Machismo não poupou Marília Mendonça mesmo após a morte, mas legado dela ajuda a vencer esse atraso

Márcio Corrêa Márcio Corrêa -
Machismo não poupou Marília Mendonça mesmo após a morte, mas legado dela ajuda a vencer esse atraso
Marília Mendonça era uma das maiores artistas do Brasil. (Foto: Reprodução)

É muito ilustrativo da sociedade que vivemos o fato de que até mesmo um dos maiores símbolos do empoderamento feminino no nosso País tenha tido uma carreira avaliada por muitos sob um viés machista e atrasado a respeito de seu sucesso. O fenômeno Marília Mendonça, cujo fim trágico deixou todos nós de luto, se destacou por cantar sobre a mulher insubmissa que se escora no amor próprio para dar a volta por cima nos seus infortúnios (ou para rir deles). Mas até na tragédia da sua morte houve quem preferisse se debruçar sobre questões irrelevantes a respeito da sua trajetória, como seu peso e por não atender supostos padrões estéticos do showbiz. Algo que não se vê nos obituários masculinos.

“Me desrespeitam desde quando me entendo por Marília Mendonça, gorda, feia, mal vestida, mal cuidada”, escreveu a cantora goiana em postagem nas suas redes sociais em janeiro deste ano. “Não dói mais em mim porque fui forte o bastante para não deixar matarem os meus sonhos”. Marília Mendonça é grande justamente porque, além de um talento descomunal para compor e cantar, soube domar a indústria musical e construiu uma personalidade artística de verdade, de carne e osso, com defeitos e qualidades. Marília foi ela mesma, e assim conseguiu um conexão real com milhões de pessoas que se viram representados nela.

O tamanho da ascensão de Marília Mendonça e suas colegas do movimento chamado “feminejo” mostra que existia um anseio das mulheres por uma música sertaneja que falasse delas de verdade, sem a visão romântica que era comum no estilo, e confirma o quanto a igualdade de gêneros ainda é muito mais uma aspiração do que uma realidade concreta. Seja na cultura, no mercado profissional ou na política. Dados para comprovar isto não faltam.

Segundo o IBGE, a participação feminina nos cargos gerenciais, seja no setor público ou privado, vem caindo no Brasil. Enquanto em 2012 a média chegava a 48,8%, ao fim de 2019 essa média chegou em 37,4%, queda de mais de 10 pontos percentuais. No setor público, a representação delas nas funções de comando é mínima. Levantamento feito em agosto pelo site Poder 360 mostrou que as mulheres ocupavam somente 13% dos cargos de alto escalão em estatais. Isto numa realidade em que a média de escolaridade delas é maior do que a dos homens.

Dos 23 vereadores de Anápolis, somente cinco são mulheres. Três delas eleitas na nossa chapa, quando disputei a prefeitura. Na legislatura passada, eleita em 2016, a situação era pior: somente quatro mulheres conseguiram assento na Câmara Municipal. Sem falar na violência contra elas, que é talvez a face mais cruel da nossa sociedade sexista – e é mais uma vez ilustrativo que no seu ultimo show, em Sorocaba (SP), Marília Mendonça tenha parado de cantar para repreender um homem que agredia uma mulher durante uma confusão generalizada.

Mesmo com letras que soavam despretensiosas e foram pensadas sobretudo para divertir, embaladas pelo seu vozeirão e presença de palco, Marília Mendonça soube cantar e representar a mulher contemporânea, definindo bem qual o espaço delas na nossa sociedade: aonde elas quiserem. Do jeito que quiserem. Viva Marília!

Márcio Corrêa é empresário e odontólogo. Preside o Diretório Municipal do MDB em AnápolisEscreve todas as segundas-feiras. Siga-o no Instagram.

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