Relatório golpista de partido de Bolsonaro tem erros e lacunas

Documento também ignora primeiro turno da eleição e a distribuição dos diferentes modelos de urnas dentro de um mesmo estado

Folhapress Folhapress -
Relatório golpista de partido de Bolsonaro tem erros e lacunas
**ARQUIVO*** BRASÍLIA, DF, 28.01.2021 – Jair Bolsonaro e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, em evento no Palácio do Planalto. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)

RENATA GALF
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O relatório utilizado pelo partido do atual presidente Jair Bolsonaro, o PL, para pedir a invalidação de votos depositados em urnas de modelos anteriores a 2020 tira conclusões incorretas a partir dos dados identificados, segundo especialistas em computação consultados pelo jornal Folha de S.Paulo.

O PL questiona a ausência do código de série das urnas no “diário de bordo” desses equipamentos mais antigos. Alega que, com isso, não é possível fiscalizá-las. Há, porém, outros dados e formas para identificar essas urnas.

Ou seja, diferentemente da afirmação do parecer, a falha apontada não impossibilita a vinculação do arquivo gerado pela urna (conhecido como log da urna) com sua urna física correspondente, argumento base do relatório do PL.

Na comparação feita por um especialista, é como se um um órgão estatal, por um erro, não tivesse em sua planilha os dados do INSS de um cidadão, mas tivesse RG e CPF -sendo possível, portanto, identificá-lo.

Além disso, o documento do PL possui lacunas ao ignorar o primeiro turno da eleição e a distribuição dos diferentes modelos de urnas dentro de um mesmo estado.

EM QUE SE BASEIA A AÇÃO DO PL?
A ação apresentada pelo PL nesta terça-feira (22) ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) é baseada em relatório do Instituto Voto Legal, que foi entregue ao tribunal em anexo e tem vários de seus trechos reproduzidos na ação. Uma versão parcial também circulou na última semana.

Na ação, o PL pede a invalidação de votos depositados em urnas de modelos anteriores a 2020. O partido aponta que, no log dessas urnas, na coluna onde deveria constar o código de identificação único de cada urna há um outro número que se repete.

Cada urna gera diferentes arquivos referentes a cada turno. Um deles é o log das urnas, que funciona como uma espécie de diário de bordo ou ata daquela urna. Nele são registrados todos os eventos que acontecem nela: como ter sido ligada, desligada, se ela apresenta baixa carga de bateria ou se registra uma eventual falha.

Se organizado numa planilha, a composição de um log da urna seria com várias linhas, sendo cada uma delas um desses eventos, e junto de cada evento aparecem algumas colunas -uma delas é esse código identificador da urna.

O QUE O PL AFIRMA COM BASE NISSO?

O parecer alega que, sem esse código, não seria possível vincular o arquivo gerado pela urna (o log da urna) à sua urna física correspondente, no caso das urnas de modelos anteriores a 2020.

“Como há evidências de mau funcionamento das urnas eletrônicas que geraram arquivos log com erros graves no campo do código de identificação da urna, fica comprometida a certeza dos resultados gerados nestas urnas e a garantia de integridade dos demais arquivos gerados, pelas mesmas urnas”, diz trecho do relatório que consta na representação.

Apesar de o problema apontado ter ocorrido nos logs de ambos os turnos e o parecer considerar que os erros “são graves”, o PL, que elegeu a maior bancada do Congresso no primeiro turno, pede a invalidação apenas de votos do segundo turno.

POR QUE A ALEGAÇÃO DO PL É FRÁGIL?

O erro no registro dos logs não representa um problema grave, pois há outras formas de verificar que um log pertence a determinada urna, afirma o professor de engenharia da computação Marcos Simplício, da Escola Politécnica da USP e do Larc (Laboratório de Arquitetura e Redes de Computadores).

“O que importa não é a ausência ou existência de bugs. É o quanto aquele bug gera um problema de fato”, diz Simplício.

Também de acordo com Bruno Albertini, que é integrante da Comissão de Transparência das Eleições do TSE e professor do departamento de Engenharia de Computação da Escola Politécnica da USP, o erro encontrado no log da urna não é crítico e não impossibilita a vinculação do log com a urna.

“Ao contrário do que afirma o relatório, há outras maneiras de vincular o log com a urna. Também a urna gerar um log com um identificador inválido não invalida o arquivo todo e não caracteriza falha de funcionamento”, diz Albertini.

QUAIS AS FORMAS DE VINCULAR O LOG DA URNA À URNA CORRESPONDENTE?

Um dos meios de fazer tal vinculação é por meio dos demais dados que constam no log da urna, como o número da zona e da seção eleitoral, além do código de carga da urna. Todos essas informações constam tanto no boletim de urna quanto no log.

Além disso, os especialistas apontam o fato de os arquivos da urna serem assinados digitalmente como uma garantia ainda mais robusta. “A urna só assina o seu log e a assinatura é suficiente para garantir com segurança criptográfica que o log veio daquela urna de fato”, diz Albertini.

Uma forma que demandaria mais trabalho, seria a verificação in loco das urnas por amostragem.

A urna armazena os dados da votação em duas mídias: uma memória interna e outra externa (tipo um pen drive). Assim, é possível verificar, por exemplo, se os logs salvos na memória interna das urnas usadas no pleito correspondem aos dados disponibilizados no site do TSE.

O QUE MAIS O PL IGNORA?

Nessas eleições foram usados seis modelos de urnas diferentes -o modelo 2020 estreou neste ano. Além dele, foram usadas urnas 2009, 2010, 2011, 2013 e 2015 -esses números correspondem ao ano da licitação.

Um ponto ignorado pela representação do PL é a análise sobre como as urnas dos diferentes modelos foram distribuídas dentro de um mesmo estado ou de acordo com a quantidade de eleitores. Ela afirma apenas que as urnas de modelo 2020 foram “distribuídas aparentemente de forma proporcional e equitativa pelo país pela própria Justiça Eleitoral”.

A partir disso, conclui que “os votos válidos e auditáveis do segundo turno” atestariam resultado diferente e dariam 51,05% dos votos a Bolsonaro. O documento indica que as urnas 2020 seriam as únicas que teriam “elementos de auditoria válida e que atestam a autenticidade do resultado eleitoral com a certeza necessária – na concepção do próprio Tribunal Superior Eleitoral”.

Documento publicado por pesquisadores da USP e da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), na semana passada, mostrou, por exemplo, que as urnas novas foram mais comumente usadas em seções com mais de 400 eleitores -ao rebater afirmações infundadas feitas na live do argentino Fernando Cerimedo, que também levantou dúvidas sobre urnas dos modelos mais antigos.

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