Apenas a legalização das drogas poderá desmantelar máfias, diz ex-presidente da Colômbia
Ele também defende que a abordagem tradicional de guerra às drogas só tende a fortalecer o narcotráfico
SYLVIA COLOMBO
BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Há pouco menos de um mês da posse do presidente eleito da Colômbia, Gustavo Petro, um de seus antecessores, o Nobel da Paz Juan Manuel Santos afirma estar 100% com o esquerdista no que se refere às suas abordagens aos temas da paz e da justiça reparatória -por ora, aplicadas apenas a ex-combatentes e militares envolvidos no conflito com a guerrilha das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).
Santos também defende que a abordagem tradicional de guerra às drogas só tende a fortalecer o narcotráfico.
“A solução é a legalização das drogas”, afirma o ex-presidente em entrevista à Folha. Santos estará em São Paulo nesta sexta-feira (8) para participar do evento Virada ODS, que discute os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
*
PERGUNTA – Brasil e Colômbia têm vivido um drama comum, o assassinato de defensores da Amazônia, assim como um avanço de máfias para apoderar-se dos recursos da floresta. Como vê o tema e a necessidade de uma ação conjunta entre os dois países?
JUAN MANUEL SANTOS – As mortes de guardiões da selva, ambientalistas, ecologistas, jornalistas e pessoas preocupadas com o destino da Amazônia são uma tragédia enorme. São perdas imensas de pessoas que queriam parar com o desmatamento, com os poucos recursos que eles possuíam.
A tarefa principal é combater as máfias, do narcotráfico, do contrabando, da mineração e da pesca ilegais, que estão atuando em toda a Amazônia e em outros ecossistemas na América Latina. Essas máfias transnacionais têm um poder enorme, basta ver o caso do promotor paraguaio morto em Cartagena, supostamente por uma facção criminosa brasileira. Se não estamos sendo capazes de colaborar entre os países da região para evitar um crime aberrante como este, estamos fazendo algo muito mal.
Essas máfias estão adquirindo muito poder e controlam regiões às quais o Estado não chega. Os próprios cidadãos deixaram de pedir ajuda ao Estado e procuram a máfias, que, sim, resolvem seus problemas, mas atuam como um Estado paralelo criminoso. Eu tenho uma posição bastante radical, produto de minha própria experiência.
P. – Qual é sua posição?
JS – Por muitos anos, fui ministro da Fazenda e da Defesa. Não tenho problemas em assumir que apliquei as receitas da guerra mundial contra as drogas. Trabalhei em destruir plantações de coca com químicos que são destrutivos para a natureza, fiz apreensões de drogas, mandei extraditar mais de 1.400 narcotraficantes. E, mesmo assim, o negócio do narcotráfico continuou. O que isso me ensinou? Que essas soluções não debilitam as máfias. E que a solução é a legalização das drogas.
P. – O senhor promoveu essa ideia em várias ocasiões, e as críticas foram duríssimas. É mais fácil militar a favor desse tipo de causa depois de ter sido presidente?
JS – Quando propus sendo presidente, diziam que eu queria envenenar as crianças. Mas trata-se do mesmo que fez os Estados Unidos quando legalizaram o álcool. É algo possível. Com Fernando Henrique Cardoso, agora estamos fazendo uma campanha mundial para abolir a proibição da comercialização de drogas, de um modo que seja baseado em evidências, na saúde, nos direitos humanos. Estou convencido de que essa é a única forma de tirar o negócio e o poder das máfias.
P. – O senhor falará sobre o combate à pobreza em São Paulo. A pobreza aumentou nos últimos 4 anos na Colômbia. Em seus dois mandatos, caiu de 37,2% a 27%. Qual a fórmula?
JS – Nós decidimos adotar uma forma de medir a pobreza diferente da tradicional, um modo multidimensional. Consiste não em medir quanto ganha uma família ou uma pessoa, mas sim quais são as necessidades básicas que estão ou não satisfeitas. Essa forma de medir nos permitiu atacar a pobreza de uma maneira mais exitosa.
Esse método é mais realista. Se uma pessoa ganha US$ 100 ou US$ 800, isso não garante que tenha acesso à saúde ou à educação, dependendo de como e de onde vive. Mas se medirmos o que está faltando às pessoas, regionalmente, então chegamos a um cálculo mais exato, e o governo pode focalizar seu esforço e seu investimento público onde de fato eles são necessários.
P. – A Folha esteve em uma das audiências da Justiça Especial para a Paz (JEP). A justiça reparatória pode ser aplicada em outros casos que não os das Farc?
JS – Eu creio que esse modelo é valioso, mas não pode ser aplicado igualmente a guerrilhas e a facções criminosas. São casos diferentes. O que defendo é uma submissão à Justiça e que, sim, as penas não sejam necessariamente de prisão. No caso das Farc, nos baseamos na ideia de que o mais importante eram os familiares das vítimas. Sessões em que membros da guerrilha assumem delitos diante de vítimas são exemplares. O que as vítimas que mais desejam é serem recompensadas e reconhecidas como vítimas. Daí o poder desse sistema para promover reconciliação.
Nós já aprendemos muito, desde os tribunais de Nuremberg, da Bósnia, do Sudão. Creio que é o momento de admitir que, em casos como o colombiano, é fundamental atingir o consenso para a não repetição dos crimes. Não vejo por que não fazer algo distinto em outros casos, guardadas particularidades.
P. – Acredita que o novo governo da Colômbia está mais perto de atingir esses objetivos que a opção perdedora das eleições?
JS – Eu apoio em 100% o novo presidente da Colômbia em sua determinação de implementar o processo de paz e de ter a JEP como um modelo para a pacificação do país. Se alguém se der o trabalho de ler o acordo de paz de 2016, verá que ele propõe várias soluções. Além da paz e da violência, a questão da terra. A Colômbia é muito desigual, com 80% da concentração de terras em mãos de poucas famílias. A reforma agrária é dos primeiros artigos do acordo. Também tratamos da inclusão de indígenas, dos afro-colombianos, das mulheres. Só de aplicar o acordo, seu governo gerará uma transformação. E Petro sabe disso, por isso acreditamos estar no caminho certo.
Virada ODS
Sexta (8), das 14h às 14h45. Palco Combate à Pobreza, Paz e Mudanças Climáticas, no Pavilhão da Bienal do Parque do Ibirapuera. Av. Pedro Álvares Cabral, s/n, Moema, São Paulo