Templo aberto é direito constitucional, mas tem igreja que só liga para dízimo, diz pastor
Pastor, um dos mais influentes das chamadas igrejas evangélicas históricas, discorre sobre lockdown, dízimo, Jair Bolsonaro e a Teologia da Prosperidade que predomina entre congregações neopentecostais
Anna Virginia Balloussier, do RJ – Manter as igrejas abertas durante a pandemia é um direito constitucional que só poderia ser revogado com um estado de sítio, e a decisão por fechá-las para brecar a Covid-19 “não pode ser uma coisa saindo da cabeça de governadores e prefeitos”, diz o reverendo Augustus Nicodemus Lopes, 66.
Mas nem todas as denominações evangélicas têm “preocupação cívica” ao pleitear que templos funcionem no auge da crise, lamenta o pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Recife e ex-chanceler da Universidade Mackenzie, também presbiteriana.
“Elas estão preocupadas porque têm um sistema de arrecadação que depende do [culto] presencial. Para não serem estranguladas financeiramente, vão dizer o que for necessário para defender igrejas abertas.
Entrelaçar finanças e fé é sempre sensível, mas necessário diante da convulsão econômica que se segue à sanitária, diz Nicodemus. O paraibano lança, pela editora Mundo Cristão, “O Que a Bíblia Fala Sobre Dinheiro”, e dá um spoiler à reportagem: ela “fala mais de dinheiro do que de amor”.
Nesta entrevista, o pastor, um dos mais influentes das chamadas igrejas evangélicas históricas, discorre sobre lockdown, dízimo, Jair Bolsonaro e a Teologia da Prosperidade que predomina entre congregações neopentecostais, que ele prefere nem chamar de igrejas.
Pergunta – Por que este tema agora?
Augustus Nicodemus Lopes – O livro veio como resultado da minha preocupação com o que a pandemia poderia trazer, em termos financeiros. Àquela altura, todo mundo sabia que junto com um problema grave, a doença, viria outro, econômico. Quis dar uma visão geral dos recursos.
O sr. diz que a Teologia da Prosperidade, comum em igrejas neopentecostais, deixa pastores sem graça de pedir contribuição dos fiéis.
ANL – Chamo pelo nome algumas igrejas que a gente não considera como tais [ele cita no livro a Universal do Reino de Deus, a Mundial do Poder de Deus e a Internacional da Graça]. O mundo evangélico é bem complexo. Muitos pentecostais clássicos infelizmente aderiram à teologia em tempos recentes.
O que é essa teologia?
ANL – Ela enfatiza que Deus abençoa materialmente quem contribui para a igreja, mas releva o ensino bíblico que isso não acontece sempre. Crentes generosos podem ficar pobres e doentes. A teologia está certa quando diz que Deus pode nos abençoar financeiramente, mas errada quando diz que Ele é obrigado a fazê-lo se você dá o dízimo. Jesus ensinou que Deus dá o pão de cada dia, não o pudim, o supérfluo, por assim dizer. Como neopentecostais são boa parte do que chamam de evangélicos, a gente fica meio sofrido, os escândalos jogam todo mundo na vala comum.
Como igrejas históricas, como a Presbiteriana, entendem o dízimo?
ANL – Por conta dos excessos, a gente vai para outro lado, fica com medo de falar a respeito de dinheiro. Também é errado. A Bíblia fala mais de dinheiro do que de amor. Tem muita coisa sobre gestão financeira. Evangélicos dependem muitas vezes de recursos contadinhos para viver. E uma coisa que ficou fora do livro, mas que eu queria falar, é sobre o coaching cristão.
Há canais virtuais como o Cristão Rico, que ensina a “sair das dívidas”. É isso?
ANL – O chamado coaching evangélico se baseia em princípios que são fantásticos se aplicados no meio secular [como evangélicos se referem aos de fora da igreja]. Tem que seguir uma série de princípios para alcançar objetivos financeiros, e tudo bem. Mas quando se aplica isso à igreja, aí já vai ficar um pouquinho complicado. A Bíblia nos ensina a confiar em Deus, não viver ansiosos, não fazer da prosperidade a meta maior da vida. Fica difícil colocar isso dentro da equação do coaching.
O que, afinal, a Bíblia diz sobre dinheiro?
ANL – O dinheiro em si não é bom nem mau –depende da nossa atitude para com ele. Não devemos fazer do dinheiro o deus da nossa vida. Jesus prega que a gente não viva ansioso com o que vai comer, beber, vestir. Deus cuida dos passarinhos, veste o lírio dos campos, não cai nenhum fio da nossa cabeça. Diz que os pagãos ficam ansiosos porque não têm um Pai. E é um alerta contra os mercadores da fé.
Quem são eles hoje?
