Goiás está se consolidando como um dos maiores produtores de cachaça do país

Patrimônio nacional, a bebida já conta com 114 marcas e 28 estabelecimentos produtores no estado

Carlos Henrique Carlos Henrique -
Restaurante goiano viraliza pelo jeito novo de beber cachaça. (Foto: Reprodução)

Produto genuinamente brasileiro e um dos destilados mais antigos do mundo, a cachaça tem merecidamente um dia para chamar de seu. Neste sábado (12) comemora-se o Dia Nacional da Cachaça, data escolhida para celebrar o sucesso da branquinha que, desde o século 16, desenha contornos da história e cultura nacionais.

Goiás é uma peça importante no fortalecimento econômico da bebida, figurando entre os dez estados com mais estabelecimentos produtores de cachaça registrados, segundo o último Anuário da Cachaça, publicado este ano, pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

Apesar da produção concentrada de forma intensa na Região Sudeste, a cachaça goiana está ganhando seu espaço. O estado é o maior do Centro-Oeste em relação ao número de marcas e estabelecimentos, com 114 nomes registrados e 28 estabelecimentos produtores.

Quanto ao cenário nacional, o país conta hoje com 4.003 marcas de produtos classificados como cachaça e 701 de aguardente de cana. Conforme o relatório, estão registrados 1.086 produtores, sendo que 165 deles trabalham com cachaça e aguardente; 92 apenas com aguardente; e 729 apenas com cachaça. A cachaça mineira ainda desponta e é responsável pela maioria das marcas, com 1680 rótulos registrados.

“A produção de cachaça em Goiás é pequena, mas significativa, dos pontos de vista de qualidade e distribuição. Nós temos centros de produção muito interessantes”, afirma o engenheiro agrônomo da Agência Goiana de Assistência Técnica, Extensão Rural e Pesquisa Agropecuária (Emater), Robson Luís Morais.

De acordo com ele, grande parte do destilado consumido no estado e no Distrito Federal (DF) é proveniente das regiões Sudeste, Nordeste e Sul do Brasil.

“O grande desafio é conquistar o nosso próprio mercado e o do DF, local importante por apresentar um capital e poder de compra maior. Mas já estamos apresentando uma produção bastante robusta”, avalia.

A demanda é garantida. A cachaça é a segunda bebida alcoólica mais vendida no país, atrás apenas da cerveja. Em 2018, os brasileiros consumiram 520,9 milhões de litros da “marvada”, o que gerou um faturamento de cerca de R$ 14 bilhões.

A procura internacional também é grande, mais de 60 países importam o produto. Com mercado amplo, a produção de cachaça é uma opção viável inclusive para a agricultura familiar, que encontra no meio rural um time fiel e tradicional de consumidores. Além disso as condições climáticas do Cerrado são favoráveis para o cultivo de cana-de-açúcar, o que propicia ainda mais o investimento.

“Temos alta produtividade de cana no Estado, com solo adequado e fértil, e tecnologias de plantio dominadas pelo segmento de agricultura. As técnicas de fermentação, destilação, engarrafamento e a parte de legalização já são procedimentos oferecidos pela Emater”, salienta Robson.

É possível ingressar no ramo com uma área pequena para a lavoura. Dois a três hectares de terra são capazes de produzir de 20 a 30 mil litros de cachaça, segundo o especialista. Os produtores podem aproveitar ainda uma série de outros produtos derivados da cana-de-açúcar, como melaço e açúcares, e o bagaço pode servir como alimento para o gado.

Do escritório para o alambique

Em 2015, o engenheiro agrônomo Daniel Augusto Machado, produtor de cachaça assistido pela Emater, no município de Uruana, havia se inscrito para fazer um curso de produção de etanol.

A ação também oferecia capacitação em produção de cachaça, mas sua intenção era aprender a trabalhar com combustível. Chegando no local, um contratempo envolvendo os equipamentos acabou inviabilizando o curso de etanol, o levando a realizar a outra oficina. Nascia ali uma história de sucesso e amor pela produção da caninha.

Durante a aula, Daniel conheceu os mecanismos do alambique e utilizou o aparelho para produzir sua própria cachaça. Cada aluno poderia levar uma quantidade do produto para casa e o engenheiro engarrafou sua parte, colando na embalagem o adesivo do logotipo de seu escritório de consultoria a produtores rurais.

O propósito era apenas presentear familiares e amigos, mas todos gostaram tanto que faltou cachaça para quem quis. O engenheiro enxergou uma oportunidade promissora, dando início à fábrica no ano seguinte ao lado dos sócios Marcelo Ribeiro Pereira e José Antônio Pereira.

“Em Uruana não tinha cachaça de qualidade produzida na cidade. Como eu tenho muito contato com o produtor rural, por causa do meu escritório, sei que esse público geralmente gosta mais de cachaça do que de cerveja”, explica.

Daniel e seus sócios começaram com um alambique de 1.200 litros e poucos implementos. Com o tempo, foram ganhando o mercado, alcançando atualmente uma média de produção de 56 mil litros da bebida por ano, obtido em um ciclo produtivo que vai de junho a setembro.

Para o produtor, uma das dificuldades enfrentadas pelo setor é a questão da legalização. Mesmo havendo produtos de qualidade sem registro, em sua opinião, existem em contrapartida muitas cachaças falsificadas nas prateleiras de mercados e bares.

“Nisso a Emater é fundamental. Se não fosse o Robson e a assistência técnica, ainda estaríamos engatinhando em termos de registro e produção”, diz. Mercado conquistado, o futuro indica crescimento. Segundo Daniel, há três meses a fábrica está trabalhando na criação de um licor, que já está em fase de registro e deve ser lançado em breve.

Uma dose de história

As primeiras mudas de cana-de-açúcar foram plantadas no Brasil pelos portugueses em 1504. Nos anos seguintes, entre 1516 e 1532, começaram a ser erguidos os engenhos para o processamento da cana, sendo o primeiro deles na feitoria de Itamaracá, em Pernambuco. Embora seja impossível apontar com exatidão quando e onde a primeira pinga foi feita, é possível que ela tenha sido destilada nesse período em algum engenho do litoral.

Apesar dos indícios de produção de aguardente de cana no século 16, é somente no século seguinte que se tem o primeiro documento que oferece mais informações sobre as origens do destilado nacional. Está relatado o cálculo de despesas relativas à “augoa ardente”, no livro de contas do Engenho de Nossa Senhora da Purificação de Sergipe do Conde, entre os dias 21 de junho de 1622 e 21 de maio de 1623.

Historiadores apontam que houve, nos anos posteriores, aumento significativo dos alambiques nos engenhos de São Paulo e Pernambuco. Com a descoberta do ouro e pedras preciosas, a cachaça se espalhou de maneira poderosa em Minas Gerais.

Algumas lendas dizem que a cachaça transportada para a região mineira era levada em barris, o que deixava a bebida com coloração amarelada por causa do contato com a madeira. Hoje, observa-se que há um predomínio de produção de cachaças brancas nas áreas litorâneas do país, enquanto que em Minas Gerais os produtores optam por armazenar o destilado em barris.

Na zona rural e urbana, de norte a sul do país, a cachaça é um produto consolidado e popularmente conhecido. Nas últimas décadas, medidas importantes têm contribuído para sua valorização e reconhecimento como patrimônio nacional. Nos anos de 1990, o governo federal legitimou a cachaça como produto tipicamente brasileiro, estabelecendo critérios de fabricação e comercialização.

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