Mundo está na rota para aquecer de 2,4°C a 2,6°C, alerta painel da ONU
Pesquisa aponta que a janela para implementar compromissos atuais e limitar o aquecimento global a 1,5°C está se estreitando
PHILLIPPE WATANABE
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A mais abrangente avaliação já feita sobre o andamento do combate à crise climática aponta que, apesar de avanços ao redor do mundo desde a assinatura do Acordo de Paris, muito mais é necessário.
O mundo não caminha para a limitar o aquecimento planetário ao preferível 1,5°C ou a 2°C. Levando em conta os anúncios na última conferência climática, a indicação é que a humanidade caminha para entre 2,4°C e 2,6°C.
A UNFCCC (sigla em inglês para Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima) publicou, nesta sexta-feira (8), véspera da cúpula do G20, reunião dos líderes das 20 maiores economias do mundo, o primeiro Global Stocktake, algo como um inventário global das ações contra a crise climática.
Segundo a análise, se os compromissos de longo prazo de neutralidade climática apresentados na COP27, a conferência da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre mudanças climáticas que ocorreu ano passado, no Egito, forem totalmente implementados, o mundo tem a possibilidade de limitar o aquecimento entre 1,7°C e 2,1°C.
O documento aponta que a janela para aumentar ambição climática e implementar os compromissos atuais para limitar o aquecimento global a 1,5°C está se estreitando rapidamente.
“A ambição de mitigação das NDCs não é coletivamente suficiente para alcançar a meta de temperatura do Acordo de Paris”, diz o relatório.
NDC é a abreviação para “nationally determined contribution”, ou contribuição nacionalmente determinada. Em resumo, são os compromissos climáticos, as metas de redução de emissões que os próprios países determinaram para si.
A avaliação destaca que, para alcançar uma redução de emissões de gases-estufa de 43% até 2030, 60% até 2035 (em comparação a 2019) para finalmente chegar ao chamado “net zero” global em 2050, “muito mais ambição em ação e suporte para implementação de medidas domésticas [internas, dos países] é necessária”, além de metas mais ambiciosas.
“Eu insto os governos a estudarem cuidadosamente as descobertas do relatório e, em última instância, entenderem o que isso significa para eles e a ação ambiciosa que devem tomar em seguida. O mesmo vale para as empresas, comunidades e outros atores-chave”, disse, nesta sexta, Simon Stiell, secretário-executivo da UNFCCC.
A partir da análise dos atuais compromissos climáticos – as NDCs -, o documento aponta que, para o planeta ficar alinhado com a meta de limitar o aquecimento a até 1,5°C, existe uma lacuna de emissões – ou seja, ainda precisam ser cortadas – de 20.3 a 23.9 gigatoneladas de CO2 equivalente (o CO2 equivalente significa, em linhas gerais, uma forma de medir, sob um único parâmetro, todos os diferentes gases que causam o aquecimento do planeta).
Vale lembrar que, quando falamos de aquecimento de 1,5°C até 2°C, a base de comparação é a temperatura do período pré-industrial (tratado como o período 1850-1900).
O documento aponta que o planeta já aqueceu 1,1°C, com inquestionável participação humana em considerável parte desse aquecimento.
A avaliação aponta a necessidade de escalar o uso de energia renovável e eliminar todos os combustíveis fósseis, o que são elementos indispensáveis para uma transição energética justa em direção à neutralidade climática.
Também é citada a necessidade de parar o desmatamento e a degradação de florestas, algo importante para reduzir emissões, além de conservar locais que, teoricamente, são sumidouros de carbono.
ADAPTAÇÃO AINDA É FRAGMENTADA
Além de tratar da redução de emissões de gases-estufa, a avaliação também olha para os mecanismos de adaptação em curso.
Ou seja, em linhas gerais, como os países estão se preparando para os efeitos inevitáveis do aumento de temperatura “já contratado” pelas emissões atuais.
Novamente, assim como na questão da mitigação, apesar de haver ambição crescente nos planos e compromissos, a maior parte dos esforços de adaptação são fragmentados, específicos para alguns setores e desigualmente distribuídos através das regiões.
O relatório aponta a necessidade de acelerar as ações relacionadas à adaptação para aumentar a capacidade adaptativa, apoiar maior resiliência e reduzir a vulnerabilidade.
“Um ponto de partida fundamental para ação aprimorada de adaptação é a disseminação de informações climáticas por meio de serviços climáticos para atender às necessidades e prioridades locais”, diz o documento.
A transparência ao reportar as ações relacionadas à adaptação também é citada como um possível facilitador de cooperação internacional.
A avaliação aponta ainda a necessidade de escalar rapidamente, a partir de “fontes expandidas e inovadoras”, o suporte para adaptação e o financiamento para evitar, minimizar e lidar com perdas e danos.
Há necessidade ainda de uma consistência de fluxos financeiros indo na direção de desenvolvimento resiliente ao clima, afastando-se de ações que resultam em mal-adaptação.
O documento fala ainda que os fluxos financeiros precisam ser consistentes com desenvolvimento resiliente ao clima.
FINANCIAMENTO CLIMÁTICO
“É essencial desbloquear e realocar trilhões de dólares”, aponta a avaliação, segundo o qual fluxos financeiros significativos permanecem sendo direcionados e continuam subsidiando atividades de altas emissões ou infraestrutura sem resiliência.
O financiamento para limitar o aquecimento global a 1,5°C ou 2°C chegou, em 2019-2020, a somente entre 31% e 32% do investimento anual necessário.
No mesmo período, quase US$ 900 bilhões foram colocados, anualmente em média, em combustíveis fósseis e outros US$ 450 bilhões os subsidiaram.
Na parte da análise relativa à questão de financiamento climático, há o apontamento de que o financiamento público internacional é estratégico para escalar a mobilização de suporte aos países em desenvolvimento.
Somente dinheiro público não é suficiente para suprir a lacuna entre as verbas necessárias e os fluxos financeiros existentes no momento, aponta o relatório.
Frente às finanças climáticas mobilizadas, as verbas destinadas à adaptação, que ainda são pequenas, apesar da importância do tema, passaram de 20% em 2017-2018 para 28% no biênio seguinte.
O crescimento registrado ocorreu a uma taxa superior em comparação às finanças para mitigação.
Também ganha destaque a necessidade de melhorar o acesso a financiamento climático em países em desenvolvimento.
O QUE É O GLOBAL STOCKTAKE
Tal avaliação está prevista no artigo 14 do Acordo de Paris. A avaliação é feita a cada cinco anos e a ideia é que ela seja usada para ver o quanto o combate à crise climática andou, as limitações e que, consequentemente, ela ajude na evolução dos compromissos climáticos.
A ideia é que o processo da avaliação seja concluído, de fato e com participação dos países, na próxima conferência climática, a COP28, que ocorrerá no fim deste ano em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
Espera-se que, na COP28, os países apresentem respostas ao que foi apresentado pelo Global Stocktake para que haja um aumento das ambições climáticas.