Após apoio de Bolsonaro, Queiroga encomenda estudos para rebaixar Covid a endemia

Equipe do Ministério da Saúde está avaliando quais regras podem ser impactadas se o governo decidir mudar a forma de tratar a pandemia

Folhapress Folhapress -
Após apoio de Bolsonaro, Queiroga encomenda estudos para rebaixar Covid a endemia
O ministro da saúde, Marcelo Queiroga e o presidente da República, Jair Bolsonaro (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

(FOLHAPRESS) – Mesmo sob resistência de gestores de estados e municípios, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, passou a tratar como prioridade rebaixar o status da Covid-19 de pandemia (quando há uma situação de emergência sanitária global) para endemia (estágio de convivência com o vírus, com número estável de casos e mortes).

A ideia já vinha sendo discutida na pasta, mas ganhou fôlego após o presidente Jair Bolsonaro (PL) apoiar publicamente a mudança de status da crise sanitária.

O compromisso público do chefe do Executivo, que distorce dados para se opor às restrições sanitárias na pandemia, põe técnicos da Saúde sob pressão para encontrar uma saída.

Queiroga reuniu a sua equipe na última sexta-feira (4) para encontrar dados que reforcem o discurso de que o novo coronavírus pode ser visto de forma mais branda.

Técnicos da pasta ficaram com a tarefa de acompanhar o impacto das festas de Carnaval na doença, além de outros indicadores, como cobertura vacinal, e entregar na segunda metade do mês uma análise sobre o cenário da Covid no Brasil.

A Saúde deve decidir sobre a mudança até o fim deste mês.

Como mostrou a Folha, a ideia principal do ministro é encontrar uma forma de defender o fim de restrições contra o vírus, como o uso obrigatório das máscaras. Queiroga também tem afirmado a aliados que deseja ser reconhecido como o gestor que terminou com a crise sanitária no Brasil.

Na última quinta-feira (3), o presidente Bolsonaro publicou nas redes sociais uma foto ao lado do ministro e disse que a Saúde estuda “rebaixar para endemia a atual situação da Covid-19 no Brasil”.

Mas a mudança esbarra principalmente no aval para uso emergencial de vacinas e medicamentos, que pode terminar com o fim da crise sanitária. A equipe jurídica da Saúde avalia se é possível montar uma regra excepcional para manter esses produtos em uso.

Pelas regras atuais da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), a Coronavac e a vacina da Janssen, além de outros medicamentos, perdem permissão de uso emergencial se o governo declarar o fim da Espin (Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional).

Esse status de “emergência” foi reconhecido em portaria da Saúde de fevereiro de 2020. O governo também mapeia se a mudança pode dificultar a liberação de créditos extraordinários, que não são computados no teto de gastos, entre outras medidas ligadas à pandemia.

A equipe do Ministério da Saúde está avaliando quais regras podem ser impactadas se o governo decidir mudar a forma de tratar a pandemia.

Acionados informalmente pela Saúde, técnicos da Anvisa também começaram a pensar em formas de manter o uso desses produtos mesmo se o governo rebaixar a crise sanitária. Uma opção é mudar as resoluções da agência para vincular esse aval a outras regras.

Os técnicos da Saúde estão avaliando indicadores da Covid no Brasil para a análise pedida por Queiroga, como os dados de transmissão da doença, incidência, vacinação da população e ocupação de leitos de UTI (unidade de terapia intensiva).

O ministro ainda pediu para a equipe observar decisões de outros países. No começo deste ano, Reino Unido e Dinamarca, por exemplo, decidiram passar a encarar a Covid-19 como uma endemia e relaxar restrições. De forma geral, a doença se torna uma endemia quando é recorrente em uma região e não há um aumento inesperado de casos.

A leitura de alguns gestores do SUS, porém, é que esse ainda não é o momento de mudança. Um dos motivos é que o número de óbitos no país ainda é visto como alto por parte desses gestores.

Nesta segunda (7), o Brasil registrou 211 mortes por Covid e 20.644 casos da doença. Com isso, o país chegou a 652.418 vidas perdidas e a 29.066.590 pessoas infectadas pelo Sars-CoV-2. A média móvel de óbitos agora é de 425 por dia, e a de infecções, de 40.074 diárias.

Vice-presidente do Conass e secretário de Saúde do Espírito Santo, Nesio Fernandes disse à Folha, no fim de fevereiro, que não há respaldo epidemiológico para decretar o fim da pandemia. Ele afirmou ainda que é preciso esperar o comportamento da subvariante BA.2 da ômicron, além do período de maior incidência da gripe para tomar qualquer decisão.

Fernandes afirmou que abrir um discurso de acabar com a pandemia também pode atrapalhar a comunicação e a mobilização da campanha de vacinação, que ainda precisa avançar.

“Nós estamos falando de campanha de múltiplas doses sendo aplicada nas pessoas. Para conseguir um alto grau de adesão da sociedade, ela tem que compreender que existe uma situação pandêmica. Se as pessoas acham que a pandemia acabou porque mudou o status, muitas delas deixam de tomar a vacina achando que não há necessidade.”

Parte dos gestores do SUS acredita que essa mudança é uma estratégia para ajudar na campanha do presidente Jair Bolsonaro, mas vai gerar desgaste para o Ministério da Saúde. A medida seria um novo aceno a Bolsonaro. Queiroga tem apostado em agrados à base de apoiadores do governo para se agarrar ao cargo.

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