Por que jovens trocaram boates por festas grátis na rua e games na internet
Em uma lista de atividades recreativas, dançar de madrugada numa caixa preta é, para esta faixa etária, um lazer tão desinteressante quanto visitar museus e ir ao teatro
Montar um look, encontrar os amigos e sair toda sexta e sábado à noite para beber e paquerar em uma pista de dança iluminada por estrobos até o sol nascer. Frequentar casas noturnas, um hábito que por décadas foi o auge da semana na vida de muitos jovens, parece não fazer mais tanto sentido para as novas gerações.
Hoje, mais da metade -54%- dos jovens e adultos entre 15 e 29 anos afirmam não frequentar ou frequentar boates menos de uma vez por ano, segundo uma pesquisa realizada pelo Datafolha em 12 capitais brasileiras. Em uma lista de atividades recreativas, dançar de madrugada numa caixa preta é, para esta faixa etária, um lazer tão desinteressante quanto visitar museus e ir ao teatro.
Mudanças no funcionamento da cena noturna nas últimas décadas, por um lado, e fatores que afetam toda a sociedade, por outro -como a disparada de preços no pós-pandemia e a popularização das redes sociais-, são alguns dos motivos por trás do desinteresse dos jovens pelas danceterias, afirmam pesquisadores e profissionais do setor de entretenimento.
“Nos anos 1980 e 1990, São Paulo tinha casas noturnas espalhadas pela cidade. Isso facilitava o acesso. Você não precisava ir até o centro. Ou, como hoje, a pessoa que quer ir numa Capslock, numa Mamba Negra, tem que ir até o Brás. Antes, se você morasse em Guaianazes, você podia ir [na boate local]”, afirma Camilo Rocha, pesquisador que agora escreve um livro sobre a cena de música eletrônica paulistana.
Segundo Rocha, as casas noturnas foram minguando a partir dos anos 2000, quando a juventude passou a frequentar raves, num primeiro momento, e depois migrou para festas de rua, ocupando espaços públicos tanto nas regiões centrais de São Paulo quanto nas periferias, onde a balada ganha o nome de fluxo.
Enquanto a classe média toma o Minhocão dançando techno em uma espécie de protesto festivo contra os preços das boates, nas comunidades se divertir na rua ao som de funk era a única opção de lazer para muitos.
Ocupar o espaço urbano é uma característica marcante dos jovens nascidos entre 1995 e 2011, afirma Henrique Diaz, vice-presidente da consultoria de tendências Box1824. As festas na rua, de graça, nasceram como resposta ao cenário econômico instável do Brasil em meados da década de 2010, mas acabaram se tornando um hábito do público, diz ele. Há ainda o fator da inclusão, uma questão mais importante para esta geração do que a exclusividade das casas noturnas.
“Num clube, nem todas as pessoas são bem-vindas. Tem questões relacionadas a gênero, orientação sexual, raciais. Parte da cultura de clube também era ‘isso pode, isso não pode’. Tem regras privadas que para outras gerações eram mais tranquilas. Nesse sentido, a geração Z é mais coletiva. O que vale para um vale para todos”, afirma.
Para além das festas em viadutos e praças, parte da juventude opta por se divertir em eventos de grande porte ou em festas independentes. Ambas opções se tornaram mais numerosas nos últimos anos, diz Eli Iwasa, DJ de música eletrônica e sócia do clube Caos, em Campinas.
Sediadas em espaços abandonados ou galpões de estética industrial em capitais como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, as festas independentes -organizadas por coletivos sem vínculos com casas noturnas-, são locais de grande liberdade artística e pessoal, onde classes sociais diferentes convivem na pista de dança. Em outras palavras, são noites mais liberais e menos formatadas do que boates tradicionais. Tais baladas “permitiram que a cena brasileira de música eletrônica se tornasse algo único”, acrescenta Iwasa.
Por outro lado, parte do público prefere guardar dinheiro para ir a grandes festivais em vez de gastar toda semana numa casa noturna. Embora reconheça a importância das boates como centros formadores de grupos sociais, Iwasa diz que os eventos de maior porte atraem com seus artistas de renome, o que vem ao encontro dos anseios de uma geração cada vez mais informada e exigente.
De acordo com a pesquisa do Datafolha, chega a 80% a proporção de jovens que frequentam shows e eventos, tornando esta a segunda atividade de lazer preferida. A primeira é ver filmes no cinema.
Vale ainda considerar que talvez o papel das casas noturnas tenha mudado. “A gente gostava de sair, perder o sentido e ficar na pegação, e o pessoal mais novo vê a vida de uma outra maneira, tem até uma parcela que não gosta de se entorpecer, não bebe, não usa drogas recreativas, não gosta de sexo casual”, afirma Ale Bezzi, de 45 anos, entusiasta da noite e DJ em São Paulo há mais de duas décadas.
Ele conta que os amigos de sua geração tinham locais de estimação, onde iam sempre para se encontrar, mas que as redes sociais e os aplicativos de paquera criaram os “nômades de rolê”, uma turma sem a obrigação de estar nas mesmas festas.
Numa sociedade saturada de telas, foi um passo para os rolês adotarem o mundo virtual. Diaz, o pesquisador, conta que uma parcela de jovens de bairros mais afastados passam as noites dos fins de semana em casa, jogando games online, hábito que demanda menos negociação com os pais do que pegar o transporte público para se divertir numa balada no centro.
Estes jogos em rede põem os adolescentes em contato com amigos e potenciais paqueras, cumprindo a função de socialização antes protagonizada por casas noturnas. Para a geração Z, os nativos digitais, conhecer uma pessoa numa plataforma online ou num game não é menos verdadeiro do que conhecer num clube, afirma Diaz.
Mas que o leitor não se engane. Apesar do que aponta a pesquisa, as boates seguem cheias. Numa noite recente de outubro, na área descolada do Quarto Distrito, em Porto Alegre, as pessoas não paravam de chegar para curtir o Agulha e o Córtex, ambos bares com pista de dança a metros de distância um do outro.
Para sobreviver como empresário da noite é preciso entender o que jovem está consumindo, diz Rafael Schutz, um dos sócios do Córtex, onde a faixa etária predominante é dos 24 aos 32 anos. “Não existe mais aquele fetiche que existia por ser DJ. Hoje em dia talvez seja mais legal ser influencer, fazer uma dancinha no TikTok para conseguir notoriedade social”, afirma.
Isso se traduz na decoração de sua casa noturna, que ficou mais visual e “instagramável” a partir de dicas de sua filha de 15 anos e de demandas dos frequentadores. “É isso o que a gente tem que explorar.”