Governo não será aparelhado por movimentos sociais, diz futuro ministro de Lula
Fala do deputado federal, Márcio Macêdo, foi dita durante uma entrevista dada à reportagem da Folha de São Paulo
CATIA SEABRA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Anunciado para a Secretaria-Geral da Presidência, o deputado federal Márcio Macêdo (PT-SE), 52, apresenta nesta semana ao presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), uma proposta de reestruturação do ministério. A reorganização deverá incluir uma secretaria destinada aos movimentos sociais.
Em entrevista à reportagem, Macêdo defende a criação de um conselho de participação social e afirma que os movimentos sociais terão no Palácio do Planalto um endereço oficial para levar suas reivindicações.
Mas ressalta que “nem os movimentos vão ser correia de transmissão de governo nem o governo vai ser aparelhado pelos movimentos sociais”.
PERGUNTA – Lula disse que será necessário derrotar o bolsonarismo nas ruas. Como a Secretaria-Geral pode atuar nisso?
MÁRCIO MACÊDO – Nosso principal objetivo é colocar as impressões digitais do povo nas políticas públicas do governo Lula. Essa é a história de vida do Lula e esse é seu compromisso inquebrantável com o povo, com o povo pobre.
Esse processo da eleição, de 2018 e 2022, revelou uma militância de ultradireita alimentada pelas fake news do Bolsonaro. Esse é um fato com que temos que conviver e, de forma transparente, trabalhar com participação popular, com informação, restabelecendo os equipamentos democráticos de participação popular públicos, como as conferências e os conselhos, para que possamos resgatar a participação popular e ajudar no processo de formação política cidadã na sociedade.
P – Lula afirmou que Bolsonaro foi derrotado e o bolsonarismo, não. Como se comunicar com o eleitor de Bolsonaro?
MM – O governo vai trabalhar com as prioridades que o presidente Lula determinou: resolver o problema da fome do povo, gerar emprego e renda, resgatar um projeto de educação para o país, de saúde. Paralelo a isso, um processo de diálogo permanente com a sociedade.
Quando passar esse calor que a eleição produz, as políticas públicas começarem a acontecer e os espaços de participação do povo e de diálogo com a sociedade se estabelecerem, tenho convicção de que esse processo culmina numa melhor informação da população, num processo de formação política cidadã do povo.
P – O sr. pretende criar uma secretaria de movimentos sociais. Como funcionaria?
MM – Com a participação de 57 entidades, a equipe técnica da transição produziu uma proposta de formatação desse novo ministério da Secretaria-Geral que prevê a secretaria de participação popular, secretaria de diálogos com a sociedade. Está incorporada aí a questão da juventude. Esses instrumentos serão utilizados para fazer a razão de existir do ministério, que é abrir as portas do governo para o povo e possibilitar que o povo possa contribuir na definição das políticas públicas e na sua execução.
P – Documentos apresentados pelos movimentos sociais propõem a revogação de reformas, como a trabalhista, além de revisão de privatizações. Como conciliar isso com a proposta de Lula de seguir em frente?
MM – Recebi um diagnóstico, vou estudar. Não vi. Recebi hoje [segunda-feira] sobre o desmonte da participação popular. Acabou a participação popular no governo de Bolsonaro. Os conselhos não funcionam, a maioria extintos. Não tem conferências. Não tem instrumentos que possibilitam a participação do povo. Imagino que isso deve estar muito aprofundado nesse relatório que eu vou ler. Você está falando de outras questões, que são pautas e reivindicação da classe trabalhadora. Isso é decisão do presidente da República.
P – Por exemplo, os movimentos sociais defendem uma reforma tributária, com taxação de grandes fortunas, herança. O papel do sr. será levar adiante esses pleitos?
MM – O país precisa de uma reforma tributária. O presidente da República tem falado disso. Acho que ele vai abrir o debate sobre isso. É o estilo do presidente. Vai debater com trabalhadores, com os empresários, com o setor produtivo. Vou trabalhar para que os trabalhadores e a sociedade organizada possam emitir suas opiniões e possam ser ouvidos no processo de debate das reformas que o país precisa fazer.
P – Qual será o papel do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto)?
MM – O MTST, como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), como a central dos movimentos populares, como dezenas e centenas de organizações do povo que tem no país, vai contribuir nesse processo. Eles têm autonomia para ter a sua atuação enquanto movimento social e vão ter na Secretaria-Geral um endereço oficial em que possam ter as suas reivindicações colocadas para o debate. A participação popular terá um endereço oficial no Palácio, a relação com os movimentos sociais. Mas ela precisa ser transversal, estar presente em todos os ministérios.
P – O papel do sr. será levar reivindicações dos movimentos sociais aos ministérios?
MM – O meu papel vai ser fazer articulação política para que a participação popular volte a acontecer no país. Para que os movimentos sejam ouvidos, para que o povo seja ouvido. Para que a gente possa construir as bases de um planejamento participativo, um processo de articulação com setores vivos e organizados da sociedade, para que possam ter as suas reivindicações presentes no debate da execução das políticas públicas do país.
P – O MST é um dos movimentos que apoiaram a eleição do presidente Lula. Como fazer essa interlocução com o MST e com o agronegócio?
