Crise econômica, mais que terremoto, deve definir destino de Erdogan nas eleições

Eleições no domingo (14) podem colocar fim a 20 anos de governo Erdogan

Folhapress Folhapress -
Crise econômica, mais que terremoto, deve definir destino de Erdogan nas eleições
Recep Erdogan, presidente da Turquia. (Foto: Flickr)

FERNANDA MENA

TOULOUSE (FRANÇA (FOLHAPRESS) – Em 1999, quando um terremoto devastou a região turca de Izmit e matou quase 18 mil pessoas, a resposta fraca e inadequada do então primeiro-ministro ao desastre, além da crise econômica que se seguiu, abriu caminho para a vitória acachapante do conservador Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP) nas eleições de 2002 -e, assim, para a ascensão de Recep Tayyip Erdogan ao poder.

Mais de 20 anos depois de ter assumido o comando do governo da Turquia e às portas da eleição mais desafiadora de sua trajetória política, Erdogan mantém níveis surpreendentes de apoio apesar de ter, meses antes do pleito, enfrentado uma tragédia ainda maior que seu antecessor Bülent Ecevit.

Em fevereiro, um sismo atingiu o sul do país e matou mais de 50 mil pessoas, deixando mais de um milhão de desabrigados. A reação do governo, considerada tardia e insuficiente, porém, parece não ter potencial para gerar um efeito radical nas urnas, como ocorreu em 2002 e desejavam agora opositores de Erdogan.

Ainda assim, as eleições no domingo (14) podem colocar fim a 20 anos de governo Erdogan. Pesquisas apontam uma disputa apertada, com pequena desvantagem para o líder turco, que tem cerca de 44% das intenções de voto, atrás de Kemal Kilicdaroglu, do Partido Republicano Popular (CHP), com 49%.

Para analistas, é, na verdade, a crise econômica turca, que começou em 2018 e que, portanto, antecede a tragédia, o que vem erodindo a popularidade do presidente de maneira mais sistemática.

“A economia turca está ruindo devido à má gestão de seu governo, e este é o principal vetor da perda de popularidade de Erdogan nos últimos anos”, diz o cientista político Berk Esen, professor da Universidade Sabanci, em Istambul. “A inflação no país está muito alta, e é puxada pelo preço dos alimentos e dos aluguéis, o que prejudica de maneira mais severa as pessoas mais pobres. Os dados oficiais de inflação apontam para 60%, mas o mais provável é que o número real seja bem maior do que isso, entre 80 e 100%.”

Assim, o otimismo com a economia atingiu uma baixa histórica, e só 11% afirmam que a situação está melhorando; para 73%, está piorando. Em 2016, essas avaliações eram de 46% e 41%, respectivamente.

A alta nos alimentos levou o candidato da oposição, Kilicdaroglu, a veicular peças de campanha em que aparece numa cozinha segurando uma cebola. O preço do ingrediente básico para a culinária local quintuplicou nos últimos 18 meses em Ancara. Já Erdogan tem se servido da máquina pública para distribuir benesses, como gás gratuito por um mês ou franquias de internet para estudantes, além da concessão de aumento salarial a servidores públicos.

Na contramão do momento atual, foi justamente o crescimento econômico do início de suas gestões que permitiu a ele se manter tanto tempo no poder. “Durante os oito primeiros anos de governo, o crescimento rápido e sustentável beneficiou as massas urbanas, o que fez com que muitas pessoas saíssem da pobreza para posições de classe média baixa ou até mesmo classe média”, diz Esen.

Esse desenvolvimento social, afirma o cientista político, permitiu que o AKP obtivesse maioria absoluta no Parlamento, criando uma hegemonia partidária que viabilizou a captura das instituições de Estado.

Da posição confortável daquele então novo contexto político, Erdogan fez uma transição ideológica a partir do início dos anos 2010: do liberalismo político para o que chamou de posição mais “autêntica”, traduzida por um nacionalismo que incorporou valores muçulmanos sunitas às políticas de Estado com a nomeação de lideranças religiosas para cargos da alta cúpula do governo.

Durante essas duas décadas sob seu comando, a Turquia oscilou de um processo de abertura democrática e aproximação com o Ocidente, na expectativa de se integrar à União Europeia, para um regime autocrático que persegue minorias e opositores e manipula informações.

“O colapso da democracia turca é o principal legado de Erdogan. Havia uma democracia deficiente, mas ao menos havia eleições justas e livres”, afirma Esen, que estuda a erosão da democracia no país, complementada pela mudança do regime parlamentarista para o presidencialismo, em 2017. “Este modelo tornou a Turquia um regime similar ao de Nicarágua ou Venezuela, em que o líder do Executivo pode tudo.”

Das eleições de 2017 para cá, segundo dados de pesquisa Gallup, o porcentual de turcos que confiam no governo caiu de 59% para 44%, e o daqueles que dizem acreditar na integridade do processo eleitoral caiu de 44% para 35% em 2022. Entre jovens, os números são ainda mais baixos: 34% e 28%, respectivamente.

Sob Erdogan, as instituições foram capturadas. A burocracia estatal ficou politizada, a sociedade civil organizada foi criminalizada, e a mídia caiu no controle do governo, o que arruinou a oposição.”

A posição geográfica estratégica da Turquia, entre Europa, Ásia e Oriente Médio, e seu papel crucial na contenção dos fluxos de imigrantes para a União Europeia facilitam a vista grossa que muitas democracias ocidentais fazem às violações de direitos promovidas por Erdogan.

ONGs como Anistia Internacional e Human Rights Watch denunciam prisões ilegais de jornalistas e opositores com base em acusações de ligações com o terrorismo, além de restrições às liberdades de expressão e de manifestação e promoção de discursos contra migrantes e pessoas LGBTQIA+.

Apesar disso, a resiliência da popularidade de Erdogan entre os turcos, segundo Esen, deve-se à baixa volatilidade econômica do país, apesar da crise, e ao fato de os extratos mais conservadores e pobres da população o apoiarem “essencialmente por questões culturais e políticas”.

“Erdogan é visto como um político islâmico muito bem-sucedido, conectado com os valores conservadores da massa de eleitores”, afirma. “Ele tem uma personalidade carismática e está na televisão o tempo todo, o que levou muitos de seus eleitores a se encantarem, num processo que mais parece o de uma lavagem cerebral.”

A estratégia segue a cartilha de outras lideranças autocráticas, como o indiano Narendra Modi, o húngaro Viktor Orban e o ex-presidente Jair Bolsonaro. “Erdogan fala diretamente a seu eleitorado e adota um discurso que divide a sociedade entre os apoiadores e aqueles que o odeiam. Assim, retém sua base.”

Enquanto a maioria dos analistas avalia que o efeito eleitoral do terremoto será mínimo, ainda que negativo para Erdogan, Ferhat Pirinççi, analista do think tank Seta, próximo ao governo, afirma que o sismo vai, na verdade, beneficiar a candidatura. Em entrevista ao Financial Times, ele citou a experiência do presidente com projetos de infraestrutura como crucial para a reconstrução do país após a tragédia.

“Antes do terremoto, o apoio ao governo estava caindo por causa da crise econômica. Depois do terremoto, todo mundo começou a perguntar ‘quem pode [ajudar] a recuperar’?”, exemplifica. “Quando você verifica as pesquisas, mesmo pessoas que não são eleitores de Erdogan, respondem: ‘Erdogan’. É uma questão de confiança.”

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