Polícia mata homem negro asfixiado com bomba de gás ao prendê-lo em viatura
Segundo testemunhas, ele foi abordado na tarde desta quarta-feira (25) em uma blitz na rodovia BR-101, enquanto pilotava uma motocicleta
(UOL-FOLHAPRESS) – Um homem negro de 38 anos morreu após passar por uma abordagem realizada por policiais rodoviários federais no município de Umbaúba, litoral sul de Sergipe. Genivaldo de Jesus Santos não resistiu após ser submetido a uma ação truculenta da PRF (Polícia Rodoviária Federal), que, de acordo com vídeos e detalhes do boletim de ocorrência, mostram que os agentes usaram o que parecem ser bombas de gás lacrimogêmio para dominarem o homem. Segundo laudo do IML (Instituto Médico Legal), a causa da morte foi “insuficiência aguda secundária a asfixia”
Segundo testemunhas, ele foi abordado na tarde desta quarta-feira (25) em uma blitz na rodovia BR-101, enquanto pilotava uma motocicleta. Imagens de um vídeo gravado por uma pessoa que presenciou a cena mostram que a ação começa com três agentes que se lançam sobre o homem, na tentativa de o imobilizar ao encontrarem uma cartela de remédios com ele.
Sobrinho da vítima, Wallison de Jesus disse que estava perto do tio no momento em que ele foi abordado pelos policiais. Em um vídeo captado por populares, é possível ver o momento em que Genivaldo ergue os braços, demonstrando colaborar. Porém, por várias vezes na gravação é possível ouvir os policiais gritando com ele e até o ofendendo. Mais tarde, ele é visto no porta-malas, com fumaça -ainda não confirmada se gás lacrimogênio- escapando da viatura.
“Foi dada a ordem de parada, ele parou, botou a moto no tripé e atendeu todos os comandos que o policial deu. O policial disse para ele levantar a camisa, ele levantou, e falou para o policial que estava com remédios e receita no bolso, indicando que tinha problemas mentais”, explicou Wallisson, ao portal da Rádio Fan F1, de Sergipe.
Em entrevista ao “SE TV”, da TV Sergipe, afiliada da Globo, o sobrinho acrescentou: “Eu cheguei no momento em que aconteceu. Em nenhum momento ele exibiu força para não deixar eles abordarem. No momento em que ele foi abordado, ele levantou as mãos, levantou a camisa e mostrou que não estava armado”.
O homem que grava toda a cena diz: “Ele tem problema mental”. Depois, ao saber que havia um parente de Santos presente, ele se dirige a ele e diz: “Cara, se você sabe que ele tem problemas mentais, você tem que avisar”. Ao que Wallison responde: “Já avisei”.
Os avisos, porém, parecem não influenciar os agentes, que continuam posicionados sobre o homem caído ao chão. Somente depois de um tempo ele é jogado no porta-malas da viatura.
Em outro vídeo que circulou nas redes sociais e em grupos de WhatsApp, é possível ver o momento em que Santos é mantido preso no porta-malas da viatura da PRF por dois agentes da corporação.
Pelas frestas da porta traseira, mantida semifechada, é possível ver fumaça escapando, enquanto se pode ver, na parte de baixo, as pernas do homem balançando em desespero, enquanto ele grita no interior da viatura.
Em alguns momentos, um dos policiais tenta segurar as pernas de Santos, enquanto o outro continua a bombear gás para dentro da viatura por uma das frestas.
Toda a cena é assistida por dezenas de populares que, segundo demonstram os vídeos, preferiram manter distância dos policiais. “Vai matar o cara aí dentro”, diz um deles.
Assim que Santos parou de se debater e gritar, os policiais fecharam a porta traseira da viatura, entraram no carro e deixaram o local.
LAUDO APONTA ASFIXIA
O laudo do IML aponta que, preliminarmente, a morte tem sinais de asfixia.
“Foi identificado de forma preliminar que a vítima teve como causa mortis insuficiência aguda secundária a asfixia”, diz o instituto, em comunicado.
“A asfixia mecânica é quando ocorre alguma obstrução ao fluxo de ar entre o meio externo e os pulmões. Essa obstrução pode se dar através de diversos fatores e nesse primeiro momento não foi possível estabelecer a causa imediata da asfixia, nem como ela ocorreu”, acrescenta o IML. O instituto não explica o que poderia ter causado e no que consiste a “insuficiência aguda secundária” citada na nota.
