Proposta do governo para reforma do setor elétrico divide o mercado
Termos foram debatidos na quinta-feira (24) em reunião entre o MME (Ministério de Minas e Energia) e associações do setor


NICOLA PAMPLONA – A proposta de reforma do setor elétrico apresentada neste mês pelo governo vem recebendo avaliações distintas do mercado.
Enquanto grandes consumidores industriais temem aumento de custos, distribuidoras e comercializadores de energia veem as mudanças como positivas.
Os termos foram debatidos na quinta-feira (24) em reunião entre o MME (Ministério de Minas e Energia) e associações do setor.
Segundo pessoas ligadas à negociação, o governo demonstrou abertura para ouvir sugestões e disse ainda não saber se apresentará o texto ao Congresso como medida provisória ou projeto de lei.
Logo após seu anúncio, no último dia 16, a proposta ficou mais conhecida pela ideia de ampliar a isenção do pagamento da conta de luz para até 17 milhões de famílias inscritas no CadÚnico, o que beneficiaria cerca de 60 milhões de pessoas.
Mas há alterações mais profundas. Em geral, associações que representam investidores e consumidores do setor destacam que os termos apresentados pelo MME avançam em um tema que vem sendo discutido desde o governo Michel Temer: a abertura do mercado livre de energia elétrica, permitindo que cada consumidor escolha seu fornecedor.
Hoje, somente grandes consumidores (indústrias e grandes comércios, a exemplo de shoppings) têm essa liberdade. Pela proposta, gradualmente mais consumidores poderão participar.
A partir de março de 2027, indústrias e comércios da chamada baixa tensão (quando é usada a energia em menor escala, que chega às tomadas comuns) poderão participar. Um ano depois, os clientes residenciais.
A ideia do MME é, portanto, atingir a abertura total do mercado em 2028. Antes, porém, defende redistribuir alguns dos custos de subsídios e da operação do setor pagos pelo consumidor cativo das distribuidoras de energia, sob o risco de que sua conta fique inviável com a migração em massa para o mercado livre.
Nesse sentido, a reforma propõe redistribuir para todos os consumidores os custos da geração das usinas nucleares Angra 1 e 2 e dos subsídios pagos pela CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) à geração distribuída de energia.
Propõe ainda eliminar o desconto nas tarifas de uso das redes de transmissão e distribuição de energia para consumidores de energias renováveis ao fim dos contratos atuais com seus respectivos fornecedores.
O governo defende que essas medidas ajudariam a bancar o aumento da isenção na conta de luz sem pressionar o restante dos consumidores. Alega ainda que, com a abertura do mercado, a competição pelo consumidor ajudará a puxar a tarifa para baixo.
A Abraceel (Associação Brasileira das Comercializadoras de Energia Elétrica) diz que a portabilidade da conta de luz poderia gerar economia de R$ 35,8 bilhões por ano no valor total pago pelas tarifas. Seria uma redução média de 23% a preços de 2023.
“A proposta apresentada busca dar a todos o mesmo direito. Qual é a justificativa para, por exemplo, apenas uma parte da indústria ter acesso ao mercado livre?”, questiona, em nota, o presidente executivo da entidade, Rodrigo Ferreira.
A ideia de redistribuir os custos, no entanto, é o principal foco de desentendimento no setor. Grandes consumidores dizem que a proposta transfere à indústria parte do gasto com subsídios, e pedem que a isenção a consumidores de baixa renda seja bancada pelo Tesouro Nacional.
“Na prática, as mudanças só transferem os custos hoje associados aos consumidores regulados para o Ambiente de Contratação Livre (ACL), o que pode, inclusive, reduzir a atratividade desse mercado”, afirma, em nota, a Anace (Associação Nacional dos Consumidores de Energia).
“É importante tentar acolher a população de baixa renda reduzindo o preço da energia”, diz o presidente executivo da Abrace (Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia), Paulo Pedrosa.
“Mas há uma transferência de custos importante para a indústria e isso termina se refletindo no custo do que é produzido no país”.
Responsáveis por cobrar a fatura do consumidor, as distribuidoras elogiam a minuta apresentada. “A nossa avaliação é positiva. O que está posto ali trata de alguns problemas importantes”, diz o presidente da Abradee, Marcos Madureira.
A reportagem pediu um posicionamento de associações de empresas geradoras de energias renováveis, mas não havia obtido resposta até a publicação deste texto.
Entenda as mudanças
Eixo 1: Tarifas para a baixa renda
Tarifa social
Como é hoje (para a baixa renda)
– Para quem consume de 0 a 30 kWh/mês: 65% de desconto
– Para quem consume de 31 a 100 kWh/mês: 40% de desconto
– Para quem consume de 101 a 220 kWh/mês: 10% de desconto
– Para quem consume acima de 220 kWh/mês: sem desconto
Proposta (para a baixa renda)
– Consumo de 0 a 80 kWh/mês: 100% de isenção
– Consumo acima de 81 kWh/mês: sem desconto
Impactos
– 17 milhões de famílias beneficiadas, cerca de 60 milhões de pessoas
– 4,5 milhões de famílias terão a conta zerada, cerca de 16 milhões de pessoas
– Custo extra de R$ 3,6 bi ao ano, a serem bancados pela CDE (pagos pelo conjunto dos demais consumidores)
– Aumento médio de 0,9% para os demais consumidores regulados, antes de revisões de subsídios
Desconto social na CDE (para a baixa renda)
– Isenção do pagamento da CDE no consumo mensal de até 120 kWh para famílias de renda per capita entre meio e um salário mínimo
Impactos
– 21 milhões de famílias podem ser beneficiadas, cerca de 55 milhões de pessoas
– Aumento de 0,53% para os demais consumidores regulados, antes de revisões de subsídios
Eixo 2 – Liberdade para o consumidor de baixa tensão
Medida vai fazer consumidor residencial (da baixa tensão) ser livre para escolher fornecedor de energia, assim como já acontece hoje com a alta tensão (onde estão grandes empresas, como indústrias)
Indústria e comércio de baixa tensão: abertura a partir de 1º de março de 2027
Demais consumidores: A partir de 1º de março de 2028
Outras medidas serão tomadas para suportar a abertura, como comercialização sem descontos na energia incentivada
Eixo 3 – Equilíbrio para o setor
– Rateio igualitário das cotas de Angra 1 e Angra 2, com entrada dos consumidores livres nos custos das usinas
– Pagamento equalizado da CDE para geração distribuída, com inclusão dos consumidores livres no rateio
– Alocação mais justa dos encargos da CDE, com rateio proporcional ao consumo independentemente do nível de tensão
– Melhor definição de autoprodutor, por exemplo instituindo a participação mínima da empresa no empreendimento gerador em 30% do capital social (para evitar que empresas se associem de forma excessivamente minoritária a geradoras apenas para obter as vantagens)
– Limitação dos descontos de uso da rede, como em TUST e TUSD, mas contratos atuais são de longo prazo e medida pode demorar a surtir efeito