Entenda por que a Dinamarca derrubou restrições contra Covid e até considera ‘parar de vacinar’
Foram três fatores-chave levados em consideração pelas autoridades nesta tomada de decisão
Se um país assiste a médias diárias de novos casos de Covid oito vezes superiores às que registrava há dois meses e tem o triplo de pessoas internadas com a doença, o que deve ser feito?
Muitas experiências ao redor do mundo diriam que a cartilha correta incluiria a reintrodução de medidas restritivas, como a obrigatoriedade do passaporte vacinal e do uso de máscaras. Não na Dinamarca.
Com cenário como o descrito acima, o país nórdico decidiu abolir todas as restrições. Autoridades nacionais de saúde avaliam ainda encerrar a campanha nacional de vacinação nos próximos meses e não veem mais a necessidade de oferecer doses de reforço para menores de 18 anos, segundo comunicado emitido nesta sexta-feira (11).
Foram três os fatores-chave que pesaram na decisão das autoridades de saúde dinamarquesas: 1) larga fatia da população nacional já recebeu a dose de reforço; 2) o número de pessoas com Covid internadas em UTIs tem diminuído; 3) a cifra de mortalidade geral do país está em queda desde o início deste ano.
A proliferação dos casos de Covid alavancada pela variante ômicron fez com que os pouco mais de 5,8 milhões de habitantes da Dinamarca assistissem a números recordes. Depois de quase dois anos registrando média móvel de casos diários que raramente ultrapassava 3.500, a nação registra, há mais de duas semanas, médias superiores a 40 mil.
E os números podem ser ainda maiores. Mesmo que o país teste massivamente a população –a média de testes diários é de 26 por 1.000 habitantes, ante 0,3 no Brasil–, o número de dinamarqueses adultos infectados nos últimos meses pode ser o dobro da contagem oficial, segundo pesquisa preliminar conduzida pelo Instituto Statens Serum, o principal do país, e divulgada na quinta-feira (10).
Como consequência direta da explosão de infecções, hospitais também viram crescer o número de pacientes. Eram 1.354 pessoas internadas com Covid na quinta, segundo o Our World in Data. O pico anterior foi de 964 hospitalizados, em meados de janeiro do ano passado. Mas, aqui, há outro indicador importante: a maior parte dos internados não desenvolveu casos graves da doença.
A Dinamarca conta com cerca de 33 pacientes com coronavírus internados em UTIs, um terço da cifra observada em outros momentos da pandemia. Para os especialistas, trata-se de um claro indicativo de que o avanço da vacinação, por ora, conseguiu criar um colchão de imunidade capaz de amenizar os maiores impactos da ômicron –a cepa é responsável por praticamente 100% das internações.
Quase 82% da população completou o primeiro esquema vacinal, e a aplicação da dose de reforço já chegou a 62% dos dinamarqueses –no Brasil, 25% a receberam. A imunização avança mesmo entre o público infantil: 37% das crianças de 5 a 11 anos estão com as duas doses; entre adolescentes de 12 a 15 anos, a taxa é de 78%.
A alta cobertura vacinal desses grupos foi um dos argumentos apresentados nesta sexta para justificar a possibilidade de encerrar em breve a campanha de imunização e não aplicar a terceira dose em menores de 18 anos. “Essa faixa etária já apresenta alta imunidade e pouco risco de desenvolver casos graves”, diz o comunicado da Autoridade Dinamarquesa de Saúde.
Se em alguns países são os efeitos sobre a economia ou o movimento antivacina o que pressiona governos a derrubar restrições, na Dinamarca a maior pressão veio do sistema educacional. É o que diz à reportagem Flemming Konradsen, professor e diretor da Escola de Saúde Global da Universidade de Copenhague. “Eles estão seriamente preocupados com toda uma geração perdendo oportunidades de educação.”
A alta cobertura vacinal não impediu que a curva de mortes crescesse, mas os principais institutos de saúde, como o Statens Serum, pedem cautela na análise dos números. Ao longo da última semana, a média de óbitos por Covid foi a mesma para Dinamarca e Brasil –considerando, claro, a proporcionalidade em relação às duas populações.
Especialistas locais, no entanto, têm deixado de olhar somente para o número de vítimas do coronavírus para priorizar outra análise: a de mortes totais na Dinamarca, seja por Covid ou por outras causas. E essa cifra tem caído constantemente desde o início do ano.
Eles afirmam que a grande maioria das mortes por Covid ocorre em pessoas com alguma comorbidade preexistente e, nesses casos, a doença causada pelo coronavírus pode até ter um impacto decisivo na causa do óbito, mas é difícil mensurar sua importância relativa. Assim, as estatísticas poderiam superestimar o número de mortes.
O cálculo é feito a partir de um sistema que analisa dados históricos de óbitos no país para entender qual é o nível esperado de mortes –essa média configura a linha zero. Quando o índice chega a 1, por exemplo, a leitura é de que há um ligeiro excedente de mortes, porém em nível não preocupante. Acima de 2, configuram-se mortes em excesso. Na primeira semana de 2021, a Dinamarca registrou 7,13 nessa escala. Ao final do mês, registrava 1,7.
Para o professor Konradsen, análises dos dados nacionais permitem aferir que 75% dos óbitos registrados por Covid no país são de pessoas que realmente morreram em decorrência da doença. Os outros 25% seriam indivíduos que estavam com Covid quando faleceram, mas a causa da morte pode ter sido outra.
Com essa equação, o especialista afirma que foi criado um cenário epidemiológico que permite a suspensão de restrições. A Dinamarca estaria, assim, priorizando o aprendizado de como conviver com um vírus que veio para ficar.
“Precisamos monitorar novas variantes, investir na proteção dos mais vulneráveis, expandir nosso sistema de saúde e aprimorar vacinas.
Temos que entender que esse vírus estará conosco para sempre”, diz Konradsen. “E o preço a se pagar por não aprender a viver com o vírus é muito alto, especialmente para os mais jovens, que não podiam ir à escola, além das consequências para a saúde mental.”
Ele faz a ressalva, porém, de que o observado na Dinamarca não dita uma fórmula a ser adotada em outros países. “Não se trata de uma pandemia, mas de mais de 200 epidemias separadas. Em cada país o cenário é muito diferente. E a experiência dinamarquesa não pode ser replicada em um país no qual a cobertura vacinal é baixa, por exemplo –nesse caso, o preço seria muito alto em termos de mortalidade.”