Brigas na base de Bolsonaro crescem e podem respingar na campanha

Com direito a xingamentos pesados e acusações de traição, em um tom que surpreendeu mesmo quem está acostumado ao barulho dos apoiadores do presidente em redes sociais

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Brigas na base de Bolsonaro crescem e podem respingar na campanha
Presidente Jair Bolsonaro (Foto: Marcos Corrêa/Agência Brasil)

(FOLHAPRESS) – A virada do ano foi tumultuada na base bolsonarista, com direito a xingamentos pesados e acusações de traição, em um tom que surpreendeu mesmo quem está acostumado ao barulho dos apoiadores do presidente em redes sociais.

A gritaria levou a pedidos de calma por uma “turma do deixa disso”, em sinal de que as divergências têm causado preocupação pelo risco de respingarem na campanha de reeleição de Jair Bolsonaro (PL).

O primeiro torpedo foi disparado pelo escritor Olavo de Carvalho, influência importante para parte considerável dos apoiadores de Bolsonaro.

No fim de dezembro, ele disse em um debate com apoiadores que Bolsonaro o havia usado como “garoto-propaganda” para se promover. Alguns dias depois, acrescentou que só irá apoiar a reeleição do presidente por falta de opção.

Foi a senha para apoiadores do presidente retrucarem, como o presidente da Fundação Palmares, Sergio Camargo, que chamou Olavo de arrogante. “[Bolsonaro] nunca precisou e jamais precisará de um ‘professor'”, afirmou.

Isso ensejou, por sua vez, um contra-ataque de olavistas como o influenciador Allan dos Santos, que partiu para cima de Camargo com acusações de ordem pessoal, chamando-o de “moleque de merda”.

Outro atrito ocorreu durante palestra do cientista político Silvio Grimaldo, um dos mais próximos aliados de Olavo, em um evento conservador em Niterói (RJ), no fim do ano.

Ele fez críticas à articulação política do governo no Congresso, comparando-a à da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o que soou como algo profundamente ofensivo para partidários do presidente. Também reclamou que o presidente não fez “porra nenhuma” pela aprovação do voto impresso na Câmara.

A fala gerou revolta do vereador Carlos Bolsonaro (RJ), que descontou sua raiva sobre o deputado federal Carlos Jordy (PSL-RJ), anfitrião do evento niteroiense.

O filho do presidente rejeitou o argumento de que as críticas contra o governo de seu pai seriam “construtivas” e insinuou o uso de drogas por Jordy. “Sugiro cheirarem menos, serem mais gratos e não sujos”, disse.

Bolsonaristas ouvidos pela reportagem atribuem os atritos à disputa de espaço num momento em que se inicia o que promete ser uma campanha presidencial tensa e difícil para Bolsonaro.

Olavistas afirmam que o escritor foi importante na eleição de 2018 para dar uma “carga intelectual” à figura de Bolsonaro, introduzindo o conceito de “guerra cultural” contra a esquerda. Também partiu do guru a ênfase a uma suposta ameaça comunista e menções, por exemplo, ao Foro de São Paulo, grupo de legendas latino-americanas de esquerda.

“O pessoal do governo ainda está nessa de buscar traidores. Mas até quem eles consideram traidor pode ser útil no segundo turno”, diz o cineasta Josias Teófilo, autor de um filme sobre Olavo.

No campo pessoal, não passou batido o fato de Bolsonaro não ter ido visitar o filósofo no recente período em que passou internado em São Paulo.

A eleição em São Paulo foi o pano de fundo de outra desavença virtual há alguns dias. Provocada pela deputada estadual Janaina Paschoal (PSL), a confusão envolveu os ex-ministros e pré-candidatos Abraham Weintraub e Ricardo Salles.

Janaina usou o Twitter para fazer uma proposta de chapa que una o campo da direita no estado. Sugeriu o ministro Tarcisio Freitas (Infraestrutura) para o governo, ela própria para o Senado, Weintraub para deputado federal e Salles para estadual.

Weintraub, que se movimenta para disputar o Palácio dos Bandeirantes, reclamou de ter sido chamado de companheiro, um “termo da esquerda”, e disse que Janaina deveria ter telefonado para discutir o tema. “Agora tuíta sobre sua decisão, querendo se impor. Achei sua postura muito falsa e interesseira”, afirmou.

Salles também rebateu a deputada, dizendo que sua decisão é a de concorrer à Câmara dos Deputados. O ex-ministro do Meio Ambiente aproveitou para provocar a interlocutora, perguntando se ela votará em Bolsonaro ou em Sergio Moro (Podemos), por quem ela também tem simpatia.

O tom de imposição foi o que mais incomodou Weintraub e Salles, embora esteja em jogo também a disputa por espaço no pleito estadual. Bolsonaro já ungiu Tarcisio como candidato ao Bandeirantes.

Weintraub, que deve se desligar do Banco Mundial para a aventura nas urnas, dará início nos próximos dias a um giro pelo estado com o objetivo de se cacifar para o governo.

À reportagem Janaina diz que optou pelo “diálogo público” para dar à população o direito de acompanhar as costuras. “É algo do meu perfil. Não sou muito do bastidor, de combinar coisas. E é legal fazer essas coisas e ver as reações”, afirma.

As respostas, no caso, não foram lá muito positivas. “Eu apanhei da direita, fui zoada pela esquerda, e o povo que me considera, que me apoia, ficou indignado de eu conversar com eles”, diz ela, criticando “a maneira muito agressiva, completamente desproporcional” da reação dos citados.

A deputada, que decidiu sair do PSL, mas ainda não se acertou com um partido (a negociação com o PRTB é a mais avançada), tem a preocupação de que uma cisão deixe o conservadorismo descoberto nas casas legislativas diante da chance de avanço da esquerda, que ela considera alta.

“É muita vaidade, é um pessoal muito estrela”, diz ela sobre os expoentes da direita que ascenderam com Bolsonaro. Os rachas, completa, só prejudicam o próprio segmento.

A cizânia no principal colégio eleitoral do país também é atribuída, em conversas fechadas de grupos direitistas, ao próprio Bolsonaro. A avaliação é a de fracasso na unificação de sua base, sendo o maior exemplo o fiasco da campanha de Celso Russomanno (Republicanos) a prefeito da capital paulista em 2020.

Aliados admitem nos bastidores que a desorganização pode deixar desestruturado o palanque local da campanha à reeleição de Bolsonaro, mas em público adotam discurso otimista. A expectativa é de superação dos entraves até a campanha, diante do crescimento do ex-presidente Lula (PT).

“O pessoal mais da direita é uma turma que usa muito as redes sociais”, comenta Salles. “E usa os perfis para diversas finalidades, inclusive para esses debates, que talvez o pessoal mais experiente da política faça nos bastidores.”

O ex-ministro, que diz já estar superada a rusga com Janaina, acredita que o estilo franco não seja exclusividade da turma destra. “Essas divisões, ou diferentes opiniões, acontecem em todos os lugares. Dentro do PT tem gente odiando Geraldo Alckmin ser vice do Lula.”

Presidente do PTB paulista, o empresário Otávio Fakhoury afirma que as divergências internas na base bolsonarista precisam ser tratadas com cuidado e sem perda de tempo, para evitar que saiam de controle e prejudiquem a campanha.

“Você hoje tem uma corrente mais bolsonarista, que aceita 100% o que ele faz, até quando ele precisa fazer concessões, e outra mais de princípios, que quer o Bolsonaro mais no estilo de campanha. A origem das brigas é sobre tática, sobre postura”, afirma Fakhoury.

Os mais pragmáticos admitem, por exemplo, a necessidade de composição com centrão, coisa que muitos dos olavistas não aceitam.

Para o empresário, essa divisão enfraquece o governo. “Isso pode respingar na campanha, e sou um dos que estão tentando juntar as duas turmas. A esquerda, por exemplo, está se unindo em torno do Lula”, diz.

O deputado federal Bibo Nunes (PSL-RS) diz que os problemas são pontuais, mas que não deveriam ser expostos. “Se quiser fazer a crítica, faça internamente, não precisa ir a público. Seria bom que não ocorresse esse tipo de desavença, mas são questões que não envolvem o presidente diretamente”, diz.

Ao mesmo tempo em que pede discrição, ele não se furta a fazer uma crítica pública a Olavo, deixando claro que segue forte a animosidade contra o guru em parte de apoiadores do presidente Bolsonaro.

“O Olavo já teve o seu tempo útil, agora ele está no seu tempo fútil. Crítica construtiva, que ele diz fazer, não precisa ter menosprezo”, afirma o parlamentar.

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