Referendo de Obrador é apenas ponta de guinada autoritária no México
Cenário preocupa especialmente em um país de jovem democracia, que há pouco mais de duas décadas viveu sob um regime de legenda única
MAYARA PAIXÃO
GUARULHOS, SP (FOLHAPRESS) – Há eleições no México, partidos políticos competitivos, acesso ao voto e direitos civis. Em tese, os principais indicadores de uma democracia pulsante. Mas acadêmicos têm alertado para uma guinada autoritária do presidente esquerdista Andrés Manuel López Obrador.
O cenário preocupa especialmente em um país de jovem democracia, que há pouco mais de duas décadas viveu sob a sombra de um regime de legenda única, com o Partido Revolucionário Institucional (PRI) dominando a política por 70 anos. A alçada de AMLO -acrônimo pelo qual o presidente é conhecido- à Presidência parecia inserir no jogo político um catalisador da democracia nacional.
“Os partidários e a equipe de Obrador remontam a uma ideia de nacionalismo revolucionário que conhecemos muito bem na América Latina e que tem entre suas características o confronto a elementos da democracia liberal, como a liberdade de imprensa e de expressão e o pluralismo político”, diz Francisco Valdés, cientista político e pesquisador da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam) .
Para ele, o principal exemplo do viés populista e da guinada autoritária de Obrador foi demonstrado com a recente realização de um referendo para que a população decidisse se o presidente deveria ou não permanecer no cargo até o fim do mandato.
O mecanismo é constitucional e foi, aliás, introduzido logo no início da gestão de AMLO, que o defendia como uma forma de impulsionar a democracia direta no México.
O problema, explicam os analistas, está no fato de que o plebiscito não foi acionado porque a população duvidava da capacidade do líder de governar -como pressupõe a Carta Magna. Segundo as pesquisas mais recentes, Obrador goza de 60% de aprovação. O mecanismo foi acionado majoritariamente por sua base de apoio, impulsionada pelo próprio líder, para dar sustentação pública ao seu governo.
Investigações da imprensa mexicana mostram que a organização “Que Siga la Democracia”, cujos principais dirigentes descrevem-se como “obradoristas” nas redes sociais, foi a principal mola propulsora para a coleta dos votos necessários. Além disso, muitos políticos do Morena -o partido de AMLO- usaram verba pública para fazer campanha em prol do referendo.