MM – Essa experiência da transição de criar um conselho de participação social, com 57 entidades e comissão executiva, é muito bacana. A ideia é que a gente possa manter esse tipo de organização para que possam ser debatidos os temas de forma coletiva. Sempre entendendo que os movimentos sociais, populares, são independentes. Nem os movimentos vão ser correia de transmissão de governo, nem o governo vai ser aparelhado pelos movimentos sociais. É uma relação de respeito e de construção coletiva.
Em relação ao tema que está falando, não vejo contradição entre fortalecer o agronegócio e agricultura familiar. São coisas distintas que se complementam. Agricultura familiar leva para a mesa do povo brasileiro 70% do alimento consumido no Brasil. O agronegócio possibilita o aumento do PIB e gera crescimento econômico. Então as duas coisas podem ser incentivadas.
P – Movimentos sociais reivindicam ampliação da reforma agrária no governo Lula. Vai acontecer?
MM – Isso é um debate que vai ter que ser feito. O presidente vai restabelecer o Ministério do Desenvolvimento Agrário. Então esse debate vai ser feito no governo e com os movimentos. Esse tema ainda não foi colocado na mesa pelos movimentos sociais.
P – Existe um documento dos movimentos que defende ampliação da reforma agrária e política de moradia para os sem-teto.
MM – Nenhum problema de ter a reforma agrária em terras improdutivas, como teve no Brasil no governo do presidente Lula, com o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] cumprindo um papel de Estado. Isso é um processo natural de levar paz ao campo e justiça social.
Uma outra coisa que você está colocando aí -e que é um desafio muito grande- é começar a debater sobre a questão de habitação, de casa popular, que tem um déficit no país gigantesco. O presidente tem dito que vai resgatar o Minha Casa, Minha Vida. É um dos instrumentos importantes de redução do déficit habitacional.
P – Qual será a primeira pauta da Secretaria-Geral? Revisão da reforma trabalhista?
MM – É a gente começar a resgatar os instrumentos de participação popular, preparar as conferências para que os conselhos possam ter vida. Estou propondo também que os ministérios tenham um espaço, um endereço de assessoria de participação popular, para que a nossa formatação e formulação política possam ser discutidas transversalmente no ambiente dos outros ministérios.
P – É porta aberta para os movimentos sociais?
MM – Comecei esse diálogo dizendo que a nossa maior tarefa é possibilitar que as impressões digitais do povo estejam nas políticas públicas. Então é porta aberta, é diálogo permanente e espaço de presença dos movimentos sociais organizados e do povo no governo federal. Temos um sonho de querer ir mais além. Além dos movimentos organizados, que são espaço fundamental, que o povo possa ter na sua participação direta nas conferências, seja a conferências de bairro, municipais, estaduais e nas conferências nacionais.
P – Uma das reivindicações dos movimentos sociais é a revisão de privatizações no saneamento. É possível?
MM – É possível fazer esse debate. Tenho uma opinião, uma opinião pessoal, de que a gestão de água e do saneamento precisa ser pública para poder chegar a todos. Nós corremos um risco, se privatizar, de só ter esse tipo de ação onde tem lucro. Então esse é um serviço essencial. Esse debate tem que ser feito.
P – Isso implicaria a revogação do marco do saneamento?
MM – Se assim for a decisão do presidente da República. É decisão dele.
P – Direito reprodutivo tem que estar na pauta também? E movimento LGBTQIA+? Como é que vai ser a relação do governo com essa agenda?
MM – Nesse fórum, estão todos esses movimentos. Todos precisam ter voz, um espaço para colocar suas demandas. Vamos discutir isso no ambiente do fórum e no ambiente do governo.
P – Como conciliar a expectativa de atendimento dessas demandas com a disposição do presidente Lula de dialogar com o centro e a direita?
MM – O presidente Lula tem compromisso com todos e, em todos, a prioridade é nos mais pobres, naqueles que precisam da presença do Estado. Pelo menos na campanha e agora não estou sentindo contradição. Estou vendo os movimentos sociais querendo ajudar. Todos sabem a situação que o país está atravessando, do que foi colocado na pauta como violência, preconceito e intolerância. Não vi nenhuma posição de confronto.
P – Como evitar o acirramento do clima nas ruas, com eleitores de Bolsonaro pedindo golpe?
MM – A postura do presidente Lula é de unificação no país. Tem atuação de setores minoritários, de ultradireita, incentivados por fake news da turma do Bolsonaro. Isso tem que ser combatido com o rigor da lei. Quem propõe rasgar a Constituição, quem propõe um golpe militar, quem propõe assassinato das pessoas precisa ser punido no rigor da lei. E o governo tem que governar para as pessoas. Tem que cumprir o que foi prometido na campanha e tocar a vida.
RAIO-X
MÁRCIO MACÊDO, 52
É deputado federal e vice-presidente do PT. Biólogo, foi secretário do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos de Sergipe na gestão do então governador Marcelo Déda. Foi tesoureiro do PT de 2015 a 2020. Também foi coordenador das caravanas de Lula e tesoureiro da campanha do petista.