOS

Amber Alert

Quando uma criança desaparece ou é sequestrada, o Amber Alert é acionado e um comunicado especial é enviado às plataformas da Meta, que publicam o alerta no Facebook e no Instagram em um raio de até 160 km do local do ocorrido. A ativação é feita pelo Ciberlab da Secretaria Nacional de Segurança Pública.

Rede Ciber

Criada em junho de 2025, a Rede Nacional de Enfrentamento aos Crimes Cibernéticos tem como objetivo formalizar a cooperação entre o Ministério da Justiça e os estados, ampliando e fortalecendo as ações de prevenção, investigação e repressão de crimes praticados no ambiente digital. O acordo de adesão ainda está em tramitação e, até o momento, apenas Roraima instituiu formalmente sua participação.

Bolsa Formação

Tem como objetivo conceder bolsas a agentes de segurança que concluam cursos de aperfeiçoamento e atualização oferecidos pelo Ministério da Justiça. São Paulo é o único ente federativo que não demonstrou interesse em participar.

Projeto Nacional de Câmeras Corporais

O Ministério da Justiça e Segurança Pública lançou o Projeto Nacional de Câmeras Corporais para incentivar o uso efetivo desse equipamento pelas forças de segurança.

Projeto de Qualificação do Uso da Força

Busca qualificar e profissionalizar as instituições de segurança pública no uso da força, estabelecendo padrões técnicos e operacionais.

Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas

A adesão ao Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas não depende de um ato formal dos estados, mas da integração dos boletins de ocorrência ao Sistema Nacional de Informações de

Segurança Pública. Hoje, 12 estados utilizam o PPE (Procedimento Policial Eletrônico), administrado pelo Ministério da Justiça, o que permite a integração automática dos boletins e, consequentemente, a inclusão dos dados no cadastro nacional.

Ampliação da integração do Sinesp

O acordo de cooperação técnica firmado em 2024, ao qual 26 unidades federativas aderiram, com exceção de São Paulo, estabelece, entre outras obrigações, o compromisso de os estados repassarem informações sobre ocorrências de desaparecimento e localização de pessoas. A medida fortalece a base nacional de dados e aprimora a atuação do Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas.

Celular Seguro

O programa tem como objetivo a recuperação de dispositivos móveis roubados ou extraviados. Nos estados que utilizam o PPe, a integração das bases é automática, o que permite o compartilhamento imediato de informações em casos de roubo.

Projeto I.M.P.U.L.S.E

O programa oferece apoio logístico às Polícias Civis em operações decorrentes de investigações contra organizações criminosas. O suporte cobre todas as etapas, da apuração inicial e cumprimento de mandados até a análise dos materiais apreendidos. As 27 unidades da federação participam do programa.

Rede Nacional de Recuperação de Ativos

O programa tem como objetivo fortalecer o processo de recuperação de ativos no país, aprimorando a identificação, apreensão, administração e destinação de bens vinculados à prática ou ao financiamento de crimes. As 27 unidades da federação participam da iniciativa.

Projeto Integra

O projeto busca fortalecer a capacidade investigativa das Polícias Civis, fornecendo ferramentas para desbloqueio e extração avançada de dados de celulares, além de equipamentos e treinamento técnico para aprimorar a análise, o compartilhamento de relatórios e o armazenamento das informações. As 27 unidades da federação já aderiram ao Projeto Integra.

Fonte: informações obtidas por meio da LAI do Ministério da Justiça após questionamento de quais projetos dependem de adesão voluntária das unidades da federação.

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