Exportamos mais cocaína do que gás por meio do Brasil, diz candidato no 2º turno à Presidência da Bolívia

Quiroga foi presidente de 2001 a 2002 e, desde que saiu do posto, vem tentando voltar a ele com uma plataforma de reformas liberais

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Jorge Quiroga é candidato à presidência da Bolívia. (Foto: Captura de Tela/Youtube/Record News)
Jorge Quiroga é candidato à presidência da Bolívia. (Foto: Captura de Tela/Youtube/Record News)

SYLVIA COLOMBO – Em sua quinta tentativa de concorrer à Presidência da Bolívia, Jorge “Tuto” Quiroga está confiante para a disputa do segundo turno, em 19 de outubro, contra Rodrigo Paz, considerado uma surpresa no pleito. Os dois candidatos marcaram o fim do ciclo do MAS (Movimento ao Socialismo), de Evo Morales e Luis Arce, em votação no último domingo (17), a data do primeiro turno.

Quiroga foi presidente da Bolívia por um curto espaço de tempo, de 2001 a 2002. Ele chegou ao cargo após firmar aliança com o então ditador, Hugo Banzer, de quem foi vice.

Desde que saiu do posto, vem tentando voltar a ele com uma plataforma de reformas liberais. Sua outra área de atuação preferida é junto aos opositores venezuelanos. Quiroga faz críticas intensas a Nicolás Maduro, assim como apoia gerações distintas de opositores que tentam destroná-lo, de Juan Guaidó a María Corina Machado e Edmundo González.

O candidato também defende cooperação para a área de segurança e afirma que, atualmente, a Bolívia “exporta mais cocaína por meio do Brasil do que gás”. Leia a seguir a entrevista, feita por videoconferência.

PERGUNTA – O sr. entrou cedo na política e chegou a ser o presidente mais jovem que a Bolívia já teve. O que traz dessa experiência?

JORGE QUIROGA – Tive a sorte profissional e a desgraça que significou governar na década perdida da América Latina [Quiroga governou de 2001 a 2002, após ser vice do ditador Hugo Banzer].

Era complicado governar no meio das coisas que estavam acontecendo na região: a Argentina às vésperas do “estallido” [protestos em massa], o Brasil fazendo as mudanças para implementar o real, a Bolívia ainda estava tentando proteger sua moeda com as explorações dos nossos recursos, sem a preocupação de pensar nos investimentos em infraestrutura e em busca de olhos e carteiras dos empresários de fora.

P. – Esse cenário atual, em que faltam dólares e no qual parece que a tensão popular vai, a qualquer momento, começar a invadir as ruas, não o preocupa?

JQ – Não. A Argentina foi para o chão, é certo. Queimaram-se bancos, o Uruguai colapsou também por causa do trauma argentino e demorou para encontrar alguma saída.

Quem deu uma saída naquela época, em que muitos nos inspiramos, foi o Brasil com o Plano Real, com o [ex-presidente brasileiro] Fernando Henrique Cardoso, e que de certo modo foi mantido por seus sucessores. Nós queríamos seguir isso, mas eram tempos econômicos muito complicados.

Enquanto estive no cargo, fui ao diretório do FMI [Fundo Monetário Internacional], ao Banco Mundial, ao BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento], ao CAF [Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe]. Eliminamos todas as dívidas da Bolívia para fora e a voltamos a políticas internas. Dedicamos grandes verbas para programas sociais em municípios indígenas.

Também no meu curto governo abrimos mercados para o interesse americano, para empresas de manufaturas e têxteis. E abrimos o mercado europeu para a castanha amazônica.

P. – O que é necessário fazer agora?

JQ – Exatamente o mesmo. Voltar a trazer investimentos, acordos, começar tratados de livre comércio com outros países, estabilizar a economia, parar a inflação, abrir-se ao mundo.

Evo Morales e seus 20 anos de MAS (Movimento ao Socialismo) tiveram sorte no começo por causa do boom das commodities. Bastava que Evo abrisse duas válvulas de gás e a ele chegavam 23% do PIB em exportações anuais. Eles se atrapalharam com o que era necessário para melhorar os gasodutos e isso nos trouxe a má situação financeira que temos hoje.

P. – O sr. se preocupa com o narcotráfico transnacional?

JQ – Sim, e é fato que estamos exportando mais cocaína por meio do Brasil do que gás. Isso é preocupante.
Aqui na Bolívia atuam o PCC e o Comando Vermelho. Eu quero fazer o primeiro acordo com a Polícia Federal brasileira para que tenhamos escritórios seus aqui na Bolívia, para cooperar com informação e logística.

P. – O que o sr. pensa do Mercosul?

JQ – Me interessa até certo ponto. Para a liberação de viagens sem passaporte, apenas com documento de identidade, validar títulos universitários entre os países, criar bolsas de intercâmbio. Mas eu não vou subir nenhum imposto para poder entrar no Mercosul. Não vou me meter nas TEC [Tarifa Externa Comum] porque a considero uma prisão comercial.

