Fluidez do centrão vira trunfo e incógnita para Bolsonaro até 2022

Namoro com esses partidos nos últimos meses foi só um passo modesto do presidente nessa direção

Folhapress Folhapress -
Fluidez do centrão vira trunfo e incógnita para Bolsonaro até 2022
Jair Bolsonaro, sem partido, é presidente da República. (Foto: Agência Brasil)

Bruno Boghossian – A operação política dos primeiros anos de Jair Bolsonaro foi marcada por uma desorganização barulhenta e uma boa dose de improviso. O presidente se aproveitou da confusão para sobreviver no cargo, mas agora busca um modelo mais estável.

O namoro com os partidos do centrão nos últimos meses foi só um passo modesto nessa direção. As disputas pelo comando do Congresso, em fevereiro, podem dar a Bolsonaro a chance de construir uma estrutura para chegar até 2022 e enfrentar uma corrida pela reeleição.

Os resultados das eleições na Câmara e no Senado vão definir se Bolsonaro terá uma base partidária para servir de espinha dorsal de uma coalizão eleitoral, se o governo conseguirá aprovar projetos que serão sua plataforma de campanha daqui a dois anos e se o presidente dormirá protegido de processos de impeachment.

A Câmara é onde esse jogo já está desenhado. O movimento de Bolsonaro para fortalecer a candidatura de Arthur Lira (PP-AL), com promessas de cargos e verbas oficiais, é a principal aposta do presidente para conseguir alguns desses benefícios.

Se Lira vencer, é certo que o governo terá um caminho mais confortável para sedimentar uma base política e empurrar uma agenda legislativa.

Se sofrer uma derrota depois de mergulhar de cabeça nessa candidatura, terá no comando da Casa um grupo disposto a enfraquecer os planos políticos do presidente.

O acerto entre Bolsonaro e Lira é fruto da aproximação do Palácio do Planalto com a ala do centrão capitaneada pelo PP, do senador Ciro Nogueira (PI), e pelo PL, do ex-deputado Valdemar Costa Neto (SP).

Entre os caciques do Congresso, ninguém duvida que, se Lira se tornar presidente da Câmara, essa parceria se tornará uma coalizão em 2022.

Embora o presidente se vanglorie por ter comandado uma campanha sem tempo na propaganda de TV em 2018, uma aliança com partidos tradicionais daria à sua candidatura uma estrutura mais robusta e, o que é mais importante, reduziria o espaço de potenciais adversários na direita e no centro.

Esse grupo ainda poderia engordar, a depender do desempenho do governo. Se a popularidade do presidente crescer e a economia se recuperar, outras siglas devem seguir o mesmo caminho.
A fluidez do centrão, no entanto, obriga o governo a encarar o outro lado da moeda: em caso de derretimento de Bolsonaro no meio do caminho, mesmo o PP e o PL tendem a se voltar contra o presidente.

A flutuação dos índices de aprovação ao governo dependerá essencialmente das medidas para enfrentar o cenário dramático que se aproxima com a persistência da pandemia do coronavírus e as incertezas econômicas.

Boa parte dessas ferramentas precisa ser aprovada na Câmara e no Senado.

No primeiro biênio de governo, Bolsonaro se beneficiou do trabalho feito de forma quase independente pelo Congresso, mas perdeu o controle da pauta. Deputados e senadores aprovaram a reforma da Previdência e o pagamento do auxílio emergencial sem levar em conta os interesses políticos do Planalto.

A eleição de uma cúpula amigável nas duas Casas abriria espaço para a instalação de um método mais azeitado de articulação. O histórico de Bolsonaro sugere que ele terá pouca capacidade de tirar vantagem dessa estrutura, mas a chance estará dada.

Depende do Congresso a aprovação de algum pacote que possa proteger o presidente da ressaca do fim do auxílio emergencial.

Nos últimos meses, o governo se empenhou na produção de balões de ensaio para a reformulação de programas sociais. O fracasso foi tão grande que ampliou o desgaste da equipe econômica de Bolsonaro.

Se quiser imprimir uma marca social, o presidente terá o ano de 2021 para encontrar a fórmula para criar um programa Renda Brasil que seja palatável para o Congresso – ou seja, que caiba no Orçamento e não produza efeitos colaterais amargos para parlamentares, como cortes secos em benefícios já existentes.

Presidentes amigáveis na Câmara e no Senado também poderiam dar a Bolsonaro a oportunidade de fazer novos acenos à sua base de apoiadores fiéis.

Ele já prometeu, por exemplo, reeditar a medida provisória da regularização fundiária – conhecida como MP da grilagem. O governo flexibilizou essas normas no fim de 2019, mas a cúpula do Congresso agiu para que o texto perdesse a validade.

O ano de 2021 é uma janela para que o presidente consiga apresentar, no ano eleitoral, resultados concretos dessas propostas.

Em 2013, por exemplo, o governo Dilma Rousseff empurrou pelo Congresso a aprovação do programa Mais Médicos e da destinação de recursos do pré-sal para a educação – ambos explorados na campanha à reeleição.

Sejam quem forem os presidentes da Câmara e do Senado, os plenários serão formados pelos mesmos parlamentares dos últimos anos. A composição das cúpulas, no entanto, produz configurações políticas bem diferentes.

De início, são os presidentes das Casas os responsáveis por pautar ou engavetar os projetos de interesse do governo.

Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP) ajudaram a barrar propostas de mineração em terras indígenas e flexibilização do porte de armas de fogo, para dar dois exemplos. Aliados nesses postos mudariam esse jogo.

Além disso, as relações de poder no Congresso funcionam por gravidade. Se um candidato do Planalto vencer na Câmara ou no Senado, os parlamentares da Casa tendem a se aproximar do presidente vitorioso e adotar um comportamento mais dócil. Se houver derrota, Bolsonaro continuará sendo um governante minoritário.

O controle da Câmara serve de espada e escudo para qualquer presidente. No campo legislativo, o comando da Casa pode acelerar projetos explorados como marcas de gestão, de um lado, ou proteger o Planalto de propostas que criam despesas bilionárias, de outro.

A principal blindagem que a cúpula da Câmara pode oferecer a um presidente, porém, é no caso de processos de impeachment. Se Rodrigo Maia, crítico de Bolsonaro, já deixou na gaveta os quase 50 pedidos de impedimento já apresentados até aqui, a expectativa é que Arthur Lira seja ainda mais leniente.

Caciques governistas e da oposição no Congresso reconhecem as vantagens que Bolsonaro pode obter com a eleição de aliados nas duas Casas.

Mas todos eles também apontam que esses acertos políticos são tão voláteis quanto o repentino interesse do presidente pelo centrão. Se as condições políticas se deteriorarem, Bolsonaro continuará sem rede de proteção.

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