Autoridades da Venezuela fizeram discurso de ameaça contra Guiana no Itamaraty
País venezuelano trouxe de volta pauta histórica e buscar reivindicar território de nação vizinha
RICARDO DELLA COLETTA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A delegação chefiada pelo ministro de Relações Exteriores da Venezuela, Yvan Gil, fez um discurso em tom de ameaça contra a Guiana durante uma reunião de autoridades sul-americanas realizada no Palácio do Itamaraty, na semana passada, em Brasília.
Os discursos inflamados de Gil e do vice-ministro de Defesa, Félix Osorio, num encontro fechado entre chanceleres e ministros de Defesa, foram um dos elementos que fizeram o governo Lula (PT) aumentar a preocupação em relação ao referendo que o regime de Nicolás Maduro convocou para 3 de dezembro sobre o Essequibo, território da Guiana reivindicado por Caracas.
Trata-se de uma consulta popular em que os votantes responderão se concordam ou não com a reivindicação sobre os 160.000 km² m (área pouco maior que o Acre) que a Venezuela alega ser parte do seu território.
A pauta histórica une os venezuelanos há mais de cem anos, razão pela qual a expectativa é que o “sim” ganhe por ampla maioria. A Guiana classificou o movimento venezuelano como uma “ameaça existencial”.
Gil e Osorio foram os representantes do regime Maduro numa reunião na quarta (22), no Itamaraty, sobre segurança regional da qual participaram países sul-americanos.
A Folha de S.Paulo ouviu relatos de diversas autoridades que estavam presentes e classificaram o momento como “tenso”, com discursos dos venezuelanos em tom de “ameaça” e muito acima do tom para uma reunião diplomática.
Quando coube à delegação da Venezuela se pronunciar, as autoridades chavistas se referiram ao referendo e declararam que, a depender do resultado, Caracas “pode ser forçada pelo povo” a tomar determinadas atitudes.
Ainda de acordo com os relatos, os chavistas ainda afirmaram que a Venezuela não aceita ser roubada ou enganada, que se defenderá contra interesses imperialistas e revisará acordos impostos injustamente – expressões que fazem parte da retórica do regime sobre a disputa territorial do Essequibo.
A Guiana estava representada na reunião. Segundo os presentes, as autoridades do país também trataram da crise fronteiriça, ao destacar que a Guiana está preocupada com as recentes ações da Venezuela.
Elas também defenderam que o tema deve ser tratado no âmbito da Corte Internacional de Justiça, algo rechaçado pelo regime Maduro.
O acirramento das tensões conforme o dia do referendo se aproxima levou o embaixador Celso Amorim, principal conselheiro de Lula para assuntos internacionais, a viajar na última semana a Caracas para uma reunião com Maduro.
O governo Lula quis fazer chegar ao ditador venezuelano a mensagem de que não apoia nenhuma medida fora das negociações diplomáticas ou da arbitragem internacional. Interlocutores de Lula disseram que o Planalto está preocupado com uma situação “potencialmente conflituosa” numa região próxima do território brasileiro.
A avaliação no governo é que o referendo atualmente é mais um movimento político de Maduro, que busca capitalizar-se com o amplo apoio que a reivindicação do Essequibo tem em todos os espectros políticos da Venezuela.
O Planalto teme, porém, que uma escalada possa fazer a situação fugir do controle.
Durante a reunião, o chanceler Mauro Vieira defendeu aos presentes que a dimensão básica da integração sul-americana é a formação de uma “zona de paz e cooperação” que sirva como elemento de dissuasão contra ingerência de países de fora da região.
Vieira também declarou que o Brasil resolveu todas as suas disputas territoriais por negociações e repetiu a mensagem em declaração a jornalistas após o encontro.
“O Brasil fez uma exortação, como todos os outros países, para o entendimento, para a discussão diplomática e para a solução pacífica das controvérsias Eu tive a ocasião de dizer que o Brasil, a respeito dos comentários dois países [Venezuela e Guiana], estimulava como todos os outros países da região que as controvérsias sejam sempre dirimidas por negociações, por entendimento, por arbitragem, por recursos a tribunais internacionais, como a corte em Haia; sempre que possível, isso é o ideal”, declarou o chanceler.
“Nós mesmo tivemos nove questões de fronteiras com os países vizinhos. Com todos eles resolvemos as nossas diferenças de fronteiras e territoriais através da negociação. E sempre fomos respeitosos dos acordos atingidos”, afirmou.