P. – Qual a estratégia, então?

JQ – Quero fazer acordos de livre comércio com países da Ásia: Japão, Coreia, Singapura, Vietnã, China, além da Europa. E, aprendi, o grupo do Mercosul não serve para fazer isso.

Esse acordo da União Europeia com o Mercosul é uma ilusão, mais de 25 anos negociando. Não creio que dará frutos tão cedo. Por outro lado, não gostaria de vivenciar um protecionismo brasileiro com relação a produção do meu país.

Serei claro em um aspecto, não quero entrar num mecanismo protecionista do Brasil na parte de tecnologia. Por exemplo, queremos integração de infraestrutura e áreas, mas, na parte comercial, eu vou procurar acordos de livre comércio para o meu país e para os demais do bloco. Temos 30% do lítio do mundo em nosso território e quero que venham de fora para investir.

Mas, também vou querer que, no pacote, levem quinoa e castanhas. Que os asiáticos, quando vierem negociar o lítio, levem também o azeite de soja e a carne boliviana.

P. – O sr. é crítico ao Brics?

JQ – Você não vai me ver alinhado com o Azerbaijão ou com o Qatar, ainda mais numa cúpula cuja ideia é criticar os Estados Unidos.
Minha região é a América. E é nela que, há séculos, peço eleições livres para Bolívia, para Brasil, mas também para as [ditaduras de] Venezuela, Cuba e Nicarágua.

. – O sr. ainda vê o Brasil como uma espécie de líder da região, embora cada vez mais metido e polarizado em sua política local?

JQ – O Brasil sempre deve ser o líder da região pelo tamanho e pela dimensão do impacto que faz sentir nos outros países da região. Mas, muitas vezes, sinto que o Brasil abdicou desse papel, como no caso da Venezuela [liderada pelo ditador Nicolás Maduro].

Mas espero estar na COP30. O Brasil tem a diplomacia funcionando e é uma democracia plena, ainda que com seus defeitos. Espero ter uma relação respeitosa e frutífera com Lula se eu for eleito.

P. – O sr. mencionou que gostaria de ir à COP30, o que apresentaria ali?

JQ – PPrimeiro, denunciaria algo que foi feito nos anos de Evo, a deliberada devastação de terras da Amazônia, tendo devastado muitas terras na região de Santa Cruz. Depois, vou mostrar como podemos ter uma posição respeitável com relação à emissão de carbonos.

Quero que entendam que a Bolívia pode ser um grande contribuinte na descarbonização do planeta por uma razão simples: temos uma grande Amazônia. Além disso, vamos desenvolver o lítio, portanto, um grande descarbonizador desde a raiz.

P. – O sr. será amigo do Brasil, país que tem a maior fronteira com a Bolívia?

JQ – Sim, sem dúvida, o Brasil se impõe por seu tamanho e sua cultura -para não falar do futebol. Mas eu defendo a democracia e a liberdade, aqui, na Venezuela, em Cuba e na Nicarágua e continuarei fazendo isso sempre. Quando há democracia, como a que existe no Brasil, ainda que imperfeita, eu respeito e não me meterei em política interna. Caso eleito, eu vou trabalhar com o Brasil que os brasileiros escolheram.

O sr. diz, porém, que sua grande referência é Fernando Henrique Cardoso. O que tira dele?

É o maior sul-americano da história da democracia na região. Se eu puder fazer apenas uma parte do que ele fez no Brasil, na Bolívia, me daria por satisfeito.

P. – Quais serão as estratégias de curto e médio prazo?

JQ – Quero encher o altiplano boliviano de zonas francas para produzir aqui baterias de lítio, relógios, celulares, microfones e carros. E quero integrar-me com as cadeias produtivas de veículos no Brasil.

O Brasil para mim também é modelo com relação ao modo como explora a biotecnologia. Sobre a agropecuária, queremos duplicar os esforços feitos pelo Paraguai e ter nossa carne exportada para o mundo.

Ainda sobre o Brasil, hoje o espaço que a Bolívia ocupa no mapa pode ser comparável a um buraco negro. Em vez disso, a Bolívia será um coração pulsante ligando toda a região e a própria Bolívia ao mar, para escoar nossa produção. O Panamá já não será a via mais rápida para chegar de um oceano a outro, e sim a Bolívia, com tratados com seus países vizinhos.

Jorge Quiroga, 65

É candidato da aliança política Livre à eleição presidencial da Bolívia neste ano. É engenheiro formado na Universidade A&M, do Texas, e ex-funcionário da multinacional americana IBM. Mais conhecido como “Tuto”, apelido que adicionou ao seu nome oficial, foi vice-presidente do militar Hugo Banzer, um ex-ditador que, no final da década de 1990, alcançou a presidência pela via democrática.

Autodenominado liberal. substituiu Banzer após sua renúncia devido a um câncer em 2001 e 2002. Após esse período, tentou chegar à Presidência novamente em 2005 e 2015, mas nunca teve tantas possibilidades como agora.

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