Tesouro propõe novo teto de gastos com expansão extra se contas fecharem no azul
Trata-se de uma regra distinta da apresentada na sexta-feira (16) pelo chefe da Assessoria Especial de Estudos Econômicos da pasta, Rogério Boueri, em debate promovido pela UnB (Universidade de Brasília)
A proposta do Tesouro Nacional para uma regra mais flexível do teto de gastos prevê que a taxa de crescimento das despesas seja definida a cada dois anos, conforme o nível e a trajetória da dívida pública. A regra também concede um bônus em caso de melhora do superávit nas contas públicas.
A Folha de S.Paulo teve acesso à proposta preliminar, que vem sendo apresentada a pessoas de fora do governo na expectativa de colher impressões e possíveis sugestões de aprimoramento.
Trata-se de uma regra distinta da apresentada na sexta-feira (16) pelo chefe da Assessoria Especial de Estudos Econômicos da pasta, Rogério Boueri, em debate promovido pela UnB (Universidade de Brasília).
No desenho inicial do Tesouro, a regra não necessariamente entraria em vigor em 2023, ano crítico diante da fatura represada de gastos -como os R$ 52,5 bilhões necessários para assegurar a continuidade do piso de R$ 600 às famílias do Auxílio Brasil (promessa dos principais candidatos à Presidência). A proposta não detalha como esse impasse seria resolvido.
A previsão é que a regra comece a valer em 2024. No primeiro ano de vigência, a variação das despesas seguirá a regra atrelada à dívida, mas também terá um adicional único de 2% para reduzir a pressão sobre o custeio da máquina pública e os investimentos -hoje bastante comprimidos.
O incremento de 2% seria aplicado apenas para o primeiro ano e é visto nos bastidores como um incentivo para ampliar a aceitação da nova regra dentro da classe política.
A proposta está ancorada em três principais elementos: despesa, dívida e resultado primário. O limite de gastos sempre será corrigido ao menos pela inflação (como é hoje), mas há possibilidade de um adicional dependendo do nível e da trajetória desses indicadores.
Como referência, os técnicos escolheram a DLGG (dívida líquida do governo geral). Ela inclui governo federal, estados e municípios -mas, diferentemente de outros indicadores mais conhecidos (como a dívida bruta ou a dívida líquida do setor público, a DLSP), exclui dívidas de estatais e títulos públicos usados pelo Banco Central para fazer sua política de juros.
O objetivo central da escolha desse indicador é assegurar que as flutuações no teto de gastos tenham a ver com razões estritamente fiscais, sem interferências vindas da atuação do BC no mercado ou de artifícios como a venda de reservas internacionais.
A DLGG não seria uma meta, mas sim uma referência para indicar qual será o crescimento real máximo da despesa nos períodos seguintes.
O mecanismo usa a dívida líquida média do ano anterior como referência de nível. Ela será comparada à média dos dois anos anteriores, para saber se o indicador está caindo ou subindo. Um exemplo contido na proposta do Tesouro ajuda a ilustrar melhor seu funcionamento.
Em 2023, o presidente eleito definiria, em seu primeiro ano de mandato, a taxa de crescimento real do limite de despesas em 2024 e 2025. Para isso, será necessário olhar a DLGG média de 2022 e compará-la à média de 2020 e 2021.
Se o diagnóstico for de redução da dívida, o crescimento real da despesa poderá ir de 0,5% até 2%. No sentido contrário, se a trajetória for de alta, o avanço dos gastos acima da inflação ficará entre 0% e 1%.
O que vai determinar o percentual a ser aplicado é o nível da dívida. Uma DLGG acima de 55% do PIB exigirá do governo maior contenção de gastos (ou seja, o crescimento ficará no mínimo permitido).
Entre 45% e 55%, o ritmo de expansão das despesas ficará em patamar intermediário. Abaixo de 45%, o governo poderá usufruir da elevação máxima permitida.
Nos dois últimos casos, mesmo que a dívida esteja aumentando, a possibilidade de ampliar gastos acima da inflação se mantém, mas em velocidade menor do que seria observado numa situação fiscal mais favorável.
Em 2022 até julho, o indicador médio da DLGG está em 59,4% do PIB, segundo dados do Banco Central. O valor é menor que a média de 63,3% do PIB observada entre 2020 e 2021, sugerindo que o gatilho de crescimento real do teto seria acionado já no primeiro ano de vigência da nova regra.
O ritmo de expansão do limite de despesas ainda pode ganhar um bônus de 0,5 ponto percentual (equivalente hoje a cerca de R$ 8 bilhões) sempre que as contas estiverem no azul e em trajetória de melhora. Para verificar se o governo terá direito a esse extra, será preciso analisar o resultado primário (diferença entre receitas e despesas, excluindo juros da dívida).
