Paraguai aposta em controle da inflação e estabilidade para crescer acima da América Latina
Os paraguaios tiveram a nota elevada pela S&P Global Ratings para BB+ em fevereiro
(FOLHAPRESS) – Carros japoneses disputam espaço com pedestres que correm para atravessar entre casarões e lojas sofisticadas, crianças conversam em guarani enquanto fazem sinal para um ônibus antigo.
O calor é forte no início de tarde em Villa Morra, bairro de classe alta de Assunção, a capital do Paraguai.
Os novos edifícios corporativos, os prédios residenciais em construção e o trânsito intenso parecem resumir um país que tem pressa para colher os frutos de um desempenho econômico elogiado no exterior.
Em julho, a Moody’s elevou a nota do Paraguai de Ba1 para Baa3 (com perspectiva estável).
A agência atribuiu a concessão do grau de investimento ao crescimento “robusto e sustentado”, que torna a economia mais resistente a choques, e a um histórico de reformas institucionais.
Os paraguaios tiveram a nota elevada pela S&P Global Ratings para BB+ em fevereiro –ainda em um patamar abaixo do grau de investimento– e perspectiva estável; e a Fitch Ratings atribuiu a classificação BB+ (estável), também a um degrau de conquistar o selo dessa agência.
Um executivo dela sinalizou que ainda é preciso fortalecer as instituições, principalmente o Judiciário, e desenvolver o mercado de capitais.
Por comparação, o Brasil teve seu rating melhorado pela Moody’s em outubro, de Ba2 para Ba1, com perspectiva positiva, mas ainda está a um passo do selo de bom pagador. Hoje, está um degrau abaixo dos paraguaios nas três medições.
Em setembro, o presidente Lula (PT) e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se reuniriam com as agências reforçando o compromisso fiscal do governo.
O FMI (Fundo Monetário Internacional) projeta um avanço para o PIB (Produto Interno Bruto) paraguaio de 3,8% em 2024 e também em 2025, acima da média da região. Para este ano, o fundo espera 2,1% para América Latina e Caribe e 1,8% para a América do Sul.
Confirmadas as expectativas, embora tenha sofrido em anos de seca que afetaram a produção de soja, o vizinho terá uma média de crescimento anual de quase 4% em 20 anos.
“Quase não tenho do que reclamar”, diz o secretário e motorista por aplicativo Augusto Ángel, 38, enquanto se protege do forte calor com um tereré (a mistura de mate com água gelada).
“O nosso salário mínimo [de 2.798.309 guaranis, cerca de R$ 2.000] é pouco para manter a família, mas sempre encontro algo para ganhar um dinheiro a mais. E os preços raramente mudam, é até meio chato.”
Em 12 meses, a inflação foi de 3,4% em novembro, no patamar mais baixo desde fevereiro. Na variação mensal, chegou a ser negativa em agosto e maio, de acordo com o banco central local.
Os paraguaios se orgulham da longevidade da moeda nacional, o guarani, que passa de oito décadas, e de manter a inflação sob controle, contornando um problema crônico da região.
Ao comentar o grau de investimento, o presidente Santiago Peña tem dito que o selo é uma mensagem para os investidores internacionais sobre a confiabilidade do país. Ele também costuma ressaltar a boa relação com o Brasil.
Atrás apenas de Estados Unidos e Portugal, o Paraguai abriga a terceira maior comunidade brasileira no exterior, com 254 mil pessoas, de acordo com o Ministério das Relações Exteriores do Brasil.
O paraense João Camilo, 48, faz parte dela. Seu restaurante, em Mariano Roque Alonso (cidade nas imediações da capital e onde o português é língua corrente), disputa os estudantes das faculdades da região com outros pontos que também servem comida brasileira.
Ele é um dos muitos brasileiros estudando medicina no país vizinho. “Agora a matrícula está trancada, mas a mensalidade custa praticamente um terço do que pagaria no Brasil, os impostos principais estão na casa dos 10%. Quem vem para cá e tem vontade de crescer, prospera.”
Os poucos solavancos na condução econômica espelham a política. O partido Colorado, de Peña, governa quase que sem interrupção desde a ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989). A exceção foi o ex-presidente Fernando Lugo (2008-2012), de esquerda, mas que foi alvo de um impeachment.
Fernando Masi, diretor do Cadep (Centro de Análise e Divulgação da Economia Paraguaia), atribui o bom momento ao equilíbrio macroeconômico que quase nenhum país na região conseguiu manter por tanto tempo. “E o setor financeiro é estável.”
Ele só pondera que as agências de risco observam os números em termos de fluxos de dinheiro, mas não estão orientadas a dizer, por exemplo, se o mercado é atrativo para o investimento estrangeiro de longo prazo.
“O investimento estrangeiro direto no Paraguai tem sido bastante fraco, em poucos anos passou de 2% do PIB, apesar de oferecer impostos baixos e incentivos. Há problemas de segurança jurídica, uma preocupação com a dívida pública e com a corrupção.”
Em 2022, os investimentos brasileiros no Paraguai somaram US$ 1,7 bilhão em participação no capital, operações intercompanhia, ações, moedas, depósitos e imóveis, de acordo com o Banco Central do Brasil.
O economista destaca que o país tem abundância de energia, vendendo ao Brasil o que não utiliza de Itaipu, por exemplo, mas falta infraestrutura de distribuição. “A infraestrutura física, com as estradas, avançou muito, mas é escassa.”
O crescimento econômico também não chegou para todos, como mostra o mar de casas simples da comunidade conhecida como La Chacarita, área empobrecida da capital entre a orla e a catedral de Assunção. Nos anos recentes, a comunidade vem se abrindo, com visitas guiadas e ações culturais.
“Antes, a gente era visto como um problema, e demorou para que todo mundo entendesse que a cidade também é nossa”, diz a guardadora de carros María Alicia, 32, em uma das entradas para o bairro.
Os dados do INE (Instituto Nacional de Estatística) apontam que a pobreza era de 26,9% em 2021, com cerca de 1,95 milhão de pessoas vivendo em domicílios cuja renda per capita era inferior ao custo de uma cesta básica de consumo (alimentar e não alimentar), sendo 22,4% na área urbana e 34,6% na área rural.
Até 2009, o indicador estava acima dos 40% e se mantém abaixo de 30% desde 2013, mas voltou a subir após a pandemia, em 2020.
O país também tem de enfrentar a criminalidade crescente. O Paraguai, que em 2021 não estava entre os 15 primeiros no Índice Global de Crime Organizado, passou a ocupar a 4ª posição em 2023 com o avanço do PCC. De acordo com o mesmo índice, o tráfico de produtos falsificados é outro mercado criminoso endêmico na região.
Masi ressalta que a alta sonegação e a baixa arrecadação do Estado dificultam o combate ao crime. “A questão do narcotráfico está se tornando um assunto nacional e de colaboração com o Brasil ainda mais importante que a questão de Itaipu. É algo para observa