Mundo paralelo de refugiados cresce em ritmo mais acelerado que os 8 bilhões

De 2011 a 2021, número de refugiados saiu de 10,4 milhões para 21,3 milhões

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Refugiados no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. (Foto: Wagner Vilas/Onzex Press e Imagens/Folhapress)Mundo paralelo de refugiados cresce em ritmo mais acelerado que os 8 bilhões
Refugiados no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. (Foto: Wagner Vilas/Onzex Press e Imagens/Folhapress)

A marca dos 8 bilhões de habitantes é simbólica, de um gigantismo inédito. Em certa medida, porém, ofusca um outro mundo que também cresce acelerado, só que sem receber tanta atenção: o dos refugiados.

De 2011 a 2021, a população mundial foi de 7 bilhões a 7,9 bilhões, um aumento de 12%. Já o número de refugiados foi de 10,4 milhões a 21,3 milhões. Ou seja: mais que dobrou. Isso sem contar os 7,8 milhões de ucranianos que viraram refugiados neste ano em decorrência da invasão russa. Tampouco estão incluídos os palestinos deslocados pela criação de Israel em 1948, que hoje somam 5,8 milhões.

Esse mundo dos refugiados, que a cineasta francesa Anne Poiret chama de “Refugistão” em um de seus documentários, é habitado por milhões de pessoas que foram forçadas a deixar seus lares. Muitas vezes, vivem em situação precária, sem acesso a trabalho, educação, lazer ou saúde.

O filme “Bem-Vindo ao Refugistão”, de 2016, retrata esse mundo à parte em que refugiados vivem em uma situação de limbo -não pertencem nem às sociedades de origem nem às que os abrigaram. “É um mundo proscrito em que ninguém oferece um futuro ou dignidade”, diz Poiret à reportagem.

Ela retrata vidas limitadas, sem intuito. Refugiados passam os dias em acampamentos, com apenas o mínimo para sobreviver. Em alguns casos, como o dos campos na Jordânia, não podem se movimentar nem trabalhar. “Não podemos fingir que eles não estão ali. Estão ali e vivem o pior dos mundos”, afirma a cineasta. “Esse é um problema global e, por isso, precisa ser resolvido de maneira global. Mas como podemos fazer isso se o sistema internacional está quebrado?”

“É uma tragédia colossal que poderia ter sido evitada”, diz Chris Boian, porta-voz do Acnur, agência da ONU que lida com temas relacionados a refugiados. “Para entender esse crescimento, temos que olhar para as razões pelas quais as pessoas deixam seus lares. Ninguém quer se tornar um refugiado, mas chegam a um ponto em que acreditam não ter outra escolha.”

O aumento no número de refugiados é em grande parte resultado dos conflitos que assolam o mundo. “Houve também uma mudança na natureza desses confrontos”, explica Boian, citando o exemplo da guerra civil iniciada na Síria em 2011, que espalhou 6,8 milhões de refugiados pelo planeta. “Em vez de um conflito tradicional entre Exércitos, temos visto um tipo diferente de violência, que envolve atores não estatais.”

Por trás desses conflitos está um complicado emaranhado de fatores como crescimento populacional e mudança climática. Secas podem destruir colheitas, levar à carência de alimentos e, assim, motivar uma violenta disputa por recursos, por exemplo. Como tantos outros especialistas, Boian afirma, porém, que o problema não é a falta de recursos em si, e sim sua má gestão e distribuição.

Na última década, muito se falou das consequências do crescimento do “Refugistão”, particularmente em relação aos discursos xenófobos europeus, baseados na ideia de que governos locais seriam incapazes de absorver milhões de entradas. “Mas há indicadores econômicos, sociais e demográficos mostrando que essas sociedades podem se beneficiar ao receber refugiados e permitir que se integrem”, diz o porta-voz do Acnur. “Vemos refugiados contribuírem de diversos modos. Trabalham, pagam impostos, criam negócios e geram empregos. Todo mundo ganha.”

O enfoque na Europa, ademais, é enganoso, visto que países em desenvolvimento abrigam hoje 83% dos refugiados. “Os governos que têm menos recursos são aqueles que estão tomando a dianteira, mas as pessoas prestam mais atenção quando refugiados chegam aos países ricos”, analisa Boian.

Houve de fato bastante alarde em 2015, com a chegada de refugiados sírios ao Oeste Europeu. O crescimento da ultradireita na Europa está, em parte, relacionada a esse fenômeno. “Muitas pessoas ficaram assustadas e houve repercussões políticas, com base nessa fantasia que tinham sobre grandes levas de refugiados”, pontua Poiret. “Mas o cerne da questão não é a Europa.”

O Líbano, por exemplo, tem uma das maiores proporções de refugiados per capita: 1,5 milhão de pessoas abrigadas em um país que tem menos de 7 milhões de habitantes; isso enquanto passa pelo que o Banco Mundial descreveu como uma das piores crises econômicas do mundo desde o século 19. “Essa não deveria ser uma questão política, e sim humanitária. Nós deveríamos tratar os refugiados como gostaríamos de ser tratados se estivéssemos no lugar deles”, afirma Boian

Para Wooksoo Kim, diretora de um instituto de pesquisa sobre imigrantes e refugiados na Universidade de Buffalo, em Nova York, está claro claro que não há soluções fáceis para um problema que é estrutural. “O crescimento na população de refugiados reflete a piora na condição humana ao redor do mundo”, diz.

A urgência em resolver essa crise, porém, não deveria ser fruto apenas do rápido aumento na população de refugiados, mas também da compaixão. “Independentemente da quantidade de refugiados no mundo, quer seja 1 ou 1 milhão, deveríamos ajudá-los. Deveríamos querer ajudar quem precisa.”

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