Paulo Guedes dá ultimato a Bolsonaro e presidente terá que fazer escolha difícil
Com a popularidade em baixa, Jair planeja implementar ações que gerem apelo popular e deem impulso para sua tentativa de reeleição no ano que vem
Pressionada a implementar demandas eleitorais de Jair Bolsonaro, a equipe econômica quer que o presidente da República faça escolhas e deixe claro quais serão as medidas prioritárias para 2022. O argumento é que não há espaço suficiente no Orçamento e nem todos os pedidos poderão ser atendidos.
Até o momento, Bolsonaro já apresentou exigências de ampliação do Bolsa Família e liberação de verba para obras públicas. Aliados afirmam que ele também deseja reajustar os salários de servidores públicos no ano que vem. Além disso, quer uma reserva de recursos para eventual implementação do voto impresso.
Somadas, as medidas estourariam o teto de gastos, regra que limita o crescimento das despesas do governo à variação da inflação. Nesse cenário, o ministro Paulo Guedes (Economia) e membros da pasta querem que o presidente estabeleça prioridades e apenas autorize a implementação de parte das medidas.
A pasta defende que o reajuste a servidores seja deixado para depois. Auxiliares de Guedes argumentam que essa despesa é mais prejudicial às contas do governo do que investimentos, por exemplo, por se tratar de um gasto permanente que, além de comprimir o teto no ano que vem, se estenderá para os próximos anos.
Projeção do Ministério da Economia aponta que após reajustar o teto de gastos no ano que vem e comprometer a maior parte dessa margem com despesas obrigatórias, o governo ainda terá um espaço de R$ 25 bilhões para gastar livremente em 2022.
Com a popularidade em baixa, Bolsonaro planeja implementar ações que gerem apelo popular e deem impulso para sua tentativa de reeleição no ano que vem.
Pesquisa Datafolha feita em maio mostrou que a aprovação do governo Bolsonaro ficou em 24%, patamar mais baixo desde o início do mandato do presidente. Em questionário do instituto sobre as eleições do ano que vem, o mandatário apareceu atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A principal ação em estudo pelo governo é a reformulação do Bolsa Família, que deve ser anunciada nas próximas semanas, com ampliação de público e do valor dos benefícios –o programa deve mudar de nome. A previsão mais recente era que apenas para essa expansão haverá um gasto adicional de aproximadamente R$ 18 bilhões por ano.
Como mostrou a Folha, pela primeira vez no mandato de Bolsonaro, o governo incluiu na estrutura do Orçamento (para 2022) uma autorização de reajuste salarial aos servidores públicos federais. A medida contraria os discursos feitos por Guedes, que elegeu o gasto com pessoal como um dos principais alvos de suas ações de ajuste fiscal.
De acordo com estimativa interna do Ministério da Economia, para cada 1% de reajuste salarial aos servidores federais, haverá um gasto adicional de R$ 3 bilhões ao ano. Se for autorizado um reajuste de 5%, por exemplo, o impacto anual será de R$ 15 bilhões.
Membros da pasta que participam das discussões sobre o fechamento das contas do ano que vem afirmam, no entanto, que ainda não há definição sobre reajuste do funcionalismo em 2022.
No caso do voto impresso, o custo da mudança do sistema é estimado em R$ 2 bilhões pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral). A ideia sofre com resistência de partidos.
“Pela primeira vez, vou falar que o Paulo Guedes vai cumprir uma ordem minha, porque sempre eu discuto com ele. Paulo Guedes, se passar, você vai arranjar o recurso para que o voto auditável seja uma realidade em 2022”, disse Bolsonaro em junho.
Com forte apelo eleitoral e potencial de favorecer aliados políticos, as obras públicas também sofrem com a falta de espaço no Orçamento. O presidente vem pressionando o ministro Paulo Guedes para encontrar recursos para esses empreendimentos.
Em junho, Guedes disse em audiência pública no Congresso que Bolsonaro cobrou mais verbas para o Ministério da Infraestrutura. “Nós vamos arrumar o dinheiro, mas aí é aquele negócio: como nós estamos ainda debaixo do teto [de gastos], dois minutos depois um outro ministro vai dar um pulo num outro lugar e falar: ‘Tiraram meu dinheiro daqui’. Aí, tenho que dizer: ‘É a política, é a política'”, disse na ocasião, se referindo a recursos para este ano.
Para 2022, o ministro terá que encontrar margem no teto de gastos para ampliar o volume de obras públicas. Considerada prioritária pelo governo, essa área ganhou inclusive um dispositivo especial no Orçamento de 2022.
No projeto que estabelece as diretrizes orçamentárias do ano que vem, o Ministério da Economia propôs que verbas de investimento de estatais, recuperação de rodovias e outras obras sejam executadas mesmo que haja atraso na aprovação das contas do ano pelo Congresso.
Segundo relatos, Guedes afirmou em reunião na pasta que Bolsonaro não fez pedido para que a regra do teto seja flexibilizada, medida que o ministro afirma não aceitar.
Integrantes da equipe econômica afirmam que a decisão final sobre o que fazer com os recursos em 2022 vai depender de uma constatação mais precisa sobre o tamanho do espaço do teto no ano que vem.
Ou seja, primeiro deve ser verificado quanto haverá de espaço no teto. Depois, as escolhas políticas sobre o que poderá ser feito com os recursos.
Já se sabe que haverá espaço no teto de gastos para novas despesas em 2022, mas o tamanho da folga ainda está em análise. Enquanto a equipe econômica cita o valor de R$ 25 bilhões, especialistas chegam a calcular mais de R$ 30 bilhões.
Influenciam a conta variáveis ainda não conhecidas com exatidão, como as novas despesas em gestação e a inflação.
Pelas regras, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) em 12 meses a ser verificado ao fim de julho de 2021 reajustará o teto de gastos de 2022. Enquanto isso, o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) de janeiro a dezembro deste ano determinará o tamanho do reajuste de grande parte das despesas obrigatórias para o ano que vem (como as aposentadorias).
A crise de energia e a perspectiva de mais elevação nos preços têm pressionado os números. Pelas regras, uma inflação mais agressiva ao fim do primeiro semestre e mais branda no fim do ano beneficia o governo nessa equação.