Justiça condena Bolsonaro por machismo contra jornalista: “queria dar o furo”
Caso aconteceu em fevereiro de 2020 quando presidente sugeriu, em rede nacional, que a profissional queria ‘dar o furo’
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) foi condenado a indenizar a jornalista Patrícia Campos Mello, repórter da Folha, em R$ 20 mil por danos morais.
A decisão de 16 de março é da juíza Inah de Lemos e Silva Machado, da 19ª Vara Civil de São Paulo. Ela determinou ainda que o presidente pague as custas processuais e honorários advocatícios no valor de 10% da condenação. Cabe recurso.
A magistrada considerou que Bolsonaro violou “a honra da autora, causando-lhe dano moral, devendo, portanto, ser responsabilizado”.
Ainda segundo a juíza, “a utilização no sentido dúbio da palavra ‘furo’ em relação à autora repercutiu tanto na mídia como também nas redes sociais, expondo a autora”.
A repórter acionou a Justiça após sofrer um ataque, com cunho sexual, no dia 18 de fevereiro de 2020.
“Ela [repórter] queria um furo. Ela queria dar o furo [risos dele e dos demais]”, disse o presidente, em entrevista diante de um grupo de simpatizantes em frente ao Palácio da Alvorada, na ocasião. Após uma pausa durante os risos, Bolsonaro concluiu: “a qualquer preço contra mim”.
A palavra “furo” é um jargão jornalístico para se referir a uma informação exclusiva.
A declaração do presidente foi uma referência ao depoimento de um ex-funcionário de uma agência de disparos de mensagens em massa por WhatsApp, dado à CPMI das Fake News no Congresso.
O depoimento à CPMI ao qual Bolsonaro se referia foi de Hans River do Rio Nascimento, que trabalhou para a Yacows, empresa especializada em marketing digital, durante a campanha eleitoral de 2018.
Em dezembro daquele ano, reportagem da Folha, baseada em documentos da Justiça do Trabalho e em relatos do depoente Hans, mostrou que uma rede de empresas, entre elas a Yacows, recorreu ao uso fraudulento de nome e CPFs de idosos para registrar chips de celular e garantir disparo de lotes de mensagens em benefício de políticos.
Sem apresentar provas, Hans afirmou que Patrícia queria “um determinado tipo de matéria a troco de sexo”, declaração reproduzida em seguida pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, nas redes sociais.
Na decisão, a juíza Inah de Lemos e Silva Machado afirma que, sendo Bolsonaro presidente da República, “suas declarações reverberam por todo o país e também no exterior, podendo ser observada a presença no local de jornalistas de mídias diversas”.
Segundo ela, “não há que se falar em liberdade de expressão ou de pensamento, pois não é ilimitada, devendo observar o direito alheio, especificamente a intimidade, a honra e a imagem da vítima”.
Para a advogada da Folha Tais Gasparian, além da relevância da vitória judicial, “essa decisão representa uma importante vitória para todas as mulheres que são atacadas no exercício de sua profissão”.
Em janeiro, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) também foi condenado a indenizar a jornalista Patrícia Campos Mello por danos morais.
A decisão foi do juiz Luiz Gustavo Esteves, da 11ª Vara Cível de São Paulo. Além da indenização de R$ 30 mil, ele ainda determinou o pagamento de custas processuais e honorários advocatícios no valor de 15% da condenação.
Em transmissão ao vivo, Eduardo havia afirmado que a jornalista “tentava seduzir” para obter informações que fossem prejudiciais ao seu pai. A live foi ao ar pelo canal do YouTube Terça Livre TV, em 27 de maio do ano passado.
Em uma série de reportagens em outubro de 2018, a Folha revelou a contratação durante a campanha eleitoral de empresas de marketing que faziam envios de mensagens políticas.
A primeira reportagem mostrou que empresas estavam interferindo nas eleições de 2018 ao comprar pacotes de disparos de mensagens contra o PT no WhatsApp. A disseminação funciona por meio do disparo a números de celulares obtidos por agências. Uma outra tratou do uso de forma fraudulenta CPFs de idosos e até contratando agências estrangeiras.
O depoimento mentiroso de Hans à CPMI causou uma série de reações em defesa da Folha e da repórter.
O jornal repudiou em nota as mentiras e os insultos e, em reportagem baseada em documentos e gravações, apontou uma a uma as mentiras do depoente.