Métodos esvaziados pelo movimento anti-Lava Jato são reconstruídos em cerco a Bolsonaro

Delação de pessoas presas, por exemplo, chegou a ser comparada à tortura pelo ministro Gilmar Mendes

Folhapress Folhapress -
Jair Bolsonaro durante evento em Brasília. (Foto: Gabriela Biló/Folhapress)

MATHEUS TEIXEIRA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Métodos de investigação esvaziados ou até mesmo enterrados pelo movimento anti-Lava Jato no STF (Supremo Tribunal Federal) têm sido reconstruídos pela própria corte e por outras instâncias do Judiciário em cerco contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados.

A delação de pessoas presas, por exemplo, chegou a ser comparada à tortura pelo ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal).

Agora, o magistrado atua como um dos principais pilares de sustentação da atuação do colega Alexandre de Moraes, que manteve o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, detido por quatro meses e só o soltou após homologar sua colaboração premiada.

As prisões preventivas alongadas e com prazos indeterminados também eram apontadas como um abuso cometido pela Lava Jato e, agora, têm ganhado espaço nas apurações que envolvem o ex-mandatário.

O ex-chefe do departamento operacional da Polícia Militar do DF, Jorge Naime, por exemplo, está detido por ordem de Moraes desde fevereiro e, até hoje, não foi julgado.

Em instâncias inferiores o fenômeno se repete. Um dos pontos criticados pelo movimento anti-Lava Jato era o uso de medidas mais invasivas, como busca e apreensão e quebra de sigilos, para investigar fatos antigos, uma vez que a contemporaneidade é um dos requisitos para o uso desses métodos.

Neste mês, a Justiça Federal do Rio de Janeiro quebrou sigilo telemático do general da reserva Walter Braga Netto, ex-ministro de Bolsonaro e candidato a vice-presidente nas eleições de 2022, e determinou a busca em endereços ligados a ele.

A operação da Polícia Federal contra o militar apura supostas irregularidades nas compras de coletes balísticos em 2018, quando era interventor do governo federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro.

Os advogados de Bolsonaro e alvos das investigações afirmam que essas apurações têm como premissa o mesmo método do qual era acusada a Lava Jato, o fishing expedition.

A expressão em inglês é o equivalente, em português, à “pescaria de provas”, ou seja, situações em que o Judiciário determina uma medida investigativa para apurar uma situação específica, mas acaba buscando provas relacionadas a outros casos.

O tenente-coronel Cid, por exemplo, foi preso em maio porque teria participado de um esquema de inserção de dados falsos de vacinação de Bolsonaro e outras pessoas no sistema do Ministério da Saúde. Na sua delação, contudo, as revelações sobre esse delito são as menos importantes.

Na colaboração premiada, o militar fez relato da suposta participação de Bolsonaro na venda de joias recebidas de autoridades estrangeiras, além de dar detalhes de uma reunião em que o ex-mandatário teria consultado a cúpula das Forças Armadas sobre a possibilidade de um golpe de Estado para se manter no poder.

Outro pilar da Lava Jato que foi esvaziado pelo STF e, agora, ressuscitou para fechar o cerco a Bolsonaro é a ampliação das atribuições de um só magistrado para tocar as investigações.

No caso da operação deflagrada em Curitiba, o responsável era o ex-juiz Sergio Moro, que deu as primeiras decisões sobre os casos de corrupção na Petrobras e tornou-se relator de diversas outras investigações que foram desencadeadas na sequência.

Mais tarde, no entanto, o Supremo anulou vários processos por entender que não eram da atribuição dele aquelas ações. Isso ocorreu, por exemplo, com o caso do presidente Lula.

O ex-magistrado da Lava Jato estava à frente das investigações contra o petista desde 2015. Em 2016, chegou a determinar a condução coercitiva do então ex-presidente.

Cinco anos depois, entretanto, o Supremo anulou todas as decisões de Moro contra Lula sob o argumento de que aquelas investigações deveriam ter sido conduzidas em São Paulo e Brasília.