ESPOSA E IRMÃ ATESTAM PROBLEMAS MENTAIS
Esposa de Genivaldo, Maria Fabiane dos Santos disse que soube no hospital para o onde o marido foi levado que ele já chegou morto à unidade. Ela confirmou que ele tinha problemas mentais e que o que aconteceu com ele não foi uma fatalidade. “Foi um crime mesmo, eles agiram com crueldade para matar ele”.
No boletim registrado na delegacia de Umbaúba, a irmã de Genivaldo, Damarise de Jesus Santos, 46, disse que ele havia pegado a sua moto de maneira furtiva, sem que ela soubesse. Ela também confirmou que o irmão tinha problemas mentais, “imaginando vultos e sendo perseguido”, mas não saberia dizer qual era a doença.
A irmã também declarou no B.O. que ele tinha problemas cardíacos, tendo infartado em duas ocasiões. Ela disse que o irmão, além de ingerir bebidas alcoólicas, ainda não tomaria os remédios receitados segundo orientações médicas.
No texto do boletim consta ainda que Damarise teria dito que o irmão estaria agindo de forma agressiva e recusou-se a seguir a ordem para colocar as algemas, sendo contido “por meio de utilização de gás de pimenta”, em seguida algemado e colocado dentro do camburão. “Ele é grandão, muito forte, tem quase 2 metros de altura”, disse a irmã da vítima ao delegado Rafael Brito de Oliveira, que colheu o depoimento.
Segundo informações da Polícia Civil de Sergipe, o caso segue em investigação.
TÉCNICAS E INSTRUMENTOS PARA “AGRESSIVIDADE”
Por meio de nota oficial encaminhada à imprensa, a PRF de Sergipe diz lamentar o fato e informa que foi aberto procedimento disciplinar para averiguar a conduta dos policiais envolvidos. A equipe também registrou a ocorrência junto à Polícia Judiciária, que irá apurar o caso.
Segundo a nota, durante uma ação policial realizada na BR-101, em Umbaúba (SE), um homem de 38 anos “resistiu ativamente a uma abordagem de uma equipe da PRF”. A corporação afirmou que, em razão de sua “agressividade”, foram empregadas “técnicas de imobilização e instrumentos de menor potencial ofensivo para sua contenção e o indivíduo foi conduzido à delegacia da polícia civil da cidade”. A PRF, porém, não explica quais seriam essas técnicas e instrumentos.
Ainda de acordo com a nota oficial, durante o deslocamento até a delegacia “o abordado veio a passar mal e foi socorrido de imediato ao Hospital José Nailson Moura, onde foi posteriormente atendido e constatado o óbito”.
A Polícia Civil informou, na manhã desta quinta (26), que já colheu depoimentos prestados por familiares e testemunhas na delegacia da cidade. “Também foi providenciado pela Polícia Civil um relatório do local da ocorrência”, diz o órgão, por meio de nota. “Todas as informações colhidas foram remetidas para a Polícia Federal”.
Confira a nota do IML na íntegra:
“O Instituto Médico Legal informa que o corpo de Genivaldo de Jesus Santos deu entrada às 18h20 desta quarta-feira (25), tendo início o processo de identificação por meio da papiloscopia e em seguida encaminhado para o exame de necrópsia.
O IML detalha que foi realizada a necrópsia médico forense, sendo coletadas amostras de material biológico. O material foi encaminhado ao Instituto de Análises e Pesquisas Forenses (IAPF) para elucidar a causa imediata da morte.
Foi identificado de forma preliminar que a vítima teve como causa mortis insuficiência aguda secundária a asfixia.
A asfixia mecânica é quando ocorre alguma obstrução ao fluxo de ar entre o meio externo e os pulmões. Essa obstrução pode se dar através de diversos fatores e nesse primeiro momento não foi possível estabelecer a causa imediata da asfixia, nem como ela ocorreu
Após a conclusão dos trabalhos, os laudos serão remetidos à delegacia de Polícia Federal.”
VIOLÊNCIA CONTRA NEGROS NO BRASIL
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2021 (levantamento mais recente feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com dados do ano de 2020), 75,8% das vítimas de homicídio no Brasil eram pessoas negras.
Entre as pessoas mortas por policiais, 78,9% são pessoas negras.
Na esfera do poder público, não existe uma divulgação transparente de dados oficiais nacionais sobre homicídios ou sobre mortes provocadas por policiais em todo o Brasil. O governo brasileiro também não disponibiliza dados nacionais sobre as investigações e punições de homicídios.