Pandemia reduz expectativa de vida global, que crescia havia cerca de cinco décadas
Boa notícia é que os países devem recuperar as tendências de longevidade entre este ano e 2025
MAYARA PAIXÃO, THIAGO AMÂNCIO E TATIANA HARADA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A pandemia de coronavírus causou uma alteração que havia quase cinco décadas não era observada: a expectativa média de vida no mundo caiu. Enquanto em 2019 a expectativa era de 72,8 anos, no ano passado foi de 71, mostra relatório da ONU lançado nesta segunda (11).
A cifra crescia de maneira ininterrupta desde 1972, até ser confrontada pelo excesso de mortes durante a crise sanitária. A boa notícia é que os países devem recuperar as tendências de longevidade entre este ano e 2025, a depender, entre outras coisas, das cifras de cobertura vacinal.
“Evidências de crises passadas que provocaram muitas mortes sugerem que, em geral, elas têm apenas um impacto limitado e de curto prazo nos padrões de mortalidade”, diz à reportagem, por email, John Wilmoth, chefe da divisão de população das Nações Unidas.
Trata-se da primeira edição do relatório World Population Prospects divulgada desde 2019 e, portanto, traz estimativas inéditas que levam em conta o coronavírus e outros fatores, como a Guerra da Ucrânia.
O material mostra que, pela primeira vez desde 1950, quando o monitoramento passou a ser feito, a média anual de crescimento da população ficou abaixo de 1% –foi de 0,9 em 2020 e, em 2022, a projeção é de que fique em 0,84%. Outro fator inédito foi o retrato de que o decrescimento populacional –quando a taxa fica abaixo de zero– deve ser atingido ainda no século 21, na década de 2080.
O demógrafo José Eustáquio Alves, que analisou os dados, diz que esse fator não é necessariamente ruim. “A população superou a capacidade de carga da terra e estamos entrando em um processo de crise ambiental muito séria; a crise climática é apenas uma parte.”
As projeções sugerem que a população mundial, que no final de 2022 deve bater à porta dos 8 bilhões, chegará a 9,7 bilhões em 2050. Na década de 2080, o pico de 10,4 bilhões será atingido e permanecerá até 2100 –cifra mais tímida em relação à versão anterior do documento, que projetou 11 bilhões para o final do século.
Mais da metade do aumento projetado para o meio do século estará concentrada em oito países: República Democrática do Congo, Egito, Etiópia, Nigéria, Tanzânia, Paquistão, Índia e Filipinas. A Índia, aliás, deverá ultrapassar a China como país mais populoso do mundo em 2023 –quatro anos antes do previsto anteriormente.
John Wilmoth diz que essas nações terão uma oportunidade-chave de impulsionar suas economias quando a taxa de fecundidade cair e a base da pirâmide etária formada por jovens em idade de trabalho for alargada, fenômeno chamado de bônus demográfico. “Mas, para tirar o máximo proveito dessa mudança temporária, será preciso que a criação de oportunidades se torne prioridade política.”
Enquanto o crescimento populacional, mesmo que em menor ritmo, será assegurado nos países de baixa e média renda pelo excesso de nascimentos sobre mortes, nas nações de alta renda a tendência é de que a migração internacional se torne o único motor.
O material também reforça a tendência de alargamento da faixa da população idosa. A parcela daqueles com 65 anos ou mais deverá aumentar de 10% neste ano para 16% em 2050, ano em que essa faixa etária será duas vezes superior ao número de crianças com menos de 5 anos e aproximadamente o mesmo que o número das com menos de 12.
O cenário, em partes, será impulsionado pela tendência contínua de queda nos índices de fecundidade, que mostram o número de filhos tido por cada mulher. Hoje a média mundial é de 2,3. Espera-se que, em 2050, ela caia para 2,2 e, em 2100, chegue a 1,8.
O assunto, porém, vira desafio quando o recorte é a gravidez na adolescência, tema sobre o qual o material faz um alerta. Na África Subsaariana, por exemplo, 101 nascimentos foram registrados no ano passado a cada mil gestantes de 15 a 19 anos. Na América Latina e no Caribe, onde o panorama também preocupa, a relação foi de 53 a cada mil.
O documento reflete ainda tendências da guerra no Leste Europeu. O conflito reduzirá a população da Ucrânia em cerca de 7 milhões até o ano que vem, em grande parte devido à emigração forçada. De 43,5 milhões em julho de 2021, o número de habitantes passará a 36,7 no mesmo período de 2023.
Desde o colapso da União Soviética, a população do país já vinha em queda –o ápice foi em 1992, com 51,8 milhões de habitantes. Agora, projeta-se que o país chegará ao final deste século com 20,4 milhões de pessoas, quase metade do que possuía em 1950.
Na esteira da pandemia, a expectativa de vida no país também caiu de 74,5 anos em 2019 para 71,6 em 2021, uma queda maior que a da média global. As mortes relacionadas à guerra, indica a ONU, devem fazer com que a expectativa despenque para 68,6 anos ao final deste ano.