Comunidades arrasadas por chuvas na Bahia sofrem com falta de gás e água para beber
População total afetada pelas enchentes chega a 220.297 em 51 municípios que se encontram em situação de emergência
Uma estrada sinuosa que corta vales e margeia montanhas liga Jucuruçu, cidade de 10,3 mil habitantes do extremo sul da Bahia, à BR-101 principal corredor rodoviário da região.
Mas deslizamentos que fizeram a terra tombar sobre a pista e as enchentes que atingiram a região na última semana deixaram a cidade totalmente isolada por três dias. Carros e caminhões com mantimentos, água e combustíveis não conseguiam superar as barreiras que ficaram nas rodovias.
Com a reabertura dos acessos, Jucuruçu tenta recuperar os estragos e tentar voltar à normalidade. Mas não será uma tarefa fácil: as partes mais baixas da cidade, nas margens do rio do Prado, foram devastadas pela chuva e ainda estão cobertas de lama.
O comércio voltou a abrir, mas é raro achar um estabelecimento que tenha em seu estoque garrafas de água mineral. A população mais atingida depende de doações de galões de água para ter o que beber.
Os estragos foram maiores no bairro da Baixada, região da periferia da cidade que fica nas margens do rio. Ali, a água superou o nível das janelas das casas, danificando estruturas e gerando perdas para as famílias.
Foi justamente nessa região que foram registradas cenas de moradores fazendo uma espécie de cordão humano para enfrentar a correnteza e onde pessoas chegaram a improvisar um colchão como bote para chegar às áreas mais seguras da cidade.
A área de convivência do bairro, formada por uma praça e um pequeno galpão para eventos foi inteiramente tomada pela enchente. No centro da praça, uma árvore de natal montada para os festejos natalinos resistiu à força da água, mas permanecia envolta de lama.
Moradora do bairro, Célia dos Santos da Silva, 55, teve a sua casa tomada pela água e perdeu a geladeira, o tanquinho e um armário pelo qual pagou cerca de R$ 2.000 e havia sido comprado há apenas três meses. Parte do muro de sua casa desabou logo no início da enchente.
“A água foi enchendo, enchendo e o muro caiu. Quando o muro caiu, a casa alagou. Algumas pessoas até me ajudaram a tentar tirar a água de dentro, mas não teve jeito”, afirmou Célia, que teve ajuda de um professor da cidade para tirar a sua mãe de 82 anos e a sua neta de 3 anos de dentro de casa.
Ambas foram levadas em um carro para a parte alta da cidade, enquanto Célia permaneceu na Baixada tentando recolher seus pertences e ajudando os vizinhos a serem retirados de suas casas.
Na mesma rua, Edgar Rodrigues Pereira, que trabalha com o abate e a venda de carne bovina, viu a sua casa ruir em questão de horas.
A chuva ficou mais forte no início da noite de terça (7) e já eram 23h quando a casa de Edson começou a alagar. Ele e a mulher abandonaram o local apenas com a roupa do corpo, documentos de R$ 30 no bolso.
“Se nós não saíssemos de casa, íamos morrer lá dentro”, lembra. Quando saiu de casa, a água já batia na sua cintura. No dia seguinte a água chegou com ainda mais força fazendo o telhado da casa desmoronar e uma das paredes ruir.
A água do rio já refluiu, mas Edson ainda não teve coragem de entrar na casa para tentar recuperar os seus pertences -como a estrutura está danificada, há risco de novos desabamentos. “Não tirei nada, tudo que tenho está embaixo daqueles escombros”, afirmou.
Mesmo com a devastação e os riscos de novas enchentes, Edgar diz que pretende permanecer no mesmo lugar e reconstruir a sua casa no mesmo terreno. Para isso, contudo, precisará do aval da prefeitura, que busca recursos para realocar famílias da Baixada para as partes mais altas da cidade.
Os temporais que atingem a Bahia desde a última semana já causaram a morte de 12 pessoas. A última vítima registrada foi um pescador de 69 anos que foi encontrado no distrito de Coqueiro, em Jucuruçu.
Ele estava desaparecido desde quarta (8), após a canoa que utilizava para tentar atravessar o rio virar em meio à tempestade.
Foram computados também 267 feridos, 6.371 desabrigados e 15.199 desalojados, de acordo com dados da Defesa Civil do Estado da Bahia. A população total afetada pelas enchentes chega a 220.297, que vivem nos 51 municípios que se encontram em situação de emergência.
A cidade de Itamaraju, um dos epicentros dos temporais que atingiram o estado, voltou a registrar chuvas nesta quarta (15), mas em menor intensidade. A prefeitura e a Defesa Civil se mantêm alerta com a possibilidade de novas enchentes e desmoronamentos.
Em conversa com a Folha, o prefeito de Itamaraju, Marcelo Angenica (PSDB), afirma que um dos principais desafios imediatos é garantir a trafegabilidade os cerca de 2.400 quilômetros de estradas vicinais que o município possui.
A liberação das vias é crucial para garantir o abastecimento e a assistência às famílias que vivem nas comunidades rurais. A prefeitura contabiliza a perda de 50 pontes e bueiros -tubulações nas quais rios de menor porte correm por baixo das estradas.
Duas comunidades rurais permanecem de Itamaraju sem acesso por terra: os povoados de Itabrasil, com cerca de 500 moradores, e São Paulinho, que tem em torno de 800 moradores.
“A população dessas comunidades não foi a mais atingida pelas chuvas, mas é onde as estradas ficaram mais danificadas. Vamos precisar reconstruí-las para que as famílias não fiquem isoladas”, afirma o prefeito de Itamaraju.
Em parte das comunidades, sugiram demandas como botijões de gás -o que as famílias tinham foram levados pela correnteza ou estão danificados.
A prefeitura estima que precisará de cerca de R$ 40 milhões para reparar os danos das chuvas na cidade e outros R$ 10 milhões para ações emergenciais de assistência social.
No curto prazo, o principal gargalo tem sido a baixa oferta de materiais para a recuperação das vias e de maquinário para trabalhar nos reparos e na limpeza das áreas urbanas e rurais da cidade.
Além dos equipamentos do poder público, a prefeitura conseguiu caçambas, tratores e até um helicóptero de empresários da região que estão prestando apoio na assistência aos atingidos pelas enchentes.
O número de pessoas nos alojamentos já foi reduzido de 700 para cerca de 380 e a tendência é que o número caia nos próximos dias na medida em que famílias retornem para suas casas ou consigam se abrigar temporariamente na casa de parentes ou vizinhos.
A prefeitura estima que cerca de 120 imóveis devem ser condenados pela Defesa Civil municipal, sobretudo no distrito de Nova Alegria.
“O desafio é grande e não é fácil de solucionar. Mas a nossa população está empenhada, as pessoas atingidas pela enchente retomaram a esperança e o desejo de reconstruir as suas vidas. Isso é o mais importante”, diz Angenica.