Agora, contra Bolsonaro, a ampliação de poderes recai sobre Moraes. O magistrado é relator do inquérito das fake news, que apura uma rede de disseminação de desinformação ligada ao ex-presidente e, a partir desse processo, tornou-se responsável por quase todas outras investigações contra Bolsonaro.

No caso da inserção de dados falsos de imunização de Bolsonaro no Ministério da Saúde, por exemplo, o ministro do STF afirmou que a suposta fraude no cartão de vacinação do ex-mandatário era central para manter a coerência da campanha de desinformação contra imunizantes da Covid.

Por isso, tornou-se relator deste caso, embora essa interpretação tenha sido considerada alargada demais por integrantes do próprio Supremo em conversas reservadas.

Os poderes da Polícia Federal também foram contestados durante a Lava Jato.

O questionamento era o de que a corporação ia além das suas atribuições e, muitas vezes, invadia a competência do Ministério Público, que, segundo a lei, é o titular da ação penal.

Nas apurações contra Bolsonaro a PF atua como protagonista e faz pedidos de diligências direto a Moraes, que os acata até nos casos em que a Procuradoria-Geral da República se opõe.

A chefia do Ministério Público esteve até a semana passada sob o comando de Augusto Aras, cuja gestão de quatro anos foi alinhada a interesses do Palácio do Planalto.

As investigações contra Bolsonaro despertaram inclusive um movimento nos bastidores para rever a redução da atribuição criminal do Supremo decidida em 2018 com a restrição do foro especial.

A corte determinou que apenas crimes cometidos durante o mandato e que tenham conexão com o cargo deveriam ficar na alçada do tribunal. Cinco anos após a decisão, no entanto, os magistrados passaram a perceber que, com isso, perderam o controle de investigações importantes, como algumas apurações em curso na primeira instância contra Bolsonaro que não têm evoluído.

Procurado por meio de sua assessoria de imprensa, o STF não se manifestou.

Entenda os métodos criticados e, agora, reconstruídos no cerco a Bolsonaro

Delação premiada

As colaborações firmadas com investigados foram amplamente usadas na Lava Jato e tornaram-se alvo de críticas no STF. Dois pontos eram alvo de contestação: a delação de réus presos e o fato de revelações sigilosas de delatores vazarem à imprensa. Neste ano, Moraes manteve Mauro Cid preso e só o soltou após homologar sua delação premiada, em setembro. O teor dos depoimentos é sigilo por lei, mas trechos da declarações do militar têm sido publicados na imprensa.

‘Pescaria de provas’

A Lava Jato era acusada de iniciar investigações por um fato específico e, depois, usar elementos encontrados nas apurações para ir atrás de provas sobre outras situações. Agora, Cid foi preso pelo suposto esquema de inserção de dados falsos de vacinação no sistema do Ministério da Saúde, mas outras suspeitas ligadas a ele vieram à tona depois a partir da apreensão de seu celular.

Concentração de poder

O ex-juiz Moro era criticado por atrair para si praticamente todas as investigações de desdobramentos da corrupção na Petrobras. Agora, Moraes tornou-se relator de quase todas as apurações contra Bolsonaro e seus aliados, incluindo casos que poderiam seguir em primeira instância, uma vez que ele não possui mais foro especial.
Preventiva alongada

As prisões preventivas da Lava Jato com prazo indeterminado e que duravam meses foram amplamente contestadas no STF e no mundo jurídico. Nas investigações conduzidas por Moraes, no entanto, há diversos casos de pessoas presas sem terem sido julgadas, por motivos como risco à ordem pública.
Medidas invasivas por fatos antigos

A Lava Jato era acusada de determinar busca e apreensão e prisões para apurar fatos antigos, sem observar a contemporaneidade, requisito exigido por lei para essas medidas. Agora, o candidato a vice de Bolsonaro em 2022, Walter Braga Nett o, foi alvo de operação por fatos ocorridos em 2018.

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