ANL – Nas palavras do apóstolo Paulo, os que “pensam que religião é uma forma de enriquecer”. Na Idade Média vendiam indulgências, relíquias, pedaços da cruz etc. Hoje, vendem objetos ungidos e oferecem bênçãos materiais em troca de ofertas e dízimos. Eles enriquecem, e os fiéis ficam pobres.
O dízimo por vezes é estigmatizado fora da igreja. Como funciona na sua?
ANL – Entendemos que contribuir faz parte da gratidão que prestamos a Deus. Sabemos que tem falsos profetas, mercenários, que utilizam da crendice do povo para arrancar até o último centavo. Mas não tem como igrejas sérias se manterem e ajudarem os pobres [sem as ofertas]. De onde vem esse dinheiro? O Estado é laico, a igreja não recebe nada do governo. Precisa de recurso para manter instalações funcionários, os pastores são assalariados.
O sr. dá 10% de seus rendimentos à igreja? Essa porcentagem está na Bíblia?
ANL – O valor de 10% (dízimo) é desde o tempos dos patriarcas, fez parte das leis cerimoniais de Israel e é praticada pelos cristãos como referência de contribuição que é regular, generosa e proporcional. Não vemos como lei, mas gratidão. E sim, contribuo com 10% dos meus proventos.
Templos devem ficar fechados, ao menos em fases críticas?
ANL – Há duas questões para separar. Quando a gente briga para manter igreja aberta dentro das regras sanitárias, é pelo direito de culto garantido pela Constituição. A única maneira de revogá-lo é o estado de sítio, e só o presidente pode declarar um, o Congresso tem que aprovar. Do jeito que está não está bom, é uma coisa que está saindo da cabeça de governadores e prefeitos. Fechar de forma arbitrária é a Constituição sendo violada. O que vem depois?
O sr. citou duas questões.
ANL – Infelizmente, muitas igrejas que querem manter o culto não fazem isso com preocupação cívica. Estão preocupadas porque têm um sistema de arrecadação que depende do [culto] presencial. Para não serem estranguladas financeiramente, vão dizer o que for necessário para defender igrejas abertas.
Acha que o lockdown é necessário agora?
ANL – Tenho dificuldades com o lockdown como medida para resolver [a pandemia] em definitivo. Minha igreja é de classe média. Quem tem sofrido muito é o pessoal de classes mais baixas. Acho que não é resposta para essa situação. Há outros aspectos.
Quais?
ANL – Há pessoas que entram em depressão, o nível de divórcio aumentou… Você é obrigado a estar em casa com sua mulher, coisa que não fazia antes. As famílias se fragmentando, pessoas em busca de ajuda profissional para saúde mental. Tem gente que vai dizer, ‘é direito meu, prefiro arriscar morrer desse vírus ou eu morro sem ganhar o pão de cada dia’. O lockdown fere muito o trabalhador, a diarista. O pessoal das classes média e alta não sentem tanto. Vão fazer como você e eu: home office.
Para a economia se recuperar, há consenso de que precisamos baixar os números da pandemia. Como atingir essa meta sem medidas que surtam efeito rápido?
ANL – Lockdowns causaram o desastre na economia, não vejo como podem ser a cura dela. Talvez se tivéssemos usado desde o início lockdowns verticais e localizados, medidas sanitárias já comprovadas e educado a população para usá-las, quem sabe salvaríamos o mesmo número de pessoas sem destruir seus empregos e sanidade mental no processo.
O sr. apoiou Bolsonaro em 2018. Voltaria a fazê-lo?
ANL – Olha, votaria mais uma vez dependendo de quais seriam as opções. É o voto útil, menos ruim. Infelizmente, [o presidente] se precipita com as palavras, toma atitudes que não ajudam a população. Todo mundo reconhece que ele poderia ter sido mais prudente na condução da pandemia, até pelo próprio exemplo –ele aparece sem máscara. Poderia ter se saído melhor.
Mas ainda seria sua opção em 2022.
ANL – A questão toda é que o cristão, ele olha a agenda de costumes. [Bolsonaro] tem uma agenda conservadora, mais próxima dos evangélicos. Se aparecesse um candidato com questões relacionadas à família, certamente eu votaria. Olhando as opções que têm aí, ainda me vejo sem muitas opções.
Não vê ninguém à direita que abrace essa pauta?
ANL – Teve uma época em que a gente tinha esperança no Sérgio Moro, mas depois ficamos meio sem saber onde ele está.
Alguns pastores de peso, de Edir Macedo a Silas Malafaia, foram aliados de Lula no passado.
ANL – Nunca votei no Lula. Infelizmente, tem muitas igrejas penduradas com o fisco e que têm interesse em ficar do lado do poder. Estão devendo até a alma.