Irã vai às urnas escolher entre moderado e conservadores
Pleito tem vários ineditismos, a começar por seu motivo: ele vem 50 dias depois de o presidente o país, o ultraconservador Ebrahim Raisi, morrer em um acidente de helicóptero perto da fronteira com o Azerbaijão
IGOR GIELOW – O Irã promove nesta sexta-feira (28) o primeiro turno de sua mais incerta e crucial eleição presidencial desde que os radicais religiosos do aiatolá Ruhollah Khomeini tomaram o poder e fundaram a República Islâmica, em 1979.
O pleito tem vários ineditismos, a começar por seu motivo: ele vem 50 dias depois de o presidente o país, o ultraconservador Ebrahim Raisi, morrer em um acidente de helicóptero perto da fronteira com o Azerbaijão.
A tragédia disparou uma disputa por poder confusa, atrapalhando os planos do aiatolá Ali Khamenei, desde 1989 substituto de Khomeini no posto de líder supremo. Raisi vinha sendo preparado para ocupar a cadeira do atual chefe do regime, que tem 85 anos e uma saúde fragilizada.
O cargo de presidente não é, no esquema político peculiar do Irã, uma garantia de projeção futura. Dos cinco eleitos no voto popular até aqui desde 1989, quando as regras de governança atuais passaram a valer, apenas Raisi era visto como um futuro líder supremo, com voz sobre todos os assuntos da nação.
Isso não tira, contudo, a importância do chefe do Executivo. Ele tem papel central na condução do cotidiano do governo, da política externa e da manutenção dos pilares repressivos do regime fundamentalista.
Aí começam os problemas de Khamenei. Como avalia Trita Parsi, do Instituto Quincey (EUA), o líder precisava dar um verniz de legitimidade para a eleição convocada às pressas. Em 2021, Raisi fora eleito com o menor comparecimento da história, pouco menos de 49%, um sinal da desaprovação popular ao que era um jogo de cartas marcadas.
“Açougueiro de Teerã”, como era conhecido, Raisi enfrentou protestos não só pela situação econômica periclitante, mas também porque uma mulher morreu na cadeia em 2022 após ser presa por não usar corretamente o véu islâmico.
Assim, os 12 membros do Conselho de Guardiões, que têm palavra final sobre todas as candidaturas no país, deixaram passar entre 80 postulantes 5 conservadores e apenas 1 moderado.
É o pouco conhecido médico Masoud Pezeshkian, que serviu como ministro da Saúde no governo de Mohammad Khatami (1997-2005), o mais moderado do ciclo pós-1989. Sem base política, seria um nome ideal para o jogo combinado. Ele defende pontos que desagradam Khamenei, como a volta das negociações nucleares com os Estados Unidos, mas não de forma agressiva.
Isso dito, o feitiço pode ter voltado contra o feiticeiro. Segundo o último levantamento publicado antes do pleito pela Agência de Pesquisas dos Estudantes Iranianos, de confiabilidade discutível, ele lidera a corrida com 33% das intenções de voto.
A posição se consolidou após os cinco debates entre ele e os então quatro candidatos do campo conservador, cada um mais radical que o outro, num ciclo que acabou na terça (25). Khamenei insinuou uma crítica a Pezeshkian, mas o sinal de fato do incômodo veio nesta quinta (27).
Dois dos candidatos mais linha dura, o prefeito de Teerã, Alireza Zakani, e Amirhossein Ghazizadeh Ashemi, 1 dos 12 vice-presidentes do país, deixaram a disputa. Zakani pediu a união dos dois remanescentes, o ex-negociador nuclear Saeed Jalili e o general Mohammad Baqer Ghalibaf, contra o moderado.
É uma dinâmica que surpreende quem desconsidera as correntes divergentes sob a superfície rígida do governo em Teerã. Isso não deve, claro, ser confundido com democracia, dado que Pezeshkian é um nome do sistema, ainda que haja relevância social tanto das elites quanto dos mais pobres.
Eles têm voz ativa nas eleições, ainda que dentro de um esquema rígido de disputa. E não é pouca: os protestos devido à morte de Mahsa Amini foram os maiores desde a revolução de 1979, e há outros fatores centrais na hora do voto.
O principal é a economia. Raisi presidiu sobre o rebote da crise dupla das sanções retomadas pelos EUA em 2018 e a pandemia da Covid-19, crescendo a uma taxa anualizada de 5,7% em março. Isso foi puxado pelo aumento de 70% na produção de petróleo.
Houve queda, segundo o Banco Mundial, de 9,6% para 7,6% do desemprego sob Raisi, mas o custo de vida subiu e a renda, decaiu. A carne subiu 440% de 2021 para cá, e o pão, 230%.
Outro pilar decisório é a política externa. A guerra entre Israel e o Hamas, grupo terrorista palestino apoiado por Teerã, expôs a política iraniana no Oriente Médio, até aqui baseada no uso de prepostos contra os EUA e o Estado judeu.
Isso ruiu neste ano, quando uma série de assassinatos de altos oficiais do Irã nos países vizinhos levou o país a atacar diretamente Israel com mísseis e drones, algo inédito. Tudo só piora com o risco iminente de embate entre Tel Aviv e outro cliente de Teerã, o grupo libanês Hezbollah, muito mais poderoso do que o Hamas.
Tempere-se esse caldo com a possibilidade da volta ao poder de Donald Trump, que tirou os EUA do acordo para conter as ambições nucleares iranianas assinado em 2015, e o cenário fica ainda mais sombrio.
Nesse contexto, a liderança de Pezeskhkian no primeiro turno, com seu discurso de acomodação, é um sinal. Difícil saber se a Guarda Revolucionária, bastião do regime e origem do candidato Ghalibaf, ouvirá. O general tem 19% das intenções e voto, ante 29% de outro conservador, o ex-negociador de Mahmoud Ahmadinejad (2005-2013) Jalili. Em comum, todos são civis.
O único clérigo na disputa é Mostafa Pourmohammadi, conhecido por seu papel no massacre de dissidentes de 1988 ao lado de Raisi. Ele seria um nome ideal, ainda que pudesse ensejar a ideia de uma escolha para a sucessão de Khamenei que desagradaria o filho do líder, Mojtaba, que busca o lugar do pai.
Mas só marca 1,5% das intenções de voto, sugerindo que haverá um segundo turno, previsto para 5 de julho, entre o moderado aceito pelo regime e Jalili.