‘Não somos culpados pela falta d’água em Anápolis’, diz representante dos produtores do Piancó

"Fomos chamados de ladrão de água no ano passado, então a gente se sente lá embaixo, diminuído", afirma agricultora que culpa Saneago por falta de investimentos na cidade

Danilo Boaventura Danilo Boaventura -

Passado quase dois anos da grande crise hídrica em Anápolis, os produtores do Ribeirão Piancó permanecem com suas bombas lacradas pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Secima) e veem a cada dia diminuir a capacidade de produção de alimentos responsável por abastecer mais de 23 cidades em Goiás.

Vistos como vilões, por uns, e como indispensáveis por outros, os agricultores só querem uma coisa: que a Saneago cumpra com a parte dela no Termo de Ajuste de Conduta (TAC) firmado junto ao Ministério Público. O documento previa, em síntese, que a estatal fizesse investimentos no sistema.

Neste mês a companhia apresentou à Prefeitura de Anápolis um plano de ação com investimentos para equacionar a curto, médio e longo prazo a questão falta d’água no município. Relembre.

Presidente da Associação dos Produtores Rurais da Comunidade do Piancó, que existe há 23 anos, Eliete Mendes acredita que Anápolis está a beira de uma nova crise de abastecimento não somente de água, mas também de alimentos.  “O produtor hoje está produzindo em escala reduzida. Não temos como pensar em uma produção grande se não temos a certeza que ela vai ser molhada”. Com isso, segundo ela, será necessário recorrer a outras cidades, encarecendo e muito a comida na mesa por aqui.

(Foto: Rafella Soares)

Portal 6 – Vocês se sentem bodes expiatórios dessa situação da falta d’água aqui na cidade já que a Saneago fala que a captação de água por parte dos produtores prejudica o abastecimento?

Eliete Mendes – De um lado sim porque nós estamos em um embate há muito tempo.  A falta de água não vem de agora, ela já vem de muito tempo.  Hoje nós nos deparamos com esse problema, não por causa do produtor usar essa água, mas sim por causa da falta de investimento da Saneago. Eles não fizeram nenhum investimento para que houvesse melhoria na captação e houvesse uma reserva da água.

Portal 6 – Quando a Saneago fala que o abastecimento é prejudicado por vocês, como vocês se sentem?

Eliete Mendes – A gente se sente impotente. Nós fomos chamados de ladrão de água no ano passado, então a gente se sente lá embaixo, diminuído. E nos produzimos o alimento que está na mesa da cidade.

Portal 6 – Qual o maior dilema de vocês hoje?

Eliete Mendes – Primeiro é ser taxado como os vilões da falta de água. E segundo de não conseguir a autorização da outorga para estar legalmente capacitado para fazer uso dessa água que é um direito do produtor.

Portal 6 – Para associação qual a solução para o problema?

Eliete Mendes – No momento nós não temos uma solução porque, como eu disse, a Saneago não tem uma reserva. Se ela não tem um reservatório, ela capta diretamente do rio. Mesmo que os produtores não usem a água, ela vai faltar na cidade. Nós também temos a questão climática. Esse ano o Piancó está com o nível muito baixo e não está chovendo. Então na época de maior demanda da seca, vai faltar água na cidade. Como falta água na cidade e você não tem uma caixa? Isso é o que está acontecendo por causa do investimento que não foi feito nesses vinte e tantos anos. A gente sabe que a curto e médio prazo, não vai se solucionar o problema da água, mesmo com essa questão que eles falaram no Capivari, não vai ser suficiente. É uma demanda para 70 mil habitantes há vinte e tantos anos atrás e hoje nós temos quase 400 mil habitantes.

Portal 6 – O que Anápolis perde com os produtores não podendo produzir com a capacidade que vocês têm?

Eliete Mendes – Eu acredito que vá ter um impacto na questão do abastecimento porque o produtor hoje está produzindo em escala reduzida. Não temos como pensar em uma produção grande se não temos a certeza que ela vai ser molhada. Acredito que a cidade vai ter também um impacto porque precisará trazer alimentos de fora e isso vai demandar um custo alto. Ou seja, vai pagar caro por algo que poderia estar sendo produzido aqui em alta escala.

Portal 6 – Neste Termo de Ajuste de Conduta qual era a parte de vocês?

Eliete Mendes – A nossa parte era permitir a entrada para o cercamento das nascentes e das APPs e a conscientização da preservação do solo e também a mudança de manejo.

Portal 6 – Tudo isso foi cumprido?

Eliete Mendes – A maioria das propriedades são cercadas pelos produtores. Não recebemos nenhum tipo de investimento e a mudança de manejo que foi exigida, o produtor tem procurado fazer. Nós tínhamos produtores que trabalhavam com a água em uso direto e hoje está no gotejamento.  Na produção das banana foram trocadas todos os bicos que eram de 8 mm para 3,5mm ou 4mm, então foi uma redução muito grande. Para se ter uma ideia, o produtor que plantava tomate em rego, ele levava em água corrente nos regos direto e demorava 8 horas para molhar. Hoje no gotejamento é gasto duas horas para molhar a mesma quantidade. É uma redução significativa de seis horas. São seis horas de água a menos e seis horas de motor a menos. Tem também a banana que é molhada entre dez a 12 dias. Como ela tem uma absorção muito grande, e faz sombra, ela conserva a umidade. Então, o produtor tem essa consciência e não tem condição de ficar com o motor ligado 24 horas molhando a banana, porque demanda energia, já que a maioria dos motores são elétricos e ele vai pagar uma conta alta no fim do mês. E o produtor também tem essa consciência de fazer  esse controle da utilização da água.

Portal 6 – Os produtores estão precisando de ajuda?

Eliete Mendes – Nós produtores precisamos plantar porque é o meio de sobrevivência do homem do campo. Na bacia do Piancó é uma tradição ser produtor, é pai passando para filho. Se o pessoal for impedido de plantar, o produtor não terá nenhum outro tipo de sobrevivência, porque ele vai ser desestimulado, vai vender suas terras e vai vir para a cidade. E vai vir para a cidade fazer o que? Porque o que ele sabe fazer é no campo, ele não tem uma qualificação adequada. Esperamos agora uma parceria juntamente com a Saneago e o Ministério Público para que sejam adotadas medidas para que a Saneago realmente cumpra a parte dela. Nós temos TAC a serem cumpridos que não foram, e a gente observa que se esse TAC fosse direcionado ao produtor, ele seria pressionado, mas como é para a Saneago, em parte ela não cumpriu até hoje o que foi direcionado a ela.

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