Inverno e inflação assombram eleição britânica
Aumento nos custos de energia na Europa decorre diretamente da Guerra da Ucrânia, que acaba de completar seis meses
IVAN FINOTTI
MADRI, ESPANHA (FOLHAPRESS) -Com a “catástrofe do inverno” devidamente anunciada, que é como os britânicos estão chamando as consequências do aumento dos preços da energia, a eleição para primeiro-ministro no Reino Unido vem adquirindo ares dramáticos em sua reta final.
Concorrem ao posto de líder do Partido Conservador –e, como a legenda tem maioria no Parlamento, ao de primeiro-ministro– a atual secretária de Relações Exteriores, Elizabeth Truss, franca favorita, e o ex-secretário das Finanças Rishi Sunak. A eleição para a sucessão de Boris Johnson não é geral: votam apenas os cerca de 160 mil filiados do partido, que enviam as cédulas pelo correio. A data limite é a próxima sexta-feira (2), e o anúncio do vencedor deve sair na segunda (5).
O termo catástrofe para se referir ao aumento de energia não é mero exagero retórico: a Ofgem, agência reguladora do mercado de gás e energia no país, anunciou na sexta-feira (26) um aumento de 80% nas contas a partir de outubro. O boleto médio anual na Inglaterra, hoje de cerca de 2.000 libras (equivalente a R$ 12 mil), vai saltar para perto de 3.600 libras (R$ 21,5 mil).
É um dinheiro que muitas famílias britânicas simplesmente não têm. Espera-se ainda um novo aumento em janeiro de 2023, para algo em torno de 4.500 libras (ou R$ 27 mil). É o mesmo valor que fez com que um sorveteiro viralizasse nas redes sociais ao reclamar dos aumentos abusivos da energia na Itália há alguns dias. Para completar, a alta dos alimentos fez a inflação anual do Reino Unido atingir 10,1% no mês passado, a maior em quatro décadas.
“O novo primeiro-ministro vai precisar de uma política radical de apoio ao consumidor de energia –como congelamento das tarifas e taxas solidárias ou injeção sem precedentes de dezenas de bilhões de libras– para evitar que o aprofundamento da crise das contas se torne uma séria ameaça para a saúde física e financeira das famílias neste inverno [no hemisfério Norte]”, disse o think tank Resolution Foundation em um relatório bastante difundido pela imprensa britânica.
É nesse contexto que Liz Truss (que tem cerca de 30 pontos de vantagem, de acordo com as pesquisas mais recentes) e Rishi Sunak já divergem com ideias sobre o que fazer para aplacar a catástrofe.
Enquanto Sunak falou em ajudar as famílias com dinheiro, Truss mantém certa postura vaga sobre o assunto, ainda que tenha declarado há algumas semanas ao jornal Financial Times que não acreditava em “fazer doações”. A falta de projeto sobre o tema, porém, tem causado estresse entre os eleitores da atual secretária de Relações Exteriores.
Um deles, ouvido pelo jornal The Guardian, disse que “gostaria de ver mais” e que, com o anúncio feito pela Ofgem nesta sexta, esperava que Truss abordasse melhor o assunto. Outro eleitor se disse “desapontado com a falta de de foco no que interessa realmente às pessoas”. Mais assertivo, o parlamentar Michael Gove, do mesmo Partido Conservador, acusou a candidata a primeira-ministra de “estar tirando férias da realidade”.
Sunak, por outro lado, tem sido bem mais assertivo. “A primeira regra de qualquer crise é assumir que você está enfrentando uma. Nós estamos enfrentando uma crise de energia e eu tenho um plano para nos fazer passar por ela”, disse o conservador. “Vou liderar um esforço nacional para aumentar nosso suprimento de energia doméstica e cortar desperdícios. Também vou me certificar de que o país jamais fique nessa posição de novo. Vou trabalhar para que o Reino Unido esteja totalmente independente em energia por volta de 2045.”
Na noite de quinta (25), os dois participaram de um debate para algumas centenas de apoiadores em Norwich (leste da Inglaterra). Destacaram o patriotismo, exaltaram a responsabilidade individual e atacaram os trabalhistas e os separatistas escoceses. Quanto à energia, Sunak defendeu ajuda aos desfavorecidos, enquanto Truss preferiu falar em cortes de impostos.
O aumento nos custos de energia na Europa decorre diretamente da Guerra da Ucrânia, que acaba de completar seis meses. Como parte das sanções impostas à Rússia pela invasão do vizinho, a União Europeia acertou uma meta de redução de 15% do gás, além de diminuir radicalmente a compra de petróleo russo. Tudo isso impacta os preços também do Reino Unido, que não faz mais parte do bloco.
No caso britânico, o gás russo representa apenas 4% da importação, mas mesmo assim o país pretende explorar opções para também encerrar essa demanda até o fim do ano. Além de ser grandes produtoras de petróleo e derivados, as ilhas compram em especial dos EUA, da Holanda e do Golfo Pérsico.
Casada e mãe de dois filhos, Liz Truss, 46, já assumiu diversos cargos no Parlamento. Antes de se tornar a secretária de Relações Exteriores na gestão de Boris, foi ministra da Mulher e da Igualdade e precedeu seu atual rival Sunak na pasta das Finanças.
No brexit, plebiscito sobre a saída do Reino Unido da União Europeia, ela inicialmente se posicionou contra. Depois, mudou de posição, dizendo que a separação oferecia uma oportunidade de “mudar a maneira como as coisas funcionam” –um dos motes do atual premiê. Na Guerra da Ucrânia, assumiu posição dura contra a Rússia, insistindo que todas as forças deveriam ser retiradas do país invadido.
Se vencer o pleito, ela será a terceira mulher no posto, depois de Margaret Thatcher (1979-1990) e Theresa May (2016-2019), ambas também do Partido Conservador.
Casado com a herdeira de um bilionário indiano e pai de duas filhas, Rishi Shunak, 42, é apontado como grande culpado pela queda de Boris Johnson, ao ter renunciado em 5 de julho ao cargo de ministro das Finanças e acelerado a crise de imagem do premiê demissionário.
Na pandemia de Covid-19, ele anunciou um pacote de socorro de 350 bilhões de libras, mas sua popularidade foi abalada ao violar as regras do lockdown em junho de 2020.