É verdade que, nesse nicho específico, Bolsonaro agora aparece numericamente na frente num eventual segundo turno com seu principal antagonista, Lula (PT): tem 46% das intenções de voto contra 43%. Mas tudo dentro do empate técnico.
No último levantamento, de dezembro, era o petista quem tinha 46%, e o atual mandatário, 44%. A margem de erro da atual sondagem, considerando apenas esse recorte evangélico, é de quatro pontos percentuais.
Nas projeções para o primeiro turno, atual (37% ou 38%, a depender dos nomes apresentados) e ex-presidente (34%) também estão embolados nesse segmento.
O Datafolha conversou com 2.556 eleitores em 181 cidades, nesta terça (22) e quarta-feira (23), numa porção amostral em que 26% se declaram evangélicos. As entrevistas, portanto, coincidiram com a revelação do escândalo no MEC (Ministério da Educação) envolvendo dois pastores.
Enquanto os ponteiros pouco se mexem nesse quadrante eleitoral, o mesmo não se pode dizer dos dois maiores adversários deste pleito.
Bolsonaro continua não medindo esforços para paparicar uma das bases que lhe é mais fiel. No 8 de março, encheu uma sala do Palácio da Alvorada de pastores e prometeu: “Eu dirijo a nação para o lado que os senhores assim o desejarem”.
Os números, contudo, mostram que o apoio nesse quinhão religioso é menos superlativo do que seus aliados alardeiam.
Pastores em sua órbita rebaixam pesquisas sérias a pinóquios esquerdistas e insistem, sem nenhum medidor científico, que o presidente tem ao seu lado a maioria esmagadora do eleitorado evangélico. Não é verdade, ou ele ganharia de lavada de Lula, ao menos nesse público.
E por que Bolsonaro não consegue avançar justo no eleitorado que tanto corteja?
Há algumas hipóteses, como a da crise econômica que, de mãos dadas com a sanitária, atingiu em cheio as classes mais baixas, de forte composição evangélica.
É bom lembrar também que essa parcela populacional não é um monólito e, mesmo concordando com algumas considerações conservadoras de megapastores bolsonaristas, não necessariamente vai fechar com um presidente que, na ponta do lápis, a deixou numa situação social mais vulnerável.
Na jugular foi Paulo Marcelo, pastor pentecostal que se juntou à campanha petista, ao explorar esse flanco econômico em entrevista à Folha de S.Paulo: “A pergunta é muito simples: o que na sua vida melhorou? Quanto na sua igreja tinha de receita, na época de Lula e Dilma, e quanto tem de receita hoje?”.
Mas e o PT, hein?
A trupe lulista argumenta que há mais coisas entre o Palácio do Planalto e o mundo evangélico do que supõe nossa vã cartografia ideológica. Reforça que o segmento é plural e, se resgatado da máquina de ódio bolsonarista, vai entender que o partido não é esse diabo que o outro lado pinta.
Petistas gostam inclusive de lembrar que, se Lula fosse tão ruim assim, pastores como Edir Macedo, Silas Malafaia e a família Ferreira (da Assembleia de Deus Madureira) não teriam se afeiçoado a ele em 2002.
Só que os gestos a evangélicos que a legenda fez até agora não lhe deram grande vantagem sobre um governo que, bem ou mal, está fragilizado diante de um Brasil com alta de preços e um saldo de mortes pandêmicas que pode chegar a 700 mil até a eleição.
E tudo bem que igrejas pequenas formam o esteio evangélico, hiper-horizontalizado e com as mais variadas demandas locais, nem sempre eleitoralmente guiado pelas grandes brigas morais compradas pela bancada evangélica.
Mas é complicado esnobar o poder de persuasão dos líderes de projeção nacional, que comandam impérios religiosos (como a Igreja Universal, que vem descascando o PT nos editoriais de seu jornal) ou movimentam redes sociais e inspiram pastores menores, que por sua vez podem influenciar seus fiéis.
Levantamento feito em 2020 pela startup Behup revela que Cláudio Duarte, um pastor que prega sobre sexo como se fosse um comediante de stand-up, é o religioso mais admirado por evangélicos, mais até do que Malafaia (terceiro lugar), outra potente bazuca virtual. Os dois, entusiastas nada tímidos de Bolsonaro, agem como influenciadores em seu meio, alcançando várias denominações.
Aliados sustentam publicamente que Lula optará por falar diretamente com o fiel evangélico na ponta, mas nos bastidores torcem pelo rearranjo com alguma igreja maior que já respaldou o PT no passado.
Até porque, na avaliação interna, o partido compreende que não dá para agarrar-se apenas a um punhado de pastores progressistas com alguma força midiática, mas sem inserção maior nas bases, que servem mais para diluir um ranço contra crentes ainda pulsante em setores da esquerda (o mérito) do que para reaproximar Lula das igrejas (o objetivo).
Pesquisas, vale lembrar, são retratos eleitorais que podem se desbotar rápido e mesmo revelar aparentes incoerências do eleitorado. No atual Datafolha, Lula é citado por 48% dos evangélicos como candidato que não votariam de jeito nenhum no primeiro turno –Bolsonaro é o segundo mais mal colocado, com 43%.
Já na sondagem de dezembro, 43% desse grupo cristão indicam o petista como melhor presidente da história do Brasil, enquanto 19% preferem o atual mandatário.
Esse cabo de guerra eleitoral continua sem vencedores óbvios, mas a corda religiosa ainda será muito esticada até a abertura das urnas em outubro.