Obra em fábrica do Butantan atrasa produção nacional da Coronavac
A entrega de outras sete vacinas, entre elas, raiva, HPV e hepatite, não devem deslanchar tão cedo
A obra da nova fábrica de vacinas do Instituto Butantan está, enfim, finalizada. A previsão inicial de construção do Centro Multipropósito para Produção de Vacinas (CMPV) era o final de setembro de 2021, mas houve um atraso na finalização, e a obra só foi completada no final de 2021.
Apesar de concluído o prédio, a produção nacional da vacina Coronavac –e de mais outras sete vacinas, dentre elas raiva, HPV e hepatite–, não deve deslanchar tão cedo. O novo centro, construído em um prédio de três andares e com 7.885 metros quadros, aguarda ainda a chegada dos equipamentos para produzir os imunizantes.
Para a obra civil, o Instituto Butantan recebeu financiamento de 35 empresas que fizeram doações por meio do Comunitas, organização civil que ficou responsável por capitanear recursos privados para a construção em parceria com o governo estadual, em um total de R$ 189 milhões.
De acordo com o instituto, no momento e nos próximos meses será feita a instalação de equipamentos e maquinários que são, em sua maioria, importados, o que reflete também no atraso.
A etapa seguinte é de automação e depois certificação pelos órgãos competentes.
A estrutura física do local já existia –fica no espaço onde deveria ser uma fábrica de hemoderivados do instituto, que nunca foi adiante. Ela teve que ser remodelada e adaptada para a produção de vacinas.
Para isso, é preciso a construção de laboratórios de biossegurança de nível 3, onde se manipula material biológico infectante, no caso vírus e bactérias.
Além das especificidades necessárias nesse caso, a produção em escala de imunizantes passa por um rígido controle de qualidade. No país, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) faz visitas à fábrica e dá o aval para a produção, o chamado certificado de Boas Práticas de Fabricação (BPF). Isso garante que diferentes lotes da vacina tenham o mesmo perfil de qualidade e segurança.
Como essa etapa depende do início da produção de lotes piloto, é normal ter atrasos. Para especialistas na produção de vacinas, irreal é prometer prazos precisos em casos assim.
Pessoas que conhecem bem o processo de fabricação de vacinas no instituto falaram com a reportagem, sob condição de anonimato, para explicar alguns dos erros que podem acontecer na construção de uma fábrica. Um dos exemplos é o chamado escape laboratorial de vírus. Outro seria a contaminação cruzada por outros patógenos e microrganismos na produção da vacina.
Além disso, é preciso ter o vírus original para cultivar em biorreatores, no caso da Coronavac, ou em outro tipo de material –algumas vacinas para Covid são cultivadas, por exemplo, em células chamadas Vero, que são uma linha celular obtida a partir do rim de macaco verde na década de 1960.
No momento, o instituto possui 15 milhões de doses do imunizante parados, produzidos com IFA chinês e envasados na fábrica paulista. As doses, que foram recusadas pelo Ministério da Saúde para a campanha de vacinação contra a Covid-19, seguem sem destino certo.
Uma possível via de utilização dessas vacinas, de acordo com o diretor do instituto, Dimas Covas, seria para a imunização das crianças, caso haja a aprovação da Anvisa para a Coronavac entre aqueles de 3 a 17 anos. Até o momento, o imunizante recebeu autorização de uso emergencial em pessoas acima de 18 anos.
Caso haja a autorização, a produção nacional de doses do imunizante é a grande aposta do instituto em 2022. Um ano após o início da vacinação contra Covid no país, quando a vacina de vírus inativado foi a grande protagonista nos primeiros meses de campanha, o uso do imunizante no país despencou para menos de 10%, conforme mostrou reportagem do jornal Folha de S.Paulo.
A aplicação da Coronavac para o público infantil pode ampliar a projeção nacional do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), pré-candidato à Presidência.
O uso da Coronavac na campanha de vacinação teve altos e baixos, com várias disputas com o governo federal, que primeiro rejeitou a vacina, depois firmou um acordo que foi desautorizado por Bolsonaro, em um episódio que ficou conhecido como guerra das vacinas.
O Ministério da Saúde só anunciou a inclusão do imunizante chinês no plano nacional em 15 de dezembro de 2020, cerca de seis meses após ter anunciado o acordo com a Oxford/AstraZeneca e a Fiocruz.
A pasta da saúde firmou um acordo para compra de 100 milhões de doses da Coronavac. Até o final de novembro, 82,4 milhões de doses tinham sido aplicadas no Brasil na população acima de 18 anos.
Nesta semana, a Anvisa deve decidir se libera o uso da Coronavac em crianças.