A regra é calcular o resultado médio dos dois anos anteriores ao da fixação do teto. Se ele for positivo e maior do que a média do biênio anterior, o bônus é concedido.
Por exemplo, o governo em 2023 vai observar a média do resultado primário do governo central (que inclui Tesouro, Previdência e Banco Central) dos anos de 2021 e 2022 e compará-la à média de 2019 e 2020. Se houver superávit e ele for crescente, aplica-se o bônus. Se o resultado for positivo, mas decrescente, não há adicional.
Há uma exceção: quando o esforço fiscal já estiver acima de 1,5% do PIB, o bônus é aplicado independentemente de melhora nesse número.
Ao elaborar o desenho da proposta, o Tesouro partiu de algumas premissas. Para o órgão, a trajetória da dívida é tão importante quanto seu nível, pois indica a sustentabilidade das contas do país.
Além disso, a lógica de prever diferentes taxas de crescimento das despesas, conforme o cenário fiscal, dá certa flexibilidade, ao mesmo tempo em que contribui para frear ímpetos gastadores em épocas de bonança (nem sempre duradouras). O ritmo de crescimento limitado ajudaria a manter um patamar relativamente estável da despesa em relação ao PIB.
Ainda segundo o Tesouro, a fixação a cada dois anos também ajuda a manter a capacidade de resposta de um governante perante as condições da economia. A válvula de escape do crédito extraordinário, para despesas urgentes e imprevistas ou em calamidades, continuaria valendo.
A integração da regra ao resultado primário, por sua vez, pode ajudar a reduzir ou controlar os gastos tributários e desonerações, uma vez que essas medidas reduzem a arrecadação e pioram o primário -colocando em risco o bônus de crescimento adicional do teto.
Uma inovação é a extinção do chamado contingenciamento, quando despesas dos ministérios são bloqueadas para assegurar a meta fiscal devido a uma frustração na arrecadação. Esse instrumento é criticado porque afeta o bom planejamento dos órgãos, que muitas vezes ficam travados ao longo do ano e recebem sinal verde para gastar nos últimos meses, gerando uma corrida que nem sempre preserva a qualidade da despesa.
No entanto, se o governo descumprir a meta de resultado primário, precisará apresentar uma justificativa pública -a exemplo do que o presidente do Banco Central precisa fazer quando estoura a meta de inflação.
O Tesouro Nacional também admite, na proposta preliminar, uma discussão sobre qual será a composição de despesa sujeita ao teto de gastos e diz, no documento, que ela “poderá ser diferente da atual”.
Hoje, toda despesa primária fica abaixo do limite, exceto gastos com transferências a estados e municípios, Fundeb (fundo da educação básica), aportes em estatais não dependentes, créditos extraordinários e gastos da Justiça Eleitoral para realizar as eleições. Há economistas que defendem a exclusão de investimentos em infraestrutura, por exemplo.
Na formulação da proposta, os técnicos do órgão centraram a escolha dos parâmetros em dados já realizados, isto é, já medidos e que não são meras projeções. A avaliação é que isso favorece a previsibilidade da trajetória dos gastos públicos, uma vez que todos conhecerão as informações (estimativas, por sua vez, podem sofrer variações).
O próprio Tesouro, porém, reconhece que essa opção pode acabar adiando um pouco o acionamento do gatilho que autoriza maior expansão de gastos, uma vez que a melhora fiscal levará tempo até ser captada pela regra.
ENTENDA AS REGRAS FISCAIS EM DISCUSSÃO
Proposta do Tesouro Nacional: Autorizar um crescimento real do teto de gastos, acima da inflação, em taxas definidas de acordo com o nível e a trajetória da dívida líquida do governo geral. Além disso, a existência de resultado primário positivo (sinalizando arrecadação maior que as despesas) e crescente dá ao governo direito a uma espécie de bônus na expansão dos gastos.
Proposta da SPE (Secretaria de Política Econômica): Autorizar um crescimento real e permanente do teto de gastos, acima da inflação, de acordo com o ritmo de avanço do PIB. O gatilho para permitir essa expansão seria a dívida bruta do governo geral (que títulos usados pelo BC em sua política de juros). Em recessões, governo teria autorização para aumento temporário de despesas fora do teto.
Proposta do PT: a campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda não apresentou uma proposta concreta, mas economistas que assessoram o partido discutem possíveis formulações. As opções incluem manter só uma regra de resultado primário, como era antes do teto de gastos, ou ainda estipular um limite de despesas mais flexível, com expansão acima da inflação e possíveis exceções para determinados gastos, como investimentos.