Quando Anitta fura a bolha: o Kuarup, o Xingu e nós
Encontro entre cultura indígena e cultura pop evidencia o quanto ainda precisamos reaprender a olhar para fora das telas

Neste final de semana, a cantora Anitta esteve em uma das aldeias do povo Kuikuro, no Parque Indígena do Xingu, para participar do Kuarup, um ritual fúnebre dos povos daquela região. É quando o luto dos que partiram no ano anterior se encerra e as almas estão livres para, enfim, descansar.
Acompanhada de Luciano Huck, a cantora passou pelo território para uma produção especial do “Domingão”, da TV Globo. A passagem foi marcada por diálogos com lideranças indígenas como Raoni Metuktire, do povo Kayapó Mebêngôkré, e simbologias que dão recado à grupos diversos.
Sua presença neste território não só marca um momento de visibilidade às pautas indígenas – que são urgentes e constantemente atacadas por grupos políticos em alta nas redes sociais, mas também reafirma como as redes nos deixaram míopes para grandes questões.
Há quem considere oportunismo este tipo de ação, outros acham fora de contexto, mas depois de quase dez dias em que o país esteve submerso em uma ação efetiva de influência contra o abuso e a exploração de menores nas rede sociais a partir do vídeo do influenciador Felca, a ação de Anitta é, talvez, o efeito reverso. O que precisaríamos alimentar nas redes.
Anitta não é só uma grande artista POP, mas é alguém que reúne em suas redes mais de 63 milhões de seguidores, dos quais uma grande maioria jamais parou para refletir sobre os problemas que estes grupos enfrentam. Com algorItmos cada vez mais treinados e em constante evolução, temos ficado presos em perfis que nos dão exatamente o “que achamos que precisamos ou que gostaríamos de assistir”, tendo em troca uma atrofia sobre a percepção de mundo e de escolha.
Eu não escolhi receber tanto conteúdo sobre Anitta, embora adore as músicas dela, mas recebo. Eu não escolhi receber tanto conteúdo sobre Hytallo Santos ou mesmo Felca, mas recebo. Escolher o que publicar e o que consumir deixou de ser uma decisão particular e tornou-se uma maré coletiva que nem sempre é relevante, mas às vezes a bolha consegue ser furada. Tomara que outros, assim como Anitta, também se permitam fazer parte dessa fresta de sanidade e responsabilidade social.