Anápolis pode se inspirar na revitalização do Centro de Amsterdã, Madrid e Nova Iorque
Transporte público, incentivos habitacionais e fiscais além de diálogo são fundamentais para sucesso do projeto


Com o prazo para arquitetos e urbanistas de todo o país enviarem propostas para a requalificação do Centro de Anápolis se encerrando já em agosto, não é mistério para ninguém que a cidade tem pela frente um desafio hercúleo para trazer a qualidade e a vida de volta à região.
Apesar de dificultoso, Anápolis tem uma grande vantagem: exemplos históricos de grandes centros urbanos que passaram por processos similares, tais quais Roma, Madrid, Nova Iorque e Turim. Porém, a solução definitiva para um problema tão antigo está longe de ser alcançada apenas com um projeto bem detalhado.
Foi o que destacou, em entrevista ao Portal 6, o doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília e professor na Universidade Estadual de Goiás (UEG), Pedro Henrique Máximo. O profissional foi categórico ao afirmar que, caso não haja diálogo com a população e comerciantes, além da união de esforços nos setores de políticas públicas e transporte coletivo, a requalificação estará fadada ao fracasso.

Pedro Henrique é doutor em arquitetura e urbanismo pela UNB. (Foto: Arquivo Pessoal)
“A gente pode ver o exemplo de Goiânia, que está com políticas públicas para melhorar o fluxo da região da 44, mas não teve o diálogo certo com quem trabalha lá. Na retirada dos manequins, por exemplo, a medida não teve o diálogo ou aceitamento dos lojistas. Faltou diálogo”, comentou.
Uma breve olhada ao passado
Antes de prospectar o que deve ser feito com o Centro, é necessário entender como a região foi, aos poucos, perdendo a relevância de outrora.
“O Centro de Anápolis se desenvolveu basicamente no entorno da Matriz e muito voltado a atividades industriais, por conta da ferrovia. Com a expansão da cidade e o surgimento de novos bairros, o Centro acabou ficando com toda essa estrutura industrial obsoleta, especialmente com o encerramento das atividades da linha férrea”, comentou.
Esse processo, inclusive, não foi exclusivo de Anápolis e também foi observado em cidades como Barcelona (Espanha) e Londres (Inglaterra), em que o foco industrial nas áreas portuárias perdeu força.
“Com isso, acabou que o Centro foi se esvaziando, porque não tem muitos habitantes — não que tivesse antes, por conta desse caráter industrial —, mas a situação só se agravou”, continuou.
É necessário habitar, não apenas circular
Pedro comentou que a solução encontrada para requalificar essas zonas industriais “mortas” nas capitais supracitadas foi:
“Em todas essas cidades, a solução principal é habitação. Aumentar a densidade populacional de quem habita, não só de quem circula”, pontuou.

Rua Engenheiro Portela, na região Central de Anápolis. (Foto: @anapolisnarede)
Nessa linha, o especialista afirmou que não adianta simplesmente aumentar a oferta de comércios e entretenimento, uma vez que esses empreendimentos, especialmente durante o período noturno, não terão clientela.
Em Curitiba (PR), por exemplo, ele destacou que essa questão da habitação não foi resolvida e, como consequência, embora a capital paranaense tenha bastante movimento na região Central ao longo do dia, basta cair a noite para se instalar um clima de “cidade vazia”. O mesmo aconteceu, por exemplo, em Porto Alegre (RS).
Transporte público
Outros dois problemas históricos da região Central de Anápolis, que andam de mãos dadas, são o dimensionamento das ruas — estreitas em diversos pontos, congestionando o trânsito — e a ausência de estacionamentos. Para ambos os problemas, o especialista apresenta uma única solução: transporte público de qualidade.

Ônibus da Urban em parada na Praça Bom Jesus. (Foto: Danilo Boaventura)
“Se a gente for pegar exemplos, Londres, Milão, Florença e Roma todas também têm núcleos urbanos muito apertados. Os carros não podem entrar nessas áreas, que têm uma circulação restrita por conta do tamanho das vias”, pontuou.
Embora o arquiteto não condene ou negue a necessidade de ampliar as ruas da região, foi firme ao declarar que essa ampliação, por si só, não basta para resolver o problema.
Ilustrando esse raciocínio, ele trouxe o exemplo de Brasília (DF), que, apesar de ter algumas das vias mais largas do país, os brasilienses ainda passam, em média, cerca de 2h38 no trânsito.
A melhoria no transporte também poderia contribuir para a questão dos estacionamentos, uma vez que diminuiria a necessidade da população de usar automóveis.
Em Turim, na Itália, ele destacou que essa postura da administração municipal acarretou em um sistema extremamente eficiente, pontual e confortável.
Mudança de mentalidade
Ainda em sintonia com a falta de estacionamentos e o trânsito pesado, é necessário considerar que, caso a proposta de habitar a região Central em peso vá para frente, é indispensável uma mudança na mentalidade e no padrão de comportamento dos anapolinos.
“Em uma mudança assim, não tem como uma eventual classe média ou média/alta se mudar para lá e exigir garagem com duas, três vagas. Não é viável para o tráfego”, explicou.
Aliado ao transporte público, optar por meios de locomoção sustentáveis, como bicicletas, pode ser uma solução para quem for morar pela região.
“Em Amsterdã, por exemplo, a cidade construiu até estacionamentos para bicicletas, de tão bem aceita que foi a política. Além dos claros benefícios para a saúde, também elimina os problemas de engarrafamentos sem a necessidade de aumentar vias, muito embora a questão da habitação ainda não esteja 100% por lá”, destacou.

Amsterdã é conhecida como a capital das bicicletas. (Foto: Reprodução)
Políticas públicas e incentivos fiscais
Por fim, para que a requalificação do Centro vingue, Pedro considerou como imperativo que a gestão municipal adote políticas públicas e implemente incentivos fiscais de modo a possibilitar essa reestruturação.
“Uma medida benéfica seria promover incentivos fiscais, especialmente na área dos galpões, para tornar a área mais habitada, seja com isenção parcial do IPTU ou similares, pelos próximos cinco anos, por exemplo. O importante é elevar essa taxa de habitação em pelo menos 50%”, pontuou.
Desse modo, os moradores da região, de forma orgânica, proveriam a demanda para bares, restaurantes e demais comércios, tanto de dia quanto ao cair da noite.
Finalmente, Pedro reforçou que, acima de tudo, é necessário que a Prefeitura mantenha um canal de comunicação aberto com a população, que entenda as demandas e proponha soluções que sejam aceitas por quem conhece a cidade melhor do que ninguém: os anapolinos.
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