Governo Lula muda chefia do Incra em 19 estados com aval de PT e pressão do MST
Movimentos de luta pela terra cobram o governo pela demora nas nomeações dos novos gestores
JOÃO PEDRO PITOMBO E THAÍSA OLIVEIRA
SALVADOR, BA, E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – As nomeações de novos superintendentes locais do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) ganharam tração nos últimos dias após uma série de invasões e protestos liderados pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
A entidade iniciou nesta semana a Jornada Nacional de Luta pela Terra e pela Reforma Agrária com a invasão de ao menos nove fazendas, incluindo uma área que pertence à Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), além de sedes do Incra em ao menos sete unidades da federação.
Ao todo, foram trocados os comandos do Incra em 19 estados, além do Distrito Federal. Permanecem sem mudanças as chefias de Minas Gerais, Amazonas, Alagoas, Tocantins, Rondônia e Roraima.
Em Alagoas, o Incra é chefiado por César Lira, primo do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP) desde o governo Michel Temer (MDB).
A situação é mesma no Amapá, onde o cargo é ocupado por Fábio Muniz, apadrinhado do senador Davi Alcolumbre (União Brasil). Nos dois estados, houve protestos de movimentos sociais em frente à sede do Incra exigindo mudanças.
Movimentos de luta pela terra cobram o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pela demora nas nomeações dos novos gestores, que se arrastam há mais de três meses, e exigem a exoneração de nomes ligados a Jair Bolsonaro (PL).
“Passaram mais de cem dias e o governo já deveria ter exonerado todo mundo do Incra do governo anterior. Os deputados do PT e os movimentos sociais não vão participar de audiências com nenhum bolsonarista”, dispara o deputado federal Valmir Assunção (PT-BA), ligado ao MST.
As entidades também cobram a elaboração de um plano emergencial de reforma agrária que dê um horizonte para as cerca de 60 mil famílias que vivem acampadas e aguardam por assentamentos, segundo estimativa do MST.
Integrante da direção nacional do MST, Ceres Hadich diz que as mudanças no Incra são importantes para retomar as políticas de reforma agrária.
Ela destaca que a entidade sugeriu nomes para ocupar as superintendências regionais, mas que as escolhas demandaram consensos com outros movimentos de luta pela terra, com as bancadas de parlamentares e com o próprio governo.
Entre os novos superintendentes do Incra nos estados estão servidores de carreira do órgão, sindicalistas, advogados, assentados ligados ao MST, ex-parlamentares e até o filho de um ex-deputado. A maior parte das nomeações conta com o aval das bancadas estaduais do PT.
No Rio de Janeiro, por exemplo, a chefia do Incra será ocupada pela defensora pública aposentada Maria Lúcia Pontes, que possui experiência em questões fundiárias. No Ceará, o escolhido pelos petistas foi o advogado Erivandro Sousa, que cresceu em um assentamento rural do MST.
Em estados como Bahia, Paraná e Sergipe, a opção foi por servidores de carreira do Incra com um histórico de diálogo com os movimentos do campo.
No Maranhão e na unidade do Oeste do Pará, os nomeados são ex-deputados do PT. O superintendente no Piauí é engenheiro, foi gerente de projetos do banco Itaú e é filho do ex-deputado federal Assis Carvalho, que morreu em 2020.
O ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira (PT), afirmou à reportagem que as nomeações desta semana estavam em análise havia 30 dias no Palácio do Planalto. “Cada nomeado passa por um funil. Agora todos passaram”, disse.
Nesta terça-feira (18), o ministro se reuniu com representantes dos movimentos sociais do campo de Alagoas, que cobram a saída de César Lira. Desde janeiro, o grupo pede a nomeação do servidor de carreira José Ubiratan Resende Santana. A indicação conta com o apoio do deputado federal petista Paulão (AL).
O primo de Arthur Lira, contudo, segue no cargo em Alagoas. Ele diz que quer evitar tensões e que está à disposição do presidente Lula para prosseguir com o seu trabalho.
“É uma ação orquestrada que está ficando feia para eles mesmos, que não estão representando os interesses dos assentados”, afirmou.
O deputado federal João Daniel (PT-SE), ligado ao MST, afirma que “não há motivo para o superintendente de Alagoas estar lá”. Ele diz que o governo Lula é “um pouco medroso” porque a base “não é progressista”, e que parte das nomeações continua travada.
“Nós não podemos permanecer com gente que estava acostumada a usar armas. A ameaçar, perseguir. Você tem estado em que a maioria da militância que produz está há sete anos impedida de [obter] crédito, de tudo, por perseguição política”, afirma.
O deputado Valmir Assunção defende o diálogo com Arthur Lira para solucionar o impasse: “Ele é presidente da Câmara, nós votamos nele. Vamos debater com qual o melhor formato e o melhor nome. Não será um problema”.
As invasões do MST no mês de abril marcam os 27 anos do massacre de Eldorado do Carajás, quando 19 trabalhadores sem-terra foram mortos por tropas da Polícia Militar do Pará em 1996. A entidade defende a reforma agrária, o investimento para agricultura familiar e acesso a crédito para a produção de mais alimentos.
Na última semana, o coordenador nacional do MST, João Paulo Rodrigues, descartou promover uma onda de invasões de propriedades no Abril Vermelho. Ele disse que disse que devem ocorrer ocupações pontualmente, mas não dezenas ou mesmo centenas, o que caracterizava a jornada anual do movimento.
Diante das invasões, a bancada do agronegócio tem pressionado o presidente da Câmara a abrir uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar o MST.
O presidente da Frente Parlamentar Agropecuária, deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), diz que hoje a principal pauta do setor é “estancar essa baderna”.
“O presidente da República botou um boné do MST e saiu fazendo campanha pelo país. A responsabilidade de acalmar e estancar a sangria é única e exclusivamente dele e do seu partido. O nosso papel como representante dos produtores rurais é alertar que isso está passando do razoável.”
Para Ceres Hadich, do MST, a bancada ruralista atua para tentar criminalizar, isolar e colocar na defensiva os movimentos de luta pela terra: “A direita está desentocando pautas arcaicas contra a luta justa da reforma agrária. Faz parte da disputa de narrativas, mas é algo que detém pouca força”.