Por que EUA têm um plano para criar milhões de moscas e soltá-las de aviões
Autoridades estão mobilizadas para combater uma eventual ameaça à agropecuária no território: um surto de moscas-varejeiras


SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Para proteger a indústria pecuária nacional contra um perigoso parasita, os Estados Unidos irão construir uma “fábrica de moscas” com DNA modificado em laboratório. Os enxames serão liberados por meio de aviões em áreas estratégicas, em uma tática que já teve efeitos positivos no passado.
Autoridades dos EUA estão mobilizadas para combater uma eventual ameaça à agropecuária em seu território. Um surto de moscas-varejeiras, ou mosca-da-bicheira (Cochliomyia hominivorax), atinge a América Central desde o início de 2023.
Essa não é a primeira vez que o país busca meios de lidar com o inseto. Segundo a CNN, o país erradicou a maioria dessas moscas nas décadas de 1960 e 1970. Conforme o APHIS (sigla em inglês para Serviço de Inspeção de Saúde Animal e Vegetal), um pequeno surto foi identificado em 2017 na região de Florida Keys, no sul do país.
Nessas ocasiões, o país criou machos estéreis da espécie. Para isso, as pupas nas quais a bicheira permanece antes de se tornar uma mosca adulta passa por um processo em laboratório para a aplicação de raios gama de alta energia que decompõem o DNA dos machos, danificando seus cromossomos sexuais.
Os insetos estéreis foram, então, dispersados por aviões para que acasalassem com moscas fêmeas selvagens. Lentamente, a estratégia impediu que as fêmeas depositassem ovos férteis, o que, consequentemente, reduziu a população dessas moscas nas regiões afetadas.
O sucesso da abordagem aplicada há décadas é novamente a esperança da pecuária norte-americana. No entanto, atualmente somente uma instalação no Panamá cria moscas-varejeiras esterilizadas para dispersão. Conforme a previsão das autoridades locais, centenas de milhões de moscas estéreis a mais são necessárias para conter o surto.
Para a criação da quantidade necessária de moscas estéreis, o Departamento de Agricultura anunciou planos para abrir uma “fábrica de moscas”. A futura instalação ainda não tem localização definida, mas, segundo a CNN, deve ser erguida próximo à fronteira entre o estado do Texas e o México. Além das novas “fábricas de moscas”, os EUA também anunciaram planos para reformar uma antiga instalação do tipo no México até o final deste ano.
Após a “fabricação” das moscas estéreis, os insetos serão deslocados até áreas estratégicas. Os insetos são carregados em contêineres com temperatura controlada e lançadas a partir de aviões. Conforme especialistas ouvidos pela CNN, são poucas as possibilidades de as moscas caírem em um local densamente habitado, já que os enxames têm como alvo áreas rurais pouco povoadas.
PAÍSES AFETADOS
Há infestações registradas no Panamá, Costa Rica, Nicarágua, Honduras, Guatemala, Belize e El Salvador. Desde o início do surto, foram relatadas mais de 35 mil infestações dessas moscas, sendo que as vacas representam cerca de 83% das espécies de animais afetados pela infestação. A maioria dos países centro-americanos não registrava um surto há 20 anos, conforme a CNN.
Em novembro de 2024, o inseto foi identificado no México. O avanço da mosca em direção aos EUA gerou preocupação na indústria agropecuária e provocou o fechamento de portos da fronteira entre os dois países, nos quais era realizado o comércio de gado, cavalos e bisões, por exemplo.
Desde então, as autoridades vêm se mobilizando em relação ao tema. O APHIS declarou em seu portal oficial que está trabalhando em parceria com agências do Departamento de Agricultura, do Departamento de Estado dos EUA, da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês) e outros países afetados para responder ao surto.
POR QUE ESSA MOSCA É TÃO PERIGOSA?
Espécie é “uma praga devastadora”, segundo APHIS. Quando as larvas penetram na carne de um animal vivo, causam danos graves, muitas vezes fatais, ao hospedeiro.
Larvas nidificam, ou seja, criam uma espécie de ninho, nas feridas de animais com sangue quente, como mamíferos. “Após o acasalamento, a mosca fêmea encontra um hospedeiro vivo, pousa em sua ferida e deposita de 200 a 300 ovos”, explicou Phillip Kaufman, professor e chefe do departamento de entomologia (estudo de insetos) da Universidade Texas A&M, à CNN.
Uma vez instaladas, as larvas passam a se alimentar da carne do animal. A ferida pode aumentar e se aprofundar à medida que mais larvas eclodem e se alimentam do tecido vivo. “Entre 12 a 24 horas, os ovos eclodem, e elas imediatamente começam a cavar e se alimentar do tecido do animal, causando a formação de feridas muito, muito grandes”, disse Kaufman. Após as larvas se alimentarem por vários dias, elas se desprendem do animal e se enterram no solo para emergir, posteriormente, como moscas adultas.
Caso o surto não seja controlado, as moscas podem matar um animal em uma ou duas semanas. O inseto pode, ainda, se espalhar para outros hospedeiros. “Manter essas moscas fora dos Estados Unidos é crucial para proteger nossa pecuária, nossa economia e nossa cadeia de suprimentos de alimentos”, declarou o APHIS.
O parasita pode infestar diferentes organismos. Entre os alvos, estão gados, animais de estimação, animais selvagens e, ocasionalmente, pássaros. Segundo o APHIS, casos em seres humanos são